EXORTAÇÃO
APOSTÓLICA PÓS-SINODAL VERBUM DOMINI
DO
SANTO PADRE BENTO XVI AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
E
AOS FIÉIS LEIGOS SOBRE A PALAVRA DE DEUS NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA
ÍNDICE
Introdução
[1]
Para
que a nossa alegria seja perfeita [2]
Da
«Dei Verbum» ao Sínodo sobre a Palavra de Deus [3]
O
Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus [4]
O
Prólogo do Evangelho de João por guia [5]
I
PARTE
VERBUM
DEI
O
Deus que fala
Deus
em diálogo [6]
Analogia
da Palavra de Deus [7]
Dimensão
cósmica da Palavra [8]
A
criação do homem [9]
O
realismo da Palavra [10]
Cristologia
da Palavra [11-13]
Dimensão
escatológica da Palavra de Deus [14]
A
Palavra de Deus e o Espírito Santo [15-16]
Tradição
e Escritura [17-18]
Sagrada
Escritura, inspiração e verdade [19]
Deus
Pai, fonte e origem da Palavra [20-21]
A
resposta do homem a Deus que fala
Chamados
a entrar na Aliança com Deus [22]
Deus
escuta o homem e responde às suas perguntas [23]
Dialogar
com Deus através das suas palavras [24]
A
Palavra de Deus e a fé [25]
O
pecado como não escuta da Palavra de Deus [26]
Maria
«Mater Verbi Dei» e «Mater fidei» [27-28]
A
hermenêutica da Sagrada Escritura na Igreja
A
Igreja, lugar originário da hermenêutica da Bíblia [29-30]
«A
alma da sagrada teologia» [31]
Desenvolvimento
da investigação bíblica e Magistério eclesial [32-33]
A
hermenêutica bíblica conciliar: uma indicação a acolher [34]
O
perigo do dualismo e a hermenêutica secularizada [35]
Fé
e razão na abordagem da Escritura [36]
Sentido
literal e sentido espiritual [37]
A
necessária superação da «letra» [38]
A
unidade intrínseca da Bíblia [39]
A
relação entre Antigo e Novo Testamento [40-41]
As
páginas «obscuras» da Bíblia [42]
Cristãos
e judeus, relativamente às Sagradas Escrituras [43]
A
interpretação fundamentalista da Sagrada Escritura [44]
Diálogo
entre Pastores, teólogos e exegetas [45]
Bíblia
e ecumenismo [46]
Consequências
sobre a organização dos estudos teológicos [47]
Os
Santos e a interpretação da Escritura [48-49]
II
PARTE
VERBUM
IN ECCLESIA
A
palavra de Deus e a Igreja
A
Igreja acolhe a Palavra [50]
Contemporaneidade
de Cristo na vida da Igreja [51]
Liturgia,
lugar privilegiado da palavra de Deus
A
Palavra de Deus na sagrada Liturgia [52]
Sagrada
Escritura e Sacramentos [53]
Palavra
de Deus e Eucaristia [54-55]
A
sacramentalidade da Palavra [56]
A
Sagrada Escritura e o Leccionário [57]
Proclamação
da Palavra e ministério do leitorado [58]
A
importância da homilia [59]
Conveniência
de um Directório homilético [60]
Palavra
de Deus, Reconciliação e Unção dos Doentes [61]
Palavra
de Deus e Liturgia das Horas [62]
Palavra
de Deus e Cerimonial das Bênçãos [63]
Sugestões
e propostas concretas para a animação litúrgica [64]
a)
Celebrações da Palavra de Deus [65]
b)
A Palavra e o silêncio [66]
c)
Proclamação solene da Palavra de Deus [67]
d)
A Palavra de Deus no templo cristão [68]
e)
Exclusividade dos textos bíblicos na liturgia [69]
f)
Canto litúrgico biblicamente inspirado [70]
g)
Particular atenção aos cegos e aos surdos [71]
A
palavra de Deus na vida eclesial
Encontrar
a Palavra de Deus na Sagrada Escritura [72]
A
animação bíblica da pastoral [73]
Dimensão
bíblica da catequese [74]
Formação
bíblica dos cristãos [75]
A
Sagrada Escritura nos grandes encontros eclesiais [76]
Palavra
de Deus e vocações [77]
a)
Palavra de Deus e Ministros Ordenados [78-81]
b)
Palavra de Deus e candidatos às Ordens Sacras [82]
c)
Palavra de Deus e vida consagrada [83]
d)
Palavra de Deus e fiéis leigos [84]
e)
Palavra de Deus, matrimónio e família [85]
Leitura
orante da Sagrada Escritura e «lectio divina» [86-87]
Palavra
de Deus e oração mariana [88]
Palavra
de Deus e Terra Santa [89]
III
PARTE
VERBUM
MUNDO
A
missão da Igreja: anunciar a palavra de Deus ao mundo
A
Palavra que sai do Pai e volta para o Pai [90]
Anunciar
ao mundo o «Logos» da Esperança [91]
Da
Palavra de Deus deriva a missão da Igreja [92]
A
Palavra e o Reino de Deus [93]
Todos
os baptizados responsáveis do anúncio [94]
A
necessidade da «missio ad gentes» [95]
Anúncio
e nova evangelização [96]
Palavra
de Deus e testemunho cristão [97-98]
Palavra
de Deus e compromisso no mundo
Servir
Jesus nos seus «irmãos mais pequeninos» (Mt 25, 40) [99]
Palavra
de Deus e compromisso na sociedade pela justiça [100-101]
Anúncio
da Palavra de Deus, reconciliação e paz entre os povos [102]
A
Palavra de Deus e a caridade activa [103]
Anúncio
da Palavra de Deus e os jovens [104]
Anúncio
da Palavra de Deus e os migrantes [105]
Anúncio
da Palavra de Deus e os doentes [106]
Anúncio
da Palavra de Deus e os pobres [107]
Palavra
de Deus e defesa da criação [108]
Palavra
de Deus e culturas
O
valor da cultura para a vida do homem [109]
A
Bíblia como grande código para as culturas [110]
O
conhecimento da Bíblia nas escolas e universidades [111]
A
Sagrada Escritura nas diversas expressões artísticas [112]
Palavra
de Deus e meios de comunicação social [113]
Bíblia
e inculturação [114]
Traduções
e difusão da Bíblia [115]
A
Palavra de Deus supera os limites das culturas [116]
Palavra
de Deus e diálogo inter-religioso
O
valor do diálogo inter-religioso [117]
Diálogo
entre cristãos e muçulmanos [118]
Diálogo
com as outras religiões [119]
Diálogo
e liberdade religiosa [120]
Conclusão
A
palavra definitiva de Deus [121]
Nova
evangelização e nova escuta [122]
A
Palavra e a alegria [123]
«Mater
Verbi et Mater laetitiae» [124]
INTRODUÇÃO
1.
A palavra do senhor permanece eternamente. E esta é a palavra do Evangelho que
vos foi anunciada» (1 Pd 1, 25; cf. Is 40, 8). Com esta citação da Primeira
Carta de São Pedro, que retoma as palavras do profeta Isaías, vemo-nos
colocados diante do mistério de Deus que Se comunica a Si mesmo por meio do dom
da sua Palavra. Esta Palavra, que permanece eternamente, entrou no tempo. Deus
pronunciou a sua Palavra eterna de modo humano; o seu Verbo «fez-Se carne» (Jo
1, 14). Esta é a boa nova. Este é o anúncio que atravessa os séculos, tendo
chegado até aos nossos dias. A XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos
Bispos, que se efectuou no Vaticano de 5 a 26 de Outubro de 2008, teve como
tema A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Foi uma experiência
profunda de encontro com Cristo, Verbo do Pai, que está presente onde dois ou
três se encontram reunidos em seu nome (cf. Mt 18, 20). Com esta Exortação
apostólica pós-sinodal, acolho de bom grado o pedido que me fizeram os Padres
de dar a conhecer a todo o Povo de Deus a riqueza surgida naquela reunião
vaticana e as indicações emanadas do trabalho comum.[1] Nesta linha, pretendo
retomar tudo o que foi elaborado pelo Sínodo, tendo em conta os documentos
apresentados: os Lineamenta, o Instrumentum laboris, os Relatórios ante e post
disceptationem e os textos das intervenções, tanto os que foram lidos na sala
como os apresentados in scriptis, os Relatórios dos Círculos Menores e os seus
debates, a Mensagem final ao Povo de Deus e sobretudo algumas propostas específicas
(Propositiones), que os Padres
consideraram de particular relevância. Desejo assim indicar algumas
linhas fundamentais para uma redescoberta, na vida da Igreja, da Palavra
divina, fonte de constante renovação, com a esperança de que a mesma se torne
cada vez mais o coração de toda a actividade eclesial.
Para
que a nossa alegria seja perfeita
2.
Quero, antes de mais nada, recordar a beleza e o fascínio do renovado encontro
com o Senhor Jesus que se experimentou nos dias da assembleia sinodal. Por
isso, fazendo-me eco dos Padres, dirijo-me a todos os fiéis com as palavras de
São João na sua primeira carta: «Nós vos anunciamos a vida eterna, que estava
no Pai e que nos foi manifestada – o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos,
para que também vós tenhais comunhão connosco. Quanto à nossa comunhão, ela é
com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo» (1 Jo 1, 2-3). O Apóstolo fala-nos de
ouvir, ver, tocar e contemplar (cf. 1 Jo 1, 1) o Verbo da Vida, já que a Vida
mesma se manifestou em Cristo. E nós, chamados à comunhão com Deus e entre nós,
devemos ser anunciadores deste dom. Nesta perspectiva querigmática, a
assembleia sinodal foi um testemunho para a Igreja e para o mundo de como é
belo o encontro com a Palavra de Deus na comunhão eclesial. Portanto, exorto
todos os fiéis a redescobrirem o encontro pessoal e comunitário com Cristo,
Verbo da Vida que Se tornou visível, a fazerem-se seus anunciadores para que o
dom da vida divina, a comunhão, se dilate cada vez mais pelo mundo inteiro. Com
efeito, participar na vida de Deus, Trindade de Amor, é a alegria completa (cf.
1 Jo 1, 4). E é dom e dever imprescindível da Igreja comunicar a alegria que
deriva do encontro com a Pessoa de Cristo, Palavra de Deus presente no meio de
nós. Num mundo que frequentemente sente Deus como supérfluo ou alheio,
confessamos como Pedro que só Ele tem «palavras de vida eterna» (Jo 6, 68). Não
existe prioridade maior do que esta: reabrir ao homem actual o acesso a Deus, a
Deus que fala e nos comunica o seu amor para que tenhamos vida em abundância
(cf. Jo 10, 10).
Da
«Dei Verbum» ao Sínodo sobre a Palavra de Deus
3.
Com a XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de
Deus, estamos conscientes de nos termos debruçado de certo modo sobre o próprio
coração da vida cristã, dando continuidade à assembleia sinodal anterior sobre
a Eucaristia como fonte e ápice da vida e da missão da Igreja. De facto, a
Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela.[2] Ao longo de
todos os séculos da sua história, o Povo de Deus encontrou sempre nela a sua
força, e também hoje a comunidade eclesial cresce na escuta, na celebração e no
estudo da Palavra de Deus. Há que reconhecer que, nas últimas décadas, a vida
eclesial aumentou a sua sensibilidade relativamente a este tema, com particular
referência à Revelação cristã, à Tradição viva e à Sagrada Escritura. Pode-se
afirmar que, a partir do pontificado do Papa Leão XIII, houve um crescendo de
intervenções visando suscitar maior consciência da importância da Palavra de
Deus e dos estudos bíblicos na vida da Igreja,[3] que teve o seu ponto
culminante no Concílio Vaticano II, de modo especial com a promulgação da
Constituição dogmática sobre a Revelação divina Dei Verbum. Esta representa um
marco miliário no caminho da Igreja. «Os Padres Sinodais (…) reconhecem, com
ânimo agradecido, os grandes benefícios que este documento trouxe à vida da
Igreja a nível exegético, teológico, espiritual, pastoral e ecuménico».[4] De
modo particular cresceu, nestes anos, a consciência do «horizonte trinitário e
histórico-salvífico da Revelação»[5] em que se deve reconhecer Jesus Cristo
como «o mediador e a plenitude de toda a Revelação».[6] A Igreja confessa,
incessantemente, a cada geração que Ele, «com toda a sua presença e
manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres, e
sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição e, enfim, com o envio do
Espírito de verdade, completa totalmente e confirma com o testemunho divino a
Revelação».[7]
É
de conhecimento geral o grande impulso dado pela Constituição dogmática Dei
Verbum à redescoberta da Palavra de Deus na vida da Igreja, à reflexão
teológica sobre a Revelação divina e ao estudo da Sagrada Escritura. E
numerosas foram também as intervenções do Magistério eclesial sobre estas
matérias nos últimos quarenta anos.[8] A Igreja, ciente da continuidade do seu
próprio caminho sob a guia do Espírito Santo, com a celebração deste Sínodo
sentiu-se chamada a aprofundar ainda mais o tema da Palavra divina, seja para
verificar a realização das indicações conciliares seja para enfrentar os novos
desafios que o tempo presente coloca a quem acredita em Cristo.
O
Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus
4.
Na XII Assembleia sinodal, Pastores vindos de todo o mundo congregaram-se ao redor
da Palavra de Deus, colocando simbolicamente no centro da Assembleia o texto da
Bíblia, para redescobrirem algo que nos arriscamos de dar por adquirido no
dia-a-dia: o facto de que Deus fale e responda às nossas perguntas.[9] Juntos
escutámos e celebrámos a Palavra do Senhor. Narrámos uns aos outros aquilo que
o Senhor está a realizar no Povo de Deus, partilhando esperanças e
preocupações. Tudo isto nos tornou conscientes de que só podemos aprofundar a
nossa relação com a Palavra de Deus dentro do «nós» da Igreja, na escuta e no
acolhimento recíproco. Daqui nasce a gratidão pelos testemunhos sobre a vida
eclesial nas diversas partes do mundo, surgidos nas várias intervenções feitas
na sala. Ao mesmo tempo foi comovedor também ouvir os Delegados Fraternos, que
aceitaram o convite para participar no encontro sinodal. Penso de modo
particular na meditação que nos ofereceu Sua Santidade Bartolomeu I, Patriarca
Ecuménico de Constantinopla, pela qual os Padres sinodais exprimiram profunda
gratidão.[10] Além disso, pela primeira vez, o Sínodo dos Bispos quis convidar
também um Rabino, que nos deu um testemunho precioso sobre as Sagradas
Escrituras judaicas; estas são precisamente uma parte das nossas Sagradas
Escrituras.[11]
Pudemos
assim constatar, com alegria e gratidão, que «na Igreja há um Pentecostes
também hoje, ou seja, que ela fala em muitas línguas; e isto não só no sentido
externo de estarem nela representadas todas as grandes línguas do mundo mas
também, e mais profundamente, no sentido de que nela estão presentes os
variados modos da experiência de Deus e do mundo, a riqueza das culturas, e só
assim se manifesta a vastidão da existência humana e, a partir dela, a vastidão
da Palavra de Deus».[12] Além disso, pudemos constatar também um Pentecostes ainda
a caminho; vários povos aguardam ainda que seja anunciada a Palavra de Deus na
sua própria língua e cultura.
Como
não recordar também que, durante todo o Sínodo, nos acompanhou o testemunho do
Apóstolo Paulo? De facto, foi providencial que a XII Assembleia Geral Ordinária
se tenha realizado precisamente dentro do ano dedicado à figura do grande
Apóstolo das Nações, por ocasião do bimilenário do seu nascimento. A sua
existência caracterizou-se completamente pelo zelo em difundir a Palavra de
Deus. Como não sentir vibrar no nosso coração as palavras com que se referia à
sua missão de anunciador da Palavra divina: «Faço tudo por causa do Evangelho»
(1 Cor 9, 23); «pois eu – escreve na Carta aos Romanos – não me envergonho do
Evangelho, o qual é poder de Deus para salvação de todo o crente» (1, 16)?!
Quando reflectimos sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, não
podemos deixar de pensar em São Paulo e na sua vida entregue à difusão do
anúncio da salvação de Cristo a todos os povos.
O
Prólogo do Evangelho de João por guia
5.
Desejo, através desta Exortação apostólica, que as conclusões do Sínodo influam
eficazmente sobre a vida da Igreja: sobre a relação pessoal com as Sagradas
Escrituras, sobre a sua interpretação na liturgia e na catequese bem como na
investigação científica, para que a Bíblia não permaneça uma Palavra do
passado, mas uma Palavra viva e actual. Com este objectivo, pretendo apresentar
e aprofundar os resultados do Sínodo, tomando por referência constante o
Prólogo do Evangelho de João (Jo 1, 1-18), que nos dá a conhecer o fundamento
da nossa vida: o Verbo, que desde o princípio está junto de Deus, fez-Se carne
e veio habitar entre nós (cf. Jo 1, 14). Trata-se de um texto admirável, que dá
uma síntese de toda a fé cristã. A partir da sua experiência pessoal do
encontro e seguimento de Cristo, João, que a tradição identifica com «o
discípulo que Jesus amava» (Jo 13, 23; 20, 2; 21, 7.20), «chegou a esta certeza
íntima: Jesus é a Sabedoria de Deus encarnada, é a sua Palavra eterna feita
homem mortal».[13] Aquele que «viu e acreditou» (Jo 20, 8) nos ajude também a
apoiar a cabeça sobre o peito de Cristo (cf. Jo 13, 25), donde brotou sangue e
água (cf. Jo 19, 34), símbolos dos Sacramentos da Igreja. Seguindo o exemplo do
Apóstolo João e dos outros autores inspirados, deixemo-nos guiar pelo Espírito
Santo para podermos amar cada vez mais a Palavra de Deus.
I
PARTE
VERBUM
DEI
«No
princípio já existia o Verbo,
e
o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (…)
e
o Verbo fez-Se carne» (Jo 1, 1.14)
O
Deus que fala
Deus
em diálogo
6.
A novidade da revelação bíblica consiste no facto de Deus Se dar a conhecer no
diálogo, que deseja ter connosco.[14] A Constituição dogmática Dei Verbum tinha
exposto esta realidade, reconhecendo que «Deus invisível na riqueza do seu amor
fala aos homens como a amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à
comunhão com Ele».[15] Mas ainda não teríamos compreendido suficientemente a
mensagem do Prólogo de São João, se nos detivéssemos na constatação de que Deus
Se comunica amorosamente a nós. Na realidade, o Verbo de Deus, por meio do Qual
«tudo começou a existir» (Jo 1, 3) e que Se «fez carne» (Jo 1, 14), é o mesmo
que já existia «no princípio» (Jo 1, 1). Se aqui podemos descobrir uma alusão
ao início do livro do Génesis (cf. Gn 1, 1), na realidade vemo-nos colocados
diante de um princípio de carácter absoluto e que nos narra a vida íntima de
Deus. O Prólogo joanino apresenta-nos o facto de que o Logos existe realmente desde
sempre, e desde sempre Ele mesmo é Deus. Por conseguinte, nunca houve em Deus
um tempo em que não existisse o Logos. O Verbo preexiste à criação. Portanto,
no coração da vida divina, há a comunhão, há o dom absoluto. «Deus é amor» (1
Jo 4, 16) – dirá noutro lugar o mesmo Apóstolo, indicando assim «a imagem
cristã de Deus e também a consequente imagem do homem e do seu caminho».[16]
Deus dá-Se-nos a conhecer como mistério de amor infinito, no qual, desde toda a
eternidade, o Pai exprime a sua Palavra no Espírito Santo. Por isso o Verbo,
que desde o princípio está junto de Deus e é Deus, revela-nos o próprio Deus no
diálogo de amor entre as Pessoas divinas e convida-nos a participar nele.
Portanto, feitos à imagem e semelhança de Deus amor, só nos podemos compreender
a nós mesmos no acolhimento do Verbo e na docilidade à obra do Espírito Santo.
É à luz da revelação feita pelo Verbo divino que se esclarece definitivamente o
enigma da condição humana.
Analogia
da Palavra de Deus
7.
A partir destas considerações que brotam da meditação sobre o mistério cristão
expresso no Prólogo de João, é necessário agora pôr em evidência aquilo que foi
afirmado pelos Padres sinodais a propósito das diversas modalidades com que
usamos a expressão «Palavra de Deus». Falou-se, justamente, de uma sinfonia da
Palavra, de uma Palavra única que se exprime de diversos modos: «um cântico a
diversas vozes».[17] A este propósito, os Padres sinodais falaram de um uso
analógico da linguagem humana na referência à Palavra de Deus. Com efeito, se
esta expressão, por um lado, diz respeito à comunicação que Deus faz de Si
mesmo, por outro assume significados diversos que devem ser atentamente
considerados e relacionados entre si, tanto do ponto de vista da reflexão
teológica como do uso pastoral. Como nos mostra claramente o Prólogo de João, o
Logos indica originariamente o Verbo eterno, ou seja, o Filho unigénito, gerado
pelo Pai antes de todos os séculos e consubstancial a Ele: o Verbo estava junto
de Deus, o Verbo era Deus. Mas este mesmo Verbo – afirma São João – «fez-Se
carne» (Jo 1, 14); por isso Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria, é realmente
o Verbo de Deus que Se fez consubstancial a nós. Assim a expressão «Palavra de
Deus» acaba por indicar aqui a pessoa de Jesus Cristo, Filho eterno do Pai
feito homem.
Além
disso, se no centro da revelação divina está o acontecimento de Cristo, é
preciso reconhecer que a própria criação, o liber naturae, constitui também
essencialmente parte desta sinfonia a diversas vozes na qual Se exprime o único
Verbo. Do mesmo modo confessamos que Deus comunicou a sua Palavra na história
da salvação, fez ouvir a sua voz; com a força do seu Espírito, «falou pelos
profetas».[18] Por conseguinte, a Palavra divina exprime-se ao longo de toda a
história da salvação e tem a sua plenitude no mistério da encarnação, morte e
ressurreição do Filho de Deus. E Palavra de Deus é ainda aquela pregada pelos
Apóstolos, em obediência ao mandato de Jesus Ressuscitado: «Ide pelo mundo
inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura» (Mc 16, 15). Assim a Palavra
de Deus é transmitida na Tradição viva da Igreja. Enfim, é Palavra de Deus,
atestada e divinamente inspirada, a Sagrada Escritura, Antigo e Novo
Testamento. Tudo isto nos faz compreender por que motivo, na Igreja, veneramos
extremamente as Sagradas Escrituras, apesar da fé cristã não ser uma «religião
do Livro»: o cristianismo é a «religião da Palavra de Deus», não de «uma
palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo».[19] Por conseguinte a
Sagrada Escritura deve ser proclamada, escutada, lida, acolhida e vivida como
Palavra de Deus, no sulco da Tradição Apostólica de que é inseparável.[20]
Como
afirmaram os Padres sinodais, encontramo-nos realmente perante um uso analógico
da expressão «Palavra de Deus», e disto mesmo devemos estar conscientes. Por
isso, é necessário que os fiéis sejam melhor formados para identificar os seus
diversos significados e compreender o seu sentido unitário. E do ponto de vista
teológico é preciso também aprofundar a articulação dos vários significados
desta expressão, para que resplandeça melhor a unidade do plano divino e,
neste, a centralidade da pessoa de Cristo.[21]
Dimensão
cósmica da Palavra
8.
Conscientes do significado fundamental da Palavra de Deus referida ao Verbo
eterno de Deus feito carne, único salvador e mediador entre Deus e o homem,[22]
e escutando esta Palavra, somos levados pela revelação bíblica a reconhecer que
ela é o fundamento de toda a realidade. O Prólogo de São João afirma,
referindo-se ao Logos divino, que «tudo começou a existir por meio d’Ele, e,
sem Ele, nada foi criado» (Jo 1, 3); de igual modo na Carta aos Colossenses
afirma-se, aludindo a Cristo «primogénito de toda a criação» (1, 15), que «tudo
foi criado por Ele e para Ele» (1, 16). E o autor da Carta aos Hebreus recorda
que «pela fé conhecemos que o mundo foi formado pela palavra de Deus, de tal
modo que o que se vê não provém das coisas sensíveis» (11, 3).
Este
anúncio é, para nós, uma palavra libertadora. De facto, as afirmações da
Sagrada Escritura indicam que tudo o que existe não é fruto de um acaso
irracional, mas é querido por Deus, está dentro do seu desígnio, em cujo centro
se encontra a oferta de participar na vida divina em Cristo. A criação nasce do
Logos e traz indelével o sinal da Razão criadora que regula e guia. Esta feliz
certeza é cantada nos Salmos: «Pela palavra do Senhor foram feitos os céus,
pelo sopro da sua boca todos os seus exércitos» (Sl 33, 6); e ainda: «Ele falou
e as coisas existiram. Ele mandou e as coisas subsistiram» (Sl 33, 9). A
realidade inteira exprime este mistério: «Os céus proclamam a glória de Deus, o
firmamento anuncia as obras das suas mãos» (Sl 19, 2). É a própria Sagrada
Escritura que nos convida a conhecer o Criador, observando a criação (cf. Sb
13, 5; Rm 1, 19-20). A tradição do pensamento cristão soube aprofundar este
elemento-chave da sinfonia da Palavra, quando por exemplo São Boaventura – que,
juntamente com a grande tradição dos Padres Gregos, vê todas as possibilidades
da criação no Logos[23] – afirma que «cada criatura é palavra de Deus, porque
proclama Deus».[24] A Constituição dogmática Dei Verbum sintetizara este facto
dizendo que «Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo (cf. Jo 1,
3), oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo na criação».[25]
A
criação do homem
9.
Deste modo, a realidade nasce da Palavra, como creatura Verbi, e tudo é chamado
a servir a Palavra. A criação é lugar onde se desenvolve toda a história do
amor entre Deus e a sua criatura; por conseguinte, o movente de tudo é a
salvação do homem. Contemplando o universo na perspectiva da história da
salvação, somos levados a descobrir a posição única e singular que ocupa o
homem na criação: «Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus;
Ele os criou homem e mulher» (Gn 1, 27). Isto permite-nos reconhecer plenamente
os dons preciosos recebidos do Criador: o valor do próprio corpo, o dom da
razão, da liberdade e da consciência. Nisto encontramos também tudo aquilo que
a tradição filosófica chama «lei natural».[26] Com efeito, «todo o ser humano
que atinge a consciência e a responsabilidade experimenta um chamamento
interior para realizar o bem»[27] e, consequentemente, evitar o mal. Sobre este
princípio, como recorda São Tomás de Aquino, fundam-se também todos os outros
preceitos da lei natural.[28] A escuta da Palavra de Deus leva-nos em primeiro
lugar a prezar a exigência de viver segundo esta lei «escrita no coração» (cf.
Rm 2, 15; 7, 23).[29] Depois, Jesus Cristo dá aos homens a Lei nova, a Lei do
Evangelho, que assume e realiza de modo sublime a lei natural, libertando-nos
da lei do pecado, por causa do qual, come diz São Paulo, «querer o bem está ao
meu alcance, mas realizá-lo não» (Rm 7, 18), e dá aos homens, por meio da
graça, a participação na vida divina e a capacidade de superar o egoísmo.[30]
O
realismo da Palavra
10.
Quem conhece a Palavra divina conhece plenamente também o significado de cada
criatura. De facto, se todas as coisas «têm a sua subsistência» n’Aquele que
existe «antes de todas as coisas» (Cl 1, 17), então quem constrói a própria
vida sobre a sua Palavra edifica de modo verdadeiramente sólido e duradouro. A
Palavra de Deus impele-nos a mudar o nosso conceito de realismo: realista é
quem reconhece o fundamento de tudo no Verbo de Deus.[31] Isto revela-se
particularmente necessário no nosso tempo, em que manifestam o seu carácter
efémero muitas coisas com as quais se contava para construir a vida e sobre as
quais se era tentado a colocar a própria esperança. Mais cedo ou mais tarde, o
ter, o prazer e o poder manifestam-se incapazes de realizar as aspirações mais
profundas do coração do homem. De facto, para edificar a própria vida, ele tem
necessidade de alicerces sólidos, que permaneçam mesmo quando falham as
certezas humanas. Na realidade, já que «para sempre, Senhor, como os céus,
subsiste a vossa palavra» e a fidelidade do Senhor «atravessa as gerações» (Sl
119, 89-90), quem constrói sobre esta palavra, edifica a casa da própria vida
sobre a rocha (cf. Mt 7, 24). Que o nosso coração possa dizer a Deus cada dia:
«Sois o meu abrigo, o meu escudo, na vossa palavra pus a minha esperança» (Sl
119, 114), e possamos agir cada dia confiando no Senhor Jesus como São Pedro:
«Porque Tu o dizes, lançarei as redes» (L c 5, 5).
Cristologia
da Palavra
11.
A partir deste olhar sobre a realidade como obra da Santíssima Trindade,
através do Verbo divino, podemos compreender as palavras do autor da Carta aos
Hebreus: «Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitas
maneiras, pelos Profetas, agora falou-nos nestes últimos tempos pelo Filho, a
Quem constituiu herdeiro de tudo e por Quem igualmente criou o mundo» (Hb 1,
1-2). É estupendo observar como todo o Antigo Testamento se nos apresenta já
como história na qual Deus comunica a sua Palavra: de facto, «tendo
estabelecido aliança com Abraão (cf. Gn 15, 18), e com o povo de Israel por
meio de Moisés (cf. Ex 24, 8), revelou-Se ao Povo escolhido como único Deus
verdadeiro e vivo, em palavras e obras, de tal modo que Israel pudesse conhecer
por experiência os planos de Deus sobre os homens, os compreendesse cada vez
mais profunda e claramente, ouvindo o mesmo Deus falar por boca dos profetas, e
os difundisse mais amplamente entre os homens (cf. Sl 21, 28-29; 95, 1-3; Is 2,
1-4; Jr 3, 17)».[32]
Esta
condescendência de Deus realiza-se, de modo insuperável, na encarnação do
Verbo. A Palavra eterna que se exprime na criação e comunica na história da
salvação, tornou-se em Cristo um homem, «nascido de mulher» (Gl 4, 4). Aqui a
Palavra não se exprime primariamente num discurso, em conceitos ou regras; mas
vemo-nos colocados diante da própria pessoa de Jesus. A sua história, única e
singular, é a palavra definitiva que Deus diz à humanidade. Daqui se compreende
por que motivo, «no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma
grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida
um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».[33] A renovação deste
encontro e desta consciência gera no coração dos fiéis a maravilha pela
iniciativa divina, que o homem, com as suas próprias capacidades racionais e
imaginação, jamais teria podido conceber. Trata-se de uma novidade inaudita e
humanamente inconcebível: «O Verbo fez-Se carne e habitou entre nós» (Jo 1,
14a). Estas expressões não indicam uma figura retórica mas uma experiência
vivida. Quem a refere é São João, testemunha ocular: «Nós vimos a sua glória,
glória que Lhe vem do Pai, como Filho único cheio de graça e de verdade» (Jo 1,
14b). A fé apostólica testemunha que a Palavra eterna Se fez Um de nós. A
Palavra divina exprime-se verdadeiramente em palavras humanas.
12.
A tradição patrística e medieval, contemplando esta «Cristologia da Palavra»,
utilizou uma sugestiva expressão: O Verbo abreviou-Se.[34] «Na sua tradução
grega do Antigo Testamento, os Padres da Igreja encontravam uma frase do
profeta Isaías – que o próprio São Paulo cita – para mostrar como os caminhos
novos de Deus estivessem já preanunciados no Antigo Testamento. Eis a frase: “O
Senhor compendiou a sua Palavra, abreviou--a” (Is 10, 23; Rm 9, 28). (…) O
próprio Filho é a Palavra, é o Logos: a Palavra eterna fez-Se pequena; tão
pequena que cabe numa manjedoura. Fez--Se criança, para que a Palavra possa ser
compreendida por nós».[35] Desde então a Palavra já não é apenas audível, não
possui somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo
podemos ver: Jesus de Nazaré.[36]
Repassando
a narração dos Evangelhos, notamos como a própria humanidade de Jesus se
manifesta em toda a sua singularidade precisamente quando referida à Palavra de
Deus. De facto, na sua humanidade perfeita, Ele realiza a vontade do Pai a todo
o momento; Jesus ouve a sua voz e obedece-Lhe com todo o seu ser; conhece o Pai
e observa a sua palavra (cf. Jo 8, 55); comunica-nos as coisas do Pai (cf. Jo
12, 50); «dei-lhes as palavras que Tu Me deste» (Jo 17, 8). Assim Jesus mostra
que é o Logos divino que Se dá a nós, mas é também o novo Adão, o homem
verdadeiro, aquele que cumpre em cada momento não a própria vontade mas a do
Pai. Ele «crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos
homens» (L c 2, 52). De maneira perfeita, escuta, realiza em Si mesmo e
comunica-nos a Palavra divina (cf. L c 5, 1).
Por
fim, a missão de Jesus cumpre-se no Mistério Pascal: aqui vemo-nos colocados
diante da «Palavra da cruz» (cf. 1 Cor 1, 18). O Verbo emudece, torna-se
silêncio de morte, porque Se «disse» até calar, nada retendo do que nos devia
comunicar. Sugestivamente os Padres da Igreja, ao contemplarem este mistério,
colocam nos lábios da Mãe de Deus esta expressão: «Está sem palavra a Palavra
do Pai, que fez toda a criatura que fala; sem vida estão os olhos apagados
d’Aquele a cuja palavra e aceno se move tudo o que tem vida».[37] Aqui
verdadeiramente comunica-se-nos o amor «maior», aquele que dá a vida pelos
próprios amigos (cf. Jo 15, 13).
Neste
grande mistério, Jesus manifesta-Se como a Palavra da Nova e Eterna Aliança: a
liberdade de Deus e a liberdade do homem encontraram--se definitivamente na sua
carne crucificada, num pacto indissolúvel, válido para sempre. O próprio Jesus,
na Última Ceia, ao instituir a Eucaristia falara de «Nova e Eterna Aliança»,
estabelecida no seu sangue derramado (cf. Mt 26, 28; Mc 14, 24; L c 22, 20),
mostrando-Se como o verdadeiro Cordeiro imolado, no qual se realiza a
definitiva libertação da escravidão.[38]
No
mistério refulgente da ressurreição, este silêncio da Palavra manifesta-se com
o seu significado autêntico e definitivo. Cristo, Palavra de Deus encarnada,
crucificada e ressuscitada, é Senhor de todas as coisas; é o Vencedor, o
Pantocrator, e assim todas as coisas ficam recapituladas n’Ele para sempre (cf.
Ef 1, 10). Por isso, Cristo é «a luz do mundo» (Jo 8, 12), aquela luz que
«resplandece nas trevas» (Jo 1, 5) mas as trevas não a acolheram (cf. Jo 1, 5).
Aqui se compreende plenamente o significado do Salmo 119 quando a designa
«farol para os meus passos, e luz para os meus caminhos» (v. 105); esta luz
decisiva na nossa estrada é precisamente a Palavra que ressuscita. Desde o
início, os cristãos tiveram consciência de que, em Cristo, a Palavra de Deus
está presente como Pessoa. A Palavra de Deus é a luz verdadeira, de que o homem
tem necessidade. Sim, na ressurreição, o Filho de Deus surgiu como Luz do
mundo. Agora, vivendo com Ele e para Ele, podemos viver na luz.
13.
Chegados por assim dizer ao coração da «Cristologia da Palavra», é importante
sublinhar a unidade do desígnio divino no Verbo encarnado: é por isso que o
Novo Testamento nos apresenta o Mistério Pascal de acordo com as Sagradas
Escrituras, como a sua íntima realização. São Paulo, na Primeira Carta aos
Coríntios, afirma que Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados, «segundo as Escrituras»
(15, 3) e que ressuscitou no terceiro dia «segundo as Escrituras» (15, 4).
Deste modo o Apóstolo põe o acontecimento da morte e ressurreição do Senhor em
relação com a história da Antiga Aliança de Deus com o seu povo. Mais ainda,
faz-nos compreender que esta história recebe de tal acontecimento a sua lógica
e o seu verdadeiro significado. No Mistério Pascal, realizam-se «as palavras da
Escritura, isto é, esta morte realizada “segundo as Escrituras” é um
acontecimento que contém em si mesmo um logos, uma lógica: a morte de Cristo
testemunha que a Palavra de Deus Se fez totalmente “carne”, “história”
humana».[39] Também a ressurreição de Jesus acontece «ao terceiro dia, segundo
as Escrituras»: dado que a corrupção, segundo a interpretação judaica, começava
depois do terceiro dia, a palavra da Escritura cumpre-se em Jesus, que
ressuscita antes de começar a corrupção. Deste modo São Paulo, transmitindo
fielmente o ensinamento dos Apóstolos (cf. 1 Cor 15, 3), sublinha que a vitória
de Cristo sobre a morte se verifica através da força criadora da Palavra de
Deus. Esta força divina proporciona esperança e alegria: tal é, em definitivo,
o conteúdo libertador da revelação pascal. Na Páscoa, Deus revela-Se a Si mesmo
juntamente com a força do Amor trinitário que aniquila as forças destruidoras
do mal e da morte.
Assim,
recordando estes elementos essenciais da nossa fé, podemos contemplar a unidade
profunda entre criação e nova criação e de toda a história da salvação em
Cristo. Recorrendo a uma imagem, podemos comparar o universo com uma partitura,
um «livro» – diria Galileu Galilei – considerando-o como «a obra de um Autor
que Se exprime através da “sinfonia” da criação. Dentro desta sinfonia, a
determinado ponto aparece aquilo que, em linguagem musical, se chama um “solo”,
um tema confiado a um só instrumento ou a uma só voz; e é tão importante que
dele depende o significado da obra inteira. Este “solo” é Jesus (…). O Filho do
Homem compendia em Si mesmo a terra e o céu, a criação e o Criador, a carne e o
Espírito. É o centro do universo e da história, porque n’Ele se unem sem se
confundir o Autor e a sua obra».[40]
Dimensão
escatológica da Palavra de Deus
14.
Por meio de tudo isto, a Igreja exprime a consciência de se encontrar, em Jesus
Cristo, com a Palavra definitiva de Deus; Ele é «o Primeiro e o Último» (Ap 1,
17). Deu à criação e à história o seu sentido definitivo; por isso somos
chamados a viver o tempo, a habitar na criação de Deus dentro deste ritmo
escatológico da Palavra. «Portanto, a economia cristã, como nova e definitiva
aliança, jamais passará, e não se há-de esperar nenhuma outra revelação pública
antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. 1 Tm 6, 14; Tt
2, 13)».[41] De facto, como recordaram os Padres durante o Sínodo, a
«especificidade do cristianismo manifesta-se no acontecimento que é Jesus
Cristo, ápice da Revelação, cumprimento das promessas de Deus e mediador do
encontro entre o homem e Deus. Ele, “que nos deu a conhecer Deus” (Jo 1, 18), é
a Palavra única e definitiva confiada à humanidade».[42] São João da Cruz exprimiu
esta verdade de modo admirável: «Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a
sua Palavra – e não tem outra – Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só
vez nesta Palavra única e já nada mais tem para dizer (…). Porque o que antes
disse parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente, dando-nos o Todo que é
o seu Filho. E por isso, quem agora quisesse consultar a Deus ou pedir-Lhe
alguma visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas faria agravo a
Deus, por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d’Ele outra
realidade ou novidade».[43]
Consequentemente,
o Sínodo recomendou que «se ajudassem os fiéis a bem distinguir a Palavra de
Deus das revelações privadas»,[44] cujo «papel não é (…) “completar” a
Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente, numa
determinada época histórica».[45] O valor das revelações privadas é
essencialmente diverso do da única revelação pública: esta exige a nossa fé; de
facto nela, por meio de palavras humanas e da mediação da comunidade viva da
Igreja, fala-nos o próprio Deus. O critério da verdade de uma revelação privada
é a sua orientação para o próprio Cristo. Quando aquela nos afasta d’Ele,
certamente não vem do Espírito Santo, que nos guia no âmbito do Evangelho e não
fora dele. A revelação privada é uma ajuda para a fé, e manifesta-se como
credível precisamente porque orienta para a única revelação pública. Por isso,
a aprovação eclesiástica de uma revelação privada indica essencialmente que a
respectiva mensagem não contém nada que contradiga a fé e os bons costumes; é
lícito torná-la pública, e os fiéis são autorizados a prestar-lhe de forma
prudente a sua adesão. Uma revelação privada pode introduzir novas acentuações,
fazer surgir novas formas de piedade ou aprofundar antigas. Pode revestir-se de
um certo carácter profético (cf. 1 Ts 5, 19-21) e ser uma válida ajuda para
compreender e viver melhor o Evangelho na hora actual; por isso não se deve
desprezá-la. É uma ajuda, que é oferecida, mas da qual não é obrigatório fazer
uso. Em todo o caso, deve tratar-se de um alimento para a fé, a esperança e a
caridade, que são o caminho permanente da salvação para todos.[46]
A
Palavra de Deus e o Espírito Santo
15.
Depois de nos termos detido sobre a Palavra última e definitiva de Deus ao
mundo, é necessário recordar agora a missão do Espírito Santo relativamente à
Palavra divina. De facto, não é possível uma compreensão autêntica da revelação
cristã fora da acção do Paráclito. Isto deve-se ao facto de a comunicação que
Deus faz de Si mesmo implicar sempre a relação entre o Filho e o Espírito
Santo, a Quem Ireneu de Lião realmente chama «as duas mãos do Pai».[47] Aliás,
é a Sagrada Escritura que nos indica a presença do Espírito Santo na história
da salvação e, particularmente, na vida de Jesus, o Qual é concebido no seio da
Virgem Maria por obra do Espírito Santo (cf. Mt 1, 18; L c 1, 35); ao iniciar a
sua missão pública nas margens do Jordão, vê-O descer sobre Si em forma de
pomba (cf. Mt 3, 16); neste mesmo Espírito, Jesus age, fala e exulta (cf. L c
10, 21); é no Espírito que Se oferece a Si mesmo (cf. Hb 9, 14). Quando está
para terminar a sua missão – segundo narra o evangelista São João –, o próprio
Jesus relaciona claramente o dom da sua vida com o envio do Espírito aos Seus (cf.
Jo 16, 7). Depois Jesus ressuscitado, trazendo na sua carne os sinais da
paixão, derrama o Espírito (cf. Jo 20, 22), tornando os discípulos
participantes da sua própria missão (cf. Jo 20, 21). O Espírito Santo ensinará
aos discípulos todas as coisas, recordando-lhes tudo o que Cristo disse (cf. Jo
14, 26), porque será Ele, o Espírito de Verdade (cf. Jo 15, 26), a guiar os
discípulos para a Verdade inteira (cf. Jo 16, 13). Por fim, como se lê nos
Actos dos Apóstolos, o Espírito desce sobre os Doze reunidos em oração com
Maria no dia de Pentecostes (cf. 2, 1-4) e anima-os na missão de anunciar a Boa
Nova a todos os povos.[48]
Por
conseguinte, a Palavra de Deus exprime-se em palavras humanas graças à obra do
Espírito Santo. A missão do Filho e a do Espírito Santo são inseparáveis e
constituem uma única economia da salvação. O mesmo Espírito, que actua na
encarnação do Verbo no seio da Virgem Maria, guia Jesus ao longo de toda a sua
missão e é prometido aos discípulos. O mesmo Espírito que falou por meio dos
profetas, sustenta e inspira a Igreja no dever de anunciar a Palavra de Deus e
na pregação dos Apóstolos; e, enfim, é este Espírito que inspira os autores das
Sagradas Escrituras.
16.
Conscientes deste horizonte pneumatológico, os Padres sinodais quiseram lembrar
a importância da acção do Espírito Santo na vida da Igreja e no coração dos
fiéis relativamente à Sagrada Escritura:[49] sem a acção eficaz do «Espírito da
Verdade» (Jo 14, 16), não se podem compreender as palavras do Senhor. Como
recorda ainda Santo Ireneu: «Aqueles que não participam do Espírito não recebem
do peito da sua mãe [a Igreja] o alimento da vida; nada recebem da fonte mais
pura que brota do corpo de Cristo».[50] Tal como a Palavra de Deus vem até nós
no corpo de Cristo, no corpo eucarístico e no corpo das Escrituras por meio do
Espírito Santo, assim também só pode ser acolhida e compreendida
verdadeiramente graças ao mesmo Espírito.
Os
grandes escritores da tradição cristã são unânimes ao considerar o papel do
Espírito Santo na relação que os fiéis devem ter com as Escrituras. São João
Crisóstomo afirma que a Escritura «tem necessidade da revelação do Espírito, a
fim de que, descobrindo o verdadeiro sentido das coisas que nela se encerram,
disso mesmo tiremos abundante proveito».[51] Também São Jerónimo está
firmemente convencido de que «não podemos chegar a compreender a Escritura sem
a ajuda do Espírito Santo que a inspirou».[52] Depois, São Gregório Magno
sublinha, de modo sugestivo, a obra do mesmo Espírito na formação e na interpretação
da Bíblia: «Ele mesmo criou as palavras dos Testamentos Sagrados, Ele mesmo as
desvendou».[53] Ricardo de São Víctor recorda que são necessários «olhos de
pomba», iluminados e instruídos pelo Espírito, para compreender o texto
sagrado.[54]
Desejaria
ainda sublinhar como é significativo o testemunho a respeito da relação entre o
Espírito Santo e a Escritura que encontramos nos textos litúrgicos, onde a
Palavra de Deus é proclamada, escutada e explicada aos fiéis. É o caso de
antigas orações que, em forma de epiclese, invocam o Espírito antes da
proclamação das leituras: «Mandai o vosso Espírito Santo Paráclito às nossas
almas e fazei-nos compreender as Escrituras por Ele inspiradas; e concedei-me
interpretá-las de maneira digna, para que os fiéis aqui reunidos delas tirem
proveito». De igual modo, encontramos orações que, no fim da homilia, novamente
invocam de Deus o dom do Espírito sobre os fiéis: «Deus salvador (…), nós Vos
pedimos por este povo: Mandai sobre ele o Espírito Santo; o Senhor Jesus venha
visitá-lo, fale à mente de todos e abra os corações à fé e conduza para Vós as
nossas almas, Deus das Misericórdias».[55] Por tudo isto bem podemos
compreender que não é possível alcançar o sentido da Palavra, se não se acolhe
a acção do Paráclito na Igreja e nos corações dos fiéis.
Tradição
e Escritura
17.
Reafirmando o vínculo profundo entre o Espírito Santo e a Palavra de Deus,
lançamos também as bases para compreender o sentido e o valor decisivo da
Tradição viva e das Sagradas Escrituras na Igreja. De facto, uma vez que Deus
«amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único» (Jo 3, 16), a Palavra
divina, pronunciada no tempo, deu-Se e «entregou-Se» à Igreja definitivamente
para que o anúncio da salvação possa ser eficazmente comunicado em todos os
tempos e lugares. Como nos recorda a Constituição dogmática Dei Verbum, o
próprio Jesus Cristo «mandou aos Apóstolos que pregassem a todos, como fonte de
toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes, o Evangelho
prometido antes pelos profetas e por Ele cumprido e promulgado pessoalmente,
comunicando-lhes assim os dons divinos. Isto foi realizado com fidelidade tanto
pelos Apóstolos que, na sua pregação oral, exemplos e instituições,
transmitiram aquilo que tinham recebido dos lábios, trato e obras de Cristo, e
o que tinham aprendido por inspiração do Espírito Santo, como por aqueles
Apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do Espírito Santo,
escreveram a mensagem da salvação».[56]
Além
disso o Concílio Vaticano II recorda que esta Tradição de origem apostólica é
realidade viva e dinâmica: ela «progride na Igreja sob a assistência do
Espírito Santo»; não no sentido de mudar na sua verdade, que é perene, mas
«progride a percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas», com a
contemplação e o estudo, com a inteligência dada por uma experiência espiritual
mais profunda, e por meio da «pregação daqueles que, com a sucessão do
episcopado, receberam o carisma da verdade».[57]
A
Tradição viva é essencial para que a Igreja, no tempo, possa crescer na
compreensão da verdade revelada nas Escrituras; de facto, «mediante a mesma
Tradição, conhece a Igreja o cânon inteiro dos livros sagrados, e a própria
Sagrada Escritura entende-se nela mais profundamente e torna-se incessantemente
operante».[58] Em última análise, é a Tradição viva da Igreja que nos faz
compreender adequadamente a Sagrada Escritura como Palavra de Deus. Embora o
Verbo de Deus preceda e exceda a Sagrada Escritura, todavia, enquanto inspirada
por Deus, esta contém a Palavra divina (cf. 2 Tm 3, 16) «de modo totalmente
singular».[59]
18.
Disto conclui-se como é importante que o Povo de Deus seja educado e formado
claramente para se abeirar das Sagradas Escrituras na sua relação com a
Tradição viva da Igreja, reconhecendo nelas a própria Palavra de Deus. É muito
importante, do ponto de vista da vida espiritual, fazer crescer esta atitude
nos fiéis. A este respeito pode ajudar a recordação de uma analogia
desenvolvida pelos Padres da Igreja entre o Verbo de Deus que Se faz «carne» e
a Palavra que se faz «livro».[60] A Constituição dogmática Dei Verbum, ao
recolher esta tradição antiga segundo a qual «o corpo do Filho é a Escritura
que nos foi transmitida» – como afirma Santo Ambrósio[61] –, declara: «As palavras de Deus, com efeito,
expressas por línguas humanas, tornaram-se intimamente semelhantes à linguagem
humana, como outrora o Verbo do eterno Pai Se assemelhou aos homens tomando a
carne da fraqueza humana».[62] Vista assim, a Sagrada Escritura, apesar da
multiplicidade das suas formas e conteúdos, aparece-nos como uma realidade
unitária. De facto, «através de todas as palavras da Sagrada Escritura, Deus
não diz mais que uma só palavra, o seu Verbo único, em quem totalmente Se diz
(cf. Hb 1, 1-3)»,[63] como claramente afirmava já Santo Agostinho: «Lembrai-vos
de que o discurso de Deus que se desenvolve em todas as Escrituras é um só, e
um só é o Verbo que Se faz ouvir na boca de todos os escritores sagrados».[64]
Em
última análise, através da obra do Espírito Santo e sob a guia do Magistério, a
Igreja transmite a todas as gerações aquilo que foi revelado em Cristo. A
Igreja vive na certeza de que o seu Senhor, tendo falado outrora, não cessa de
comunicar hoje a sua Palavra na Tradição viva da Igreja e na Sagrada Escritura.
De facto, a Palavra de Deus dá-se a nós na Sagrada Escritura, enquanto
testemunho inspirado da revelação, que, juntamente com a Tradição viva da
Igreja, constitui a regra suprema da fé.[65]
Sagrada
Escritura, inspiração e verdade
19.
Um conceito-chave para receber o texto sagrado como Palavra de Deus em palavras
humanas é, sem dúvida, o de inspiração. Também aqui se pode sugerir uma
analogia: assim como o Verbo de Deus Se fez carne por obra do Espírito Santo no
seio da Virgem Maria, assim também a Sagrada Escritura nasce do seio da Igreja
por obra do mesmo Espírito. A Sagrada Escritura é «Palavra de Deus enquanto foi
escrita por inspiração do Espírito de Deus».[66] Deste modo se reconhece toda a
importância do autor humano que escreveu os textos inspirados e, ao mesmo
tempo, do próprio Deus como verdadeiro autor.
Daqui
se vê com toda a clareza – lembraram os Padres sinodais – como o tema da
inspiração é decisivo para uma adequada abordagem das Escrituras e para a sua
correcta hermenêutica,[67] que deve, por sua vez, ser feita no mesmo Espírito
em que foi escrita.[68] Quando esmorece em nós a consciência da inspiração,
corre-se o risco de ler a Escritura como objecto de curiosidade histórica e não
como obra do Espírito Santo, na qual podemos ouvir a própria voz do Senhor e
conhecer a sua presença na história.
Além
disso, os Padres sinodais puseram em evidência como ligado com o tema da
inspiração esteja também o tema da verdade das Escrituras.[69] Por isso, um
aprofundamento da dinâmica da inspiração levará, sem dúvida, também a uma maior
compreensão da verdade contida nos livros sagrados. Como indica a doutrina
conciliar sobre o tema, os livros inspirados ensinam a verdade: «E assim, como
tudo quanto afirmam os autores inspirados ou hagiógrafos deve ser tido como
afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da
Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus, para
nossa salvação, quis que fosse consi-gnada nas sagradas Letras. Por isso, “toda
a Escri-tura é divinamente inspirada e útil para ensinar, para corrigir, para
instruir na justiça: para que o homem de Deus seja perfeito, experimentado em
todas as boas obras (2 Tm 3, 16-17 gr.)”».[70]
Não
há dúvida que a reflexão teológica sempre considerou inspiração e verdade como
dois conceitos-chave para uma hermenêutica eclesial das Sagradas Escrituras. No
entanto, deve-se reconhecer a necessidade actual de um condigno aprofundamento
destas realidades, para se responder melhor às exigências relativas à
interpretação dos textos sagrados segundo a sua natureza. Nesta perspectiva,
desejo vivamente que a investigação possa avançar neste campo e dê fruto para a
ciência bíblica e para a vida espiritual dos fiéis.
Deus
Pai, fonte e origem da Palavra
20.
A economia da revelação tem o seu início e a sua origem em Deus Pai. Pela sua
palavra «foram feitos os céus, pelo sopro da sua boca todos os seus exércitos»
(Sl 33, 6). É Ele que faz resplandecer «o conhecimento da glória de Deus, que
se reflecte na face de Cristo» (2 Cor 4, 6; cf. Mt 16, 17; L c 9, 29).
No
Filho, «Logos feito carne» (cf. Jo 1, 14), que veio para cumprir a vontade
d’Aquele que O enviou (cf. Jo 4, 34), Deus, fonte da revelação, manifesta-Se
como Pai e leva à perfeição a educação divina do homem, já anteriormente
animada pela palavra dos profetas e pelas maravilhas realizadas na criação e na
história do seu povo e de todos os homens. O apogeu da revelação de Deus Pai é
oferecido pelo Filho com o dom do Paráclito (cf. Jo 14, 16), Espírito do Pai e
do Filho, que nos «guiará para a verdade total» (Jo 16, 13).
Deste
modo, todas as promessas de Deus se tornam «sim» em Jesus Cristo (cf. 2 Cor 1,
20). Abre-se assim, para o homem, a possibilidade de percorrer o caminho que o
conduz ao Pai (cf. Jo 14, 6), para que no fim «Deus seja tudo em todos» (1 Cor
15, 28).
21.
Como mostra a cruz de Cristo, Deus fala também por meio do seu silêncio. O
silêncio de Deus, a experiência da distância do Omnipotente e Pai é etapa
decisiva no caminho terreno do Filho de Deus, Palavra encarnada. Suspenso no
madeiro da cruz, o sofrimento que Lhe causou tal silêncio fê-Lo lamentar: «Meu
Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?» (Mc 15, 34; Mt 27, 46). Avançando na
obediência até ao último respiro, na obscuridade da morte, Jesus invocou o Pai.
A Ele Se entregou no momento da passagem, através da morte, para a vida eterna:
«Pai, nas tuas mãos, entrego o meu espírito» (L c 23, 46).
Esta
experiência de Jesus é sintomática da situação do homem que, depois de ter
escutado e reconhecido a Palavra de Deus, deve confrontar-se também com o seu
silêncio. É uma experiência vivida por muitos Santos e místicos, e que ainda
hoje faz parte do caminho de muitos fiéis. O silêncio de Deus prolonga as suas
palavras anteriores. Nestes momentos obscuros, Ele fala no mistério do seu
silêncio. Portanto, na dinâmica da revelação cristã, o silêncio aparece como
uma expressão importante da Palavra de Deus.
A
resposta do homem a Deus que fala
Chamados
a entrar na Aliança com Deus
22.
Ao sublinhar a pluralidade de formas da Palavra, pudemos ver através de quantas
modalidades Deus fala e vem ao encontro do homem, dando-Se a conhecer no
diálogo. É certo que o diálogo, como afirmaram os Padres sinodais, «quando se
refere à Revelação comporta o primado da Palavra de Deus dirigida ao
homem».[71] O mistério da Aliança exprime esta relação entre Deus que chama
através da sua Palavra e o homem que responde, sabendo claramente que não se
trata de um encontro entre dois contraentes iguais; aquilo que designamos por
Antiga e Nova Aliança não é um acto de entendimento entre duas partes iguais,
mas puro dom de Deus. Por meio deste dom do seu amor, Ele, superando toda a
distância, torna--nos verdadeiramente seus «parceiros», de modo a realizar o mistério
nupcial do amor entre Cristo e a Igreja. Nesta perspectiva, todo o homem
aparece como o destinatário da Palavra, interpelado e chamado a entrar, por uma
resposta livre, em tal diálogo de amor. Assim Deus torna cada um de nós capaz
de escutar e responder à Palavra divina. O homem é criado na Palavra e vive
nela; e não se pode compreender a si mesmo, se não se abre a este diálogo. A
Palavra de Deus revela a natureza filial e relacional da nossa vida. Por graça,
somos verdadeiramente chamados a configurar-nos com Cristo, o Filho do Pai, e a
ser transformados n’Ele.
Deus
escuta o homem e responde às suas perguntas
23.
Neste diálogo com Deus, compreendemo-nos a nós mesmos e encontramos resposta
para as perguntas mais profundas que habitam no nosso coração. De facto, a
Palavra de Deus não se contrapõe ao homem, nem mortifica os seus anseios
verdadeiros; pelo contrário, ilumina-os, purifica-os e realiza-os. Como é
importante, para o nosso tempo, descobrir que só Deus responde à sede que está
no coração de cada homem! Infelizmente na nossa época, sobretudo no Ocidente,
difundiu-se a ideia de que Deus é alheio à vida e aos problemas do homem; pior
ainda, de que a sua presença pode até ser uma ameaça à autonomia humana. Na
realidade, toda a economia da salvação mostra-nos que Deus fala e intervém na
história a favor do homem e da sua salvação integral. Por conseguinte é
decisivo, do ponto de vista pastoral, apresentar a Palavra de Deus na sua
capacidade de dialogar com os problemas que o homem deve enfrentar na vida
diária. Jesus apresenta-Se-nos precisamente como Aquele que veio para que
pudéssemos ter a vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Por isso, devemos fazer
todo o esforço para mostrar a Palavra de Deus precisamente como abertura aos
próprios problemas, como resposta às próprias perguntas, uma dilatação dos
próprios valores e, conjuntamente, uma satisfação das próprias aspirações. A
pastoral da Igreja deve ilustrar claramente como Deus ouve a necessidade do
homem e o seu apelo. São Boaventura afirma no Breviloquium: «O fruto da Sagrada
Escritura não é um fruto qualquer, mas a plenitude da felicidade eterna. De
facto, a Sagrada Escritura é precisamente o livro no qual estão escritas
palavras de vida eterna, porque não só acreditamos mas também possuímos a vida
eterna, em que veremos, amaremos e serão realizados todos os nossos
desejos».[72]
Dialogar
com Deus através das suas palavras
24.
A Palavra divina introduz cada um de nós no diálogo com o Senhor: o Deus que
fala, ensina-nos como podemos falar com Ele. Espontaneamente o pensamento
detém-se no Livro dos Salmos, onde Ele nos fornece as palavras com que podemos
dirigir-nos a Ele, levar a nossa vida para o colóquio com Ele, transformando
assim a própria vida num movimento para Deus.[73] De facto, nos Salmos, encontramos
articulada toda a gama de sentimentos que o homem pode ter na sua própria
existência e que são sapientemente colocados diante de Deus; alegria e
sofrimento, angústia e esperança, medo e perplexidade encontram lá a sua
expressão. E, juntamente com os Salmos, pensamos também em numerosos textos da
Sagrada Escritura que apresentam o homem a dirigir-se a Deus sob a forma de
oração de intercessão (cf. Ex 33, 12-16), de canto de júbilo pela vitória (cf.
Ex 15), ou de lamento no desempenho da própria missão (cf. Jr 20, 7-18). Deste
modo, a palavra que o homem dirige a Deus torna-se também Palavra de Deus, como
confirmação do carácter dialógico de toda a revelação cristã,[74] e a
existência inteira do homem torna-se um diálogo com Deus que fala e escuta, que
chama e dinamiza a nossa vida. Aqui a Palavra de Deus revela que toda a
existência do homem está sob o chamamento divino.[75]
A
Palavra de Deus e a fé
25.
«A Deus que Se revela é devida “a obediência da fé” (Rm 16, 26; cf. Rm 1, 5; 2
Cor 10, 5-6); pela fé, o homem entrega-se total e livremente a Deus oferecendo
a Deus revelador “o obséquio pleno da inteligência e da vontade” e prestando
voluntário assentimento à sua revelação».[76] Com estas palavras, a
Constituição dogmática Dei Verbum exprimiu de modo claro a atitude do homem
diante de Deus. A resposta própria do homem a Deus, que fala, é a fé. Isto
coloca em evidência que, «para acolher a Revelação, o homem deve abrir a mente
e o coração à acção do Espírito Santo que lhe faz compreender a Palavra de Deus
presente nas Sagradas Escrituras».[77] De facto, é precisamente a pregação da
Palavra divina que faz surgir a fé, pela qual aderimos de coração à verdade que
nos foi revelada e entregamos todo o nosso ser a Cristo: «A fé vem da pregação,
e a pregação pela palavra de Cristo» (Rm 10, 17). Toda a história da salvação
nos mostra progressivamente esta ligação íntima entre a Palavra de Deus e a fé
que se realiza no encontro com Cristo. De facto, com Ele a fé toma a forma de
encontro com uma Pessoa à qual se confia a própria vida. Cristo Jesus continua
hoje presente, na história, no seu corpo que é a Igreja; por isso, o acto da
nossa fé é um acto simultaneamente pessoal e eclesial.
O
pecado como não escuta da Palavra de Deus
26.
A Palavra de Deus revela inevitavelmente também a dramática possibilidade que
tem a liberdade do homem de subtrair-se a este diálogo de aliança com Deus,
para o qual fomos criados. De facto, a Palavra divina desvenda também o pecado
que habita no coração do homem. Muitas vezes encontramos, tanto no Antigo como
no Novo Testamento, a descrição do pecado como não escuta da Palavra, como
ruptura da Aliança e, consequentemente, como fechar-se a Deus que chama à
comunhão com Ele.[78] Com efeito, a Sagrada Escritura mostra-nos como o pecado
do homem é essencialmente desobediência e «não escuta». Precisamente a
obediência radical de Jesus até à morte de Cruz (cf. Fl 2, 8) desmascara
totalmente este pecado. Na sua obediência, realiza-se a Nova Aliança entre Deus
e o homem e é-nos concedida a possibilidade da reconciliação. De facto, Jesus
foi mandado pelo Pai como vítima de expiação pelos nossos pecados e pelos do
mundo inteiro (cf. 1 Jo 2, 2; 4, 10; Hb 7, 27). Assim, é-nos oferecida
misericordiosamente a possibilidade da redenção e o início de uma vida nova em
Cristo. Por isso, é importante que os fiéis sejam educados a reconhecer a raiz
do pecado na não escuta da Palavra do Senhor e a acolher em Jesus, Verbo de
Deus, o perdão que nos abre à salvação.
Maria
«Mater Verbi Dei» e «Mater fidei»
27.
Os Padres sinodais declararam que o objectivo fundamental da XII Assembleia foi
«renovar a fé da Igreja na Palavra de Deus»; por isso é necessário olhar para
uma pessoa em Quem a reciprocidade entre Palavra de Deus e fé foi perfeita, ou
seja, para a Virgem Maria, «que, com o seu sim à Palavra da Aliança e à sua
missão, realiza perfeitamente a vocação divina da humanidade».[79] A realidade
humana, criada por meio do Verbo, encontra a sua figura perfeita precisamente
na fé obediente de Maria. Desde a Anunciação ao Pentecostes, vemo-La como
mulher totalmente disponível à vontade de Deus. É a Imaculada Conceição, Aquela
que é «cheia de graça» de Deus (cf. L c 1, 28), incondicionalmente dócil à
Palavra divina (cf. L c 1, 38). A sua fé obediente face à iniciativa de Deus
plasma cada instante da sua vida. Virgem à escuta, vive em plena sintonia com a
Palavra divina; conserva no seu coração os acontecimentos do seu Filho,
compondo-os por assim dizer num único mosaico (cf. L c 2, 19.51).[80]
No
nosso tempo, é preciso que os fiéis sejam ajudados a descobrir melhor a ligação
entre Maria de Nazaré e a escuta crente da Palavra divina. Exorto também os
estudiosos a aprofundarem ainda mais a relação entre mariologia e teologia da
Palavra. Daí poderá vir grande benefício tanto para a vida espiritual como para
os estudos teológicos e bíblicos. De facto, quando a inteligência da fé olha um
tema à luz de Maria, coloca-se no centro mais íntimo da verdade cristã. Na
realidade, a encarnação do Verbo não pode ser pensada prescindindo da liberdade
desta jovem mulher que, com o seu assentimento, coopera de modo decisivo para a
entrada do Eterno no tempo. Ela é a figura da Igreja à escuta da Palavra de
Deus que nela Se fez carne. Maria é também símbolo da abertura a Deus e aos outros;
escuta activa, que interioriza, assimila, na qual a Palavra se torna forma de
vida.
28.
Nesta ocasião, desejo chamar a atenção para a familiaridade de Maria com a
Palavra de Deus. Isto transparece com particular vigor no Magnificat. Aqui, em
certa medida, vê-se como Ela Se identifica com a Palavra, e nela entra; neste
maravilhoso cântico de fé, a Virgem exalta o Senhor com a sua própria Palavra:
«O Magnificat – um retrato, por assim dizer, da sua alma – é inteiramente
tecido de fios da Sagrada Escritura, com fios tirados da Palavra de Deus. Desta
maneira se manifesta que Ela Se sente verdadeiramente em casa na Palavra de
Deus, dela sai e a ela volta com naturalidade. Fala e pensa com a Palavra de
Deus; esta torna-se Palavra d’Ela, e a sua palavra nasce da Palavra de Deus.
Além disso, fica assim patente que os seus pensamentos estão em sintonia com os
de Deus, que o d’Ela é um querer juntamente com Deus. Vivendo intimamente
permeada pela Palavra de Deus, Ela pôde tornar-Se mãe da Palavra
encarnada».[81]
Além
disso, a referência à Mãe de Deus mostra-nos como o agir de Deus no mundo
envolve sempre a nossa liberdade, porque, na fé, a Palavra divina
transforma-nos. Também a nossa acção apostólica e pastoral não poderá jamais
ser eficaz, se não aprendermos de Maria a deixar-nos plasmar pela acção de Deus
em nós: «A atenção devota e amorosa à figura de Maria, como modelo e arquétipo
da fé da Igreja, é de importância capital para efectuar também nos nossos dias
uma mudança concreta de paradigma na relação da Igreja com a Palavra, tanto na
atitude de escuta orante como na generosidade do compromisso em prol da missão
e do anúncio».[82]
Contemplando
na Mãe de Deus uma vida modelada totalmente pela Palavra, descobrimo-nos também
nós chamados a entrar no mistério da fé, pela qual Cristo vem habitar na nossa
vida. Como nos recorda Santo Ambrósio, cada cristão que crê, em certo sentido,
concebe e gera em si mesmo o Verbo de Deus: se há uma só Mãe de Cristo segundo
a carne, segundo a fé, porém, Cristo é o fruto de todos.[83] Portanto, o que
aconteceu em Maria pode voltar a acontecer em cada um de nós diariamente na
escuta da Palavra e na celebração dos Sacramentos.
A
hermenêutica da Sagrada Escritura na Igreja
A
Igreja, lugar originário da hermenêutica da Bíblia
29.
Outro grande tema surgido durante o Sínodo, sobre o qual quero debruçar-me
agora, é a interpretação da Sagrada Escritura na Igreja. E precisamente a
ligação intrínseca entre Palavra e fé põe em evidência que a autêntica
hermenêutica da Bíblia só pode ser feita na fé eclesial, que tem o seu
paradigma no sim de Maria. A este respeito, São Boaventura afirma que, sem a
fé, não há chave de acesso ao texto sagrado: «Esta é o conhecimento de Jesus
Cristo, do qual têm origem, como de uma fonte, a segurança e a inteligência de
toda a Sagrada Escritura. Por isso é impossível que alguém possa entrar para a
conhecer, se antes não tiver a fé infusa de Cristo que é lanterna, porta e
também fundamento de toda a Escritura».[84] E São Tomás de Aquino, mencionando
Santo Agostinho, insiste vigorosamente: «A letra do Evangelho também mata, se
faltar a graça interior da fé que cura».[85]
Isto
permite-nos assinalar um critério fundamental da hermenêutica bíblica: o lugar
originário da interpretação da Escritura é a vida da Igreja. Esta afirmação não
indica a referência eclesial como um critério extrínseco ao qual se devem
submeter os exegetas, mas é uma exigência da própria realidade das Escrituras e
do modo como se formaram ao longo do tempo. De facto, «as tradições de fé formavam
o ambiente vital onde se inseriu a actividade literária dos autores da Sagrada
Escritura. Esta inserção englobava também a participação na vida litúrgica e na
actividade externa das comunidades, no seu mundo espiritual, na sua cultura e
nas vicissitudes do seu destino histórico. Por isso, de modo semelhante, a
interpretação da Sagrada Escritura exige a participação dos exegetas em toda a
vida e em toda a fé da comunidade crente do seu tempo».[86] Por conseguinte,
«devendo a Sagrada Escritura ser lida e interpretada com o mesmo Espírito com
que foi escrita»,[87] é preciso que os exegetas, os teólogos e todo o Povo de
Deus se abeirem dela por aquilo que realmente é: como Palavra de Deus que Se
nos comunica através de palavras humanas (cf. 1 Ts 2, 13). Trata-se de um dado
constante e implícito na própria Bíblia: «Nenhuma profecia da Escritura é de
interpretação particular, porque jamais uma profecia foi proferida pela vontade
dos homens. Inspirados pelo Espírito Santo é que os homens santos falaram em nome
de Deus» (2 Pd 1, 20-21). Aliás, é precisamente a fé da Igreja que reconhece na
Bíblia a Palavra de Deus; como admiravelmente diz Santo Agostinho, «não
acreditaria no Evangelho se não me movesse a isso a autoridade da Igreja
Católica».[88] O Espírito Santo, que anima a vida da Igreja, é que torna capaz
de interpretar autenticamente as Escrituras. A Bíblia é o livro da Igreja e, a
partir da imanência dela na vida eclesial, brota também a sua verdadeira
hermenêutica.
30.
São Jerónimo recorda que, sozinhos, nunca poderemos ler a Escritura.
Encontramos demasiadas portas fechadas e caímos facilmente em erro. A Bíblia
foi escrita pelo Povo de Deus e para o Povo de Deus, sob a inspiração do
Espírito Santo. Somente com o «nós», isto é, nesta comunhão com o Povo de Deus,
podemos realmente entrar no núcleo da verdade que o próprio Deus nos quer
dizer.[89] Aquele grande estudioso, para quem «a ignorância das Escrituras é
ignorância de Cristo»,[90] afirma que o carácter eclesial da interpretação
bíblica não é uma exigência imposta do exterior; o Livro é precisamente a voz
do Povo de Deus peregrino, e só na fé deste Povo é que estamos, por assim
dizer, na tonalidade justa para compreender a Sagrada Escritura. Uma autêntica
interpretação da Bíblia deve estar sempre em harmónica concordância com a fé da
Igreja Católica. Jerónimo escrevia assim a um sacerdote: «Permanece firmemente
apegado à doutrina tradicional que te foi ensinada, para que possas exortar
segundo a sã doutrina e rebater aqueles que a contradizem».[91]
Abordagens
do texto sagrado que prescindam da fé podem sugerir elementos interessantes ao
deterem-se sobre a estrutura do texto e as suas formas; inevitavelmente, porém,
tal tentativa seria apenas preliminar e estruturalmente incompleta. De facto,
como foi afirmado pela Pontifícia Comissão Bíblica, repercutindo um princípio
compartilhado na hermenêutica moderna, «o justo conhecimento do texto bíblico
só é acessível a quem tem uma afinidade vital com aquilo de que fala o
texto».[92] Tudo isto põe em relevo a relação entre a vida espiritual e a
hermenêutica da Escritura. De facto, «com o crescimento da vida no Espírito,
cresce também no leitor a compreensão das realidades de que fala o texto
bíblico».[93] Uma intensa e verdadeira experiência eclesial não pode deixar de
incrementar a inteligência da fé autêntica a respeito da Palavra de Deus; e,
vice-versa, a leitura na fé das Escrituras faz crescer a própria vida eclesial.
Daqui podemos compreender de um modo novo a conhecida afirmação de São Gregório
Magno: «As palavras divinas crescem juntamente com quem as lê».[94] Assim, a
escuta da Palavra de Deus introduz e incrementa a comunhão eclesial com todos
os que caminham na fé.
«A
alma da sagrada teologia»
31.
«O estudo destes sagrados livros deve ser como que a alma da sagrada
teologia»:[95] esta afirmação da Constituição dogmática Dei Verbum foi-se-nos
tornando ao longo destes anos cada vez mais familiar. Podemos dizer que o
período sucessivo ao Concílio Vaticano II, no que se refere aos estudos
teológicos e exegéticos, citou frequentemente esta frase como símbolo do
renovado interesse pela Sagrada Escritura. Também a XII Assembleia do Sínodo
dos Bispos se referiu várias vezes a esta conhecida afirmação, para indicar a
relação entre investigação histórica e hermenêutica da fé aplicadas ao texto
sagrado. Nesta perspectiva, os Padres reconheceram, com alegria, o crescimento
do estudo da Palavra de Deus na Igreja ao longo dos últimos decénios e
exprimiram um vivo agradecimento aos numerosos exegetas e teólogos que, com a
sua dedicação, empenho e competência, deram e ainda dão uma contribuição
essencial para o aprofundamento do sentido das Escrituras, enfrentando os
problemas complexos que o nosso tempo coloca à investigação bíblica.[96]
Expressaram sentimentos de sincera gratidão também aos membros da Pontifícia
Comissão Bíblica que se sucederam nestes últimos anos e que, em estreita
relação com a Congregação para a Doutrina da Fé, continuam a dar o seu
qualificado contributo para enfrentar questões peculiares inerentes ao estudo
da Sagrada Escritura. Além disso, o Sínodo sentiu a necessidade de se
interrogar sobre o estado dos estudos bíblicos actuais e sobre a sua relevância
no âmbito teológico. De facto, da relação fecunda entre exegese e teologia
depende, em grande parte, a eficácia pastoral da acção da Igreja e da vida
espiritual dos fiéis. Por isso, considero importante retomar algumas reflexões
surgidas no debate havido sobre este tema nos trabalhos do Sínodo.
Desenvolvimento
da investigação bíblica e Magistério eclesial
32.
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer os benefícios que a exegese
histórico-crítica e os outros métodos de análise do texto, desenvolvidos em
tempos mais recentes, trouxeram para a vida da Igreja.[97] Segundo a visão
católica da Sagrada Escritura, a atenção a estes métodos é imprescindível e
está ligada ao realismo da encarnação: «Esta necessidade é a consequência do
princípio cristão formulado no Evangelho de João 1, 14: Verbum caro factum est.
O facto histórico é uma dimensão constitutiva da fé cristã. A história da
salvação não é uma mitologia, mas uma verdadeira história e, por isso, deve-se
estudar com os métodos de uma investigação histórica séria».[98] Por isso, o
estudo da Bíblia exige o conhecimento e o uso apropriado destes métodos de pesquisa.
Se é verdade que esta sensibilidade no âmbito dos estudos se desenvolveu mais
intensamente na época moderna, embora não de igual modo por toda a parte,
todavia na sã tradição eclesial sempre houve amor pelo estudo da «letra». Basta
recordar aqui a cultura monástica, à qual em última análise devemos o
fundamento da cultura europeia: na sua raiz, está o interesse pela palavra. O
desejo de Deus inclui o amor pela palavra em todas as suas dimensões: «Visto
que, na Palavra bíblica, Deus caminha para nós e nós para Ele, é preciso
aprender a penetrar no segredo da língua, compreendê--la na sua estrutura e no
seu modo de se exprimir. Assim, devido precisamente à procura de Deus,
tornam-se importantes as ciências profanas que nos indicam as vias rumo à língua».[99]
33.
O Magistério vivo da Igreja, ao qual compete «o encargo de interpretar
autenticamente a Palavra de Deus escrita ou contida na Tradição»,[100]
interveio com sapiente equilíbrio relativamente à justa posição a tomar face à
introdução dos novos métodos de análise histórica. Refiro-me, de modo
particular, às encíclicas Providentissimus Deus do Papa Leão XIII e Divino
afflante Spiritu do Papa Pio XII. O meu venerável predecessor João Paulo II
recordou a importância destes documentos para a exegese e a teologia, por
ocasião da celebração do centenário e cinquentenário respectivamente da sua
publicação.[101] A intervenção do Papa Leão XIII teve o mérito de proteger a
interpretação católica da Bíblia dos ataques do racionalismo, sem contudo se
refugiar num sentido espiritual separado da história. Não desprezava a crítica
científica; desconfiava-se somente «das opiniões preconcebidas que pretendem
fundar-se sobre a ciência mas, na realidade, fazem astuciosamente sair a
ciência do seu campo».[102] Por sua vez, o Papa Pio XII encontrava-se perante
os ataques dos adeptos duma exegese chamada mística, que recusava qualquer
abordagem científica. Com grande sensibilidade, a Encíclica Divino afflante
Spiritu evitou que se desenvolvesse a ideia de uma dicotomia entre a «exegese
científica» para o uso apologético e a «interpretação espiritual reservada ao
uso interno», afirmando, pelo contrário, quer o «alcance teológico do sentido
literal metodicamente definido», quer a pertença da «determinação do sentido
espiritual (…) ao campo da ciência exegética».[103] De tal modo ambos os
documentos recusam «a ruptura entre o humano e o divino, entre a pesquisa
científica e a visão da fé, entre o sentido literal e o sentido
espiritual».[104] Este equilíbrio foi, sucessivamente, expresso no documento de
1993 da Pontifícia Comissão Bíblica: «No seu trabalho de interpretação, os
exegetas católicos jamais devem esquecer que interpretam a Palavra de Deus. A
sua tarefa não termina depois que distinguiram as fontes, definiram as formas
ou explicaram os processos literários. O objectivo do seu trabalho só está
alcançado quando tiverem esclarecido o significado do texto bíblico como
Palavra actual de Deus».[105]
A
hermenêutica bíblica conciliar: uma indicação a acolher
34.
A partir deste horizonte, podem-se apreciar melhor os grandes princípios da
interpretação próprios da exegese católica expressos pelo Concílio Vaticano II,
particularmente na Constituição dogmática Dei Verbum: «Como, porém, Deus na
Sagrada Escritura falou por meio dos homens e à maneira humana, o intérprete da
Sagrada Escritura, para saber o que Ele quis comunicar-nos, deve investigar com
atenção o que os hagiógrafos realmente quiseram significar e que aprouve a Deus
manifestar por meio das suas palavras».[106] O Concílio, por um lado, sublinha,
como elementos fundamentais para identificar o significado pretendido pelo
hagiógrafo, o estudo dos géneros literários e a contextualização; por outro,
devendo a Escritura ser interpretada no mesmo Espírito em que foi escrita, a
Constituição dogmática indica três critérios de base para se respeitar a
dimensão divina da Bíblia: 1) interpretar o texto tendo presente a unidade de
toda a Escritura; isto hoje chama-se exegese canónica; 2) ter presente a
Tradição viva de toda a Igreja; 3) observar a analogia da fé. «Somente quando
se observam os dois níveis metodológicos, histórico-crítico e teológico, é que
se pode falar de uma exegese teológica, de uma exegese adequada a este
Livro».[107]
Os
Padres sinodais afirmaram, justamente, que o fruto positivo produzido pelo uso
da investigação histórico-crítica moderna é inegável. Mas, enquanto a exegese
académica actual, mesmo católica, trabalha a alto nível no que se refere à
metodologia histórico-crítica, incluindo as suas mais recentes integrações, é
forçoso exigir um estudo análogo da dimensão teológica dos textos bíblicos,
para que progrida o aprofundamento segundo os três elementos indicados pela
Constituição dogmática Dei Verbum.[108]
O
perigo do dualismo e a hermenêutica secularizada
35.
A este propósito, é preciso sublinhar hoje o grave risco de um dualismo que se
gera ao abordar as Sagradas Escrituras. De facto, distinguindo os dois níveis
da abordagem bíblica, não se pretende de modo algum separá-los, contrapô-los,
ou simplesmente justapô-los. Só funcionam em reciprocidade. Infelizmente, não
raro uma infrutífera separação dos mesmos leva a exegese e a teologia a
comportarem-se como estranhas; e isto «acontece mesmo aos níveis académicos
mais altos».[109] Desejo aqui lembrar as consequências mais preocupantes que se
devem evitar.
a) Antes
de mais nada, se a actividade exegética se reduz só ao primeiro nível,
consequentemente a própria Escritura torna-se um texto só do passado: «Daí podem-se
tirar consequências morais, pode-se aprender a história, mas o Livro como tal
fala só do passado e a exegese já não é realmente teológica, mas torna-se pura
historiografia, história da literatura».[110] É claro que, numa tal redução,
não é possível de modo algum compreender o acontecimento da revelação de Deus
através da sua Palavra que nos é transmitida na Tradição viva e na Escritura.
b) A
falta de uma hermenêutica da fé na abordagem da Escritura não se apresenta
apenas em termos de uma ausência; o seu lugar acaba inevitavelmente ocupado por
outra hermenêutica, uma hermenêutica secularizada, positivista, cuja chave
fundamental é a convicção de que o Divino não aparece na história humana.
Segundo esta hermenêutica, quando parecer que há um elemento divino, isso
deve-se explicar de outro modo, reduzindo tudo ao elemento humano.
Consequentemente propõem-se interpretações que negam a historicidade dos
elementos divinos.[111]
c) Uma
tal posição não pode deixar de danificar a vida da Igreja, fazendo surgir
dúvidas sobre mistérios fundamentais do cristianismo e sobre o seu valor
histórico, como, por exemplo, a instituição da Eucaristia e a ressurreição de
Cristo. De facto, assim impõe-se uma hermenêutica filosófica, que nega a
possibilidade de ingresso e presença do Divino na história. A assunção de tal
hermenêutica no âmbito dos estudos teológicos introduz, inevitavelmente, um
gravoso dualismo entre a exegese, que se situa unicamente no primeiro nível, e
a teologia que leva a uma espiritualização do sentido das Escrituras não
respeitadora do carácter histórico da revelação.
Tudo
isto não pode deixar de resultar negativo também para a vida espiritual e a
actividade pastoral; «a consequência da ausência do segundo nível metodológico
é que se criou um fosso profundo entre exegese científica e lectio divina. E
precisamente daqui nasce às vezes uma forma de perplexidade na própria
preparação das homilias».[112] Além disso, há que assinalar que tal dualismo
produz às vezes incerteza e pouca solidez no caminho de formação intelectual
mesmo de alguns candidatos aos ministérios eclesiais.[113] Enfim, «onde a
exegese não é teologia, a Escritura não pode ser a alma da teologia e,
vice-versa, onde a teologia não é essencialmente interpretação da Escritura na
Igreja, esta teologia já não tem fundamento».[114] Portanto, é necessário
voltar decididamente a considerar com mais atenção as indicações dadas pela
Constituição dogmática Dei Verbum a este propósito.
Fé
e razão na abordagem da Escritura
36.
Creio que pode contribuir para uma compreensão mais completa da exegese e,
consequentemente, da sua relação com a teologia inteira aquilo que escreveu o
João Paulo II na Encíclica Fides et ratio a este respeito. Afirmava ele que não
se deve subestimar «o perigo que existe quando se quer individuar a verdade da
Sagrada Escritura com a aplicação de uma única metodologia, esquecendo a
necessidade de uma exegese mais ampla que permita o acesso, em união com toda a
Igreja, ao sentido pleno dos textos. Os que se dedicam ao estudo da Sagrada
Escritura nunca devem esquecer que as diversas metodologias hermenêuticas têm
também na sua base uma concepção filosófica: é preciso examiná-las com grande discernimento, antes
de as aplicar aos textos sagrados».[115]
Esta
clarividente reflexão permite-nos ver como, na abordagem hermenêutica da
Sagrada Escritura, está em jogo inevitavelmente a relação correcta entre fé e
razão. De facto, a hermenêutica secularizada da Sagrada Escritura é actuada por
uma razão que quer estruturalmente fechar-se à possibilidade de Deus entrar na
vida dos homens e falar aos homens com palavras humanas. Por isso é necessário,
também neste caso, convidar a alargar os espaços da própria racionalidade.[116]
Na utilização dos métodos de análise histórica, dever-se-á evitar de assumir,
sempre que aparecem, critérios que preconceituosamente se fechem à revelação de
Deus na vida dos homens. A unidade dos dois níveis do trabalho interpretativo
da Sagrada Escritura pressupõe, em última análise, uma harmonia entre a fé e a
razão. Por um lado, é necessária uma fé que, mantendo uma adequada relação com
a recta razão, nunca degenere em fideísmo, que se tornaria, a respeito da
Escritura, fautor de leituras fundamentalistas. Por outro, é necessária uma
razão que, investigando os elementos históricos presentes na Bíblia, se mostre
aberta e não recuse aprioristicamente tudo o que excede a própria medida.
Aliás, a religião do Logos encarnado não poderá deixar de apresentar-se
profundamente razoável ao homem que sinceramente procura a verdade e o sentido
último da própria vida e da história.
Sentido
literal e sentido espiritual
37.
Como foi afirmado na assembleia sinodal, um significativo contributo para a
recuperação de uma adequada hermenêutica da Escritura provém de uma renovada
escuta dos Padres da Igreja e da sua abordagem exegética.[117] Com efeito, os
Padres da Igreja oferecem-nos, ainda hoje, uma teologia de grande valor, porque
no centro está o estudo da Sagrada Escritura na sua integridade. De facto, os
Padres são primária e essencialmente «comentadores da Sagrada Escritura».[118]
O seu exemplo pode «ensinar aos exegetas modernos uma abordagem verdadeiramente
religiosa da Sagrada Escritura, e também uma interpretação que se atém
constantemente ao critério de comunhão com a experiência da Igreja, que caminha
através da história sob a guia do Espírito Santo».[119]
Apesar
de não conhecer, obviamente, os recursos de ordem filológica e histórica à
disposição da exegese moderna, a tradição patrística e medieval sabia
reconhecer os vários sentidos da Escritura, a começar pelo literal, isto é, «o
expresso pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese segundo as
regras da recta interpretação».[120] Por exemplo, São Tomás de Aquino afirma:
«Todos os sentidos da Sagrada Escritura se fundamentam no literal».[121] É
preciso, porém, recordar-se de que, no período patrístico e medieval, toda a
forma de exegese, incluindo a literal, era feita com base na fé, não havendo
necessariamente distinção entre sentido literal e sentido espiritual. A
propósito, recorde-se o dístico clássico que traduz a relação entre os diversos
sentidos da Escritura:
«Littera
gesta docet, quid credas allegoria,
Moralis
quid agas, quo tendas anagogia.
A
letra ensina-te os factos [passados], a alegoria o que deves crer,
A
moral o que deves fazer, a anagogia para onde deves tender».[122]
Sobressai
aqui a unidade e a articulação entre sentido literal e sentido espiritual, o
qual, por sua vez, se subdivide em três sentidos que descrevem os conteúdos da
fé, da moral e da tensão escatológica.
Em
suma, reconhecendo o valor e a necessidade – apesar dos seus limites – do
método histórico-crítico, pela exegese patrística, aprendemos que «só se é fiel
à intencionalidade dos textos bíblicos na medida em que se procura encontrar,
no coração da sua formulação, a realidade de fé que os mesmos exprimem e em que
se liga esta realidade com a experiência crente do nosso mundo».[123] Somente
nesta perspectiva se pode reconhecer que a Palavra de Deus é viva e se dirige a
cada um de nós no momento presente da nossa vida. Continua assim plenamente
válida a afirmação da Pontifícia Comissão Bíblica que define o sentido
espiritual, segundo a fé cristã, como «o sentido expresso pelos textos bíblicos
quando são lidos sob o influxo do Espírito Santo no contexto do mistério pascal
de Cristo e da vida nova que dele resulta. Este contexto existe efectivamente.
O Novo Testamento reconhece nele o cumprimento das Escrituras. Por isso, é
normal reler as Escrituras à luz deste novo contexto, o da vida no
Espírito».[124]
A
necessária superação da «letra»
38.
Para se recuperar a articulação entre os diversos sentidos da Escritura,
torna-se então decisivo identificar a passagem entre letra e espírito. Não se
trata de uma passagem automática e espontânea; antes, é preciso transcender a
letra: «de facto, a Palavra do próprio Deus nunca se apresenta na simples
literalidade do texto. Para alcançá-la, é preciso transcender a literalidade
num processo de compreensão, que se deixa guiar pelo movimento interior do
conjunto e, portanto, deve tornar-se também um processo de vida».[125] Descobrimos
assim o motivo por que um autêntico processo interpretativo nunca é apenas
intelectual, mas também vital, que requer o pleno envolvimento na vida eclesial
enquanto vida «segundo o Espírito» (Gl 5, 16). Deste modo tornam-se mais claros
os critérios evidenciados pelo número 12 da Constituição dogmática Dei Verbum:
a referida superação não pode verificar-se no fragmento literário individual
mas em relação com a totalidade da Escritura. De facto, é uma única Palavra
aquela para a qual somos chamados a transcender. Este processo possui uma
íntima dramaticidade, porque, no processo de superação, a passagem que acontece
em virtude do Espírito tem inevitavelmente a ver também com a liberdade de cada
um. São Paulo viveu plenamente na sua própria vida esta passagem. O que
significa transcender a letra e a sua compreensão unicamente a partir do
conjunto, expressou-o ele de modo radical nesta frase: «A letra mata, mas o
Espírito vivifica» (2 Cor 3, 6). São Paulo descobre que «o Espírito libertador
tem um nome e que a liberdade tem, consequentemente, uma medida interior: “O
Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor há liberdade” (2 Cor 3,
17). O Espírito libertador não é simplesmente a própria ideia, a visão pessoal
de quem interpreta. O Espírito é Cristo, e Cristo é o Senhor que nos indica a
estrada».[126] Sabemos como esta passagem foi dramática e simultaneamente
libertadora em Santo Agostinho; ele acreditou nas Escrituras, que antes se lhe
apresentavam muito diversificadas em si mesmas e às vezes indelicadas,
precisamente por esta superação que aprendeu de Santo Ambrósio mediante a
interpretação tipológica, segundo a qual todo o Antigo Testamento é um caminho
para Jesus Cristo. Para Santo Agostinho, transcender a letra tornou credível a
própria letra e permitiu-lhe encontrar finalmente a resposta às profundas
inquietações do seu espírito, sedento da verdade.[127]
A
unidade intrínseca da Bíblia
39.
Na escola da grande tradição da Igreja, aprendemos na passagem da letra ao
espírito a identificar também a unidade de toda a Escritura, pois única é a
Palavra de Deus que interpela a nossa vida, chamando-a constantemente à
conversão.[128] Continuam a ser para nós uma guia segura as expressões de Hugo
de São Víctor: «Toda a Escritura divina constitui um único livro e este único
livro é Cristo, fala de Cristo e encontra em Cristo a sua realização».[129] É
certo que a Bíblia, vista sob o aspecto puramente histórico ou literário, não é
simplesmente um livro, mas uma colectânea de textos literários, cuja redacção se
estende por mais de um milénio e cujos diversos livros não são facilmente
reconhecíveis como partes duma unidade interior; antes, há tensões palpáveis
entre eles. Se isto já se verifica no interior da Bíblia de Israel, que nós,
cristãos, chamamos Antigo Testamento, muito mais quando nós, como cristãos,
ligamos o Novo Testamento e os seus escritos – como se fosse a chave
hermenêutica – com a Bíblia de Israel interpretando-a como caminho para Cristo.
No Novo Testamento, aparece menos a expressão «a Escritura» (cf. Rm 4, 3; 1 Pd
1, 6), do que «as Escrituras» (cf. Mt 21, 43; Jo 5, 39; Rm 1, 2; 2 Pd 3, 16),
que porém, no seu conjunto, são depois consideradas como a única Palavra de
Deus dirigida a nós.[130] Por isso se vê claramente como é a pessoa de Cristo que
dá unidade a todas as «Escrituras» postas em relação com a única «Palavra».
Compreende-se assim a afirmação do número 12 da Constituição dogmática Dei
Verbum, quando indica a unidade interna de toda a Bíblia como critério decisivo
para uma correcta hermenêutica da fé.
A
relação entre Antigo e Novo Testamento
40.
Na perspectiva da unidade das Escrituras em Cristo, tanto os teólogos como os
pastores necessitam de estar conscientes das relações entre o Antigo e o Novo
Testamento. Em primeiro lugar, é evidente que o próprio Novo Testamento
reconhece o Antigo Testamento como Palavra de Deus e, por conseguinte, admite a
autoridade das Sagradas Escrituras do povo judeu.[131] Reconhece-as
implicitamente, quando usa a mesma linguagem e frequentemente alude a trechos
destas Escrituras; reconhece-as explicitamente, porque cita muitas partes
servindo-se delas para argumentar. Uma argumentação baseada nos textos do
Antigo Testamento reveste-se assim, no Novo Testamento, de um valor decisivo,
superior ao de raciocínios simplesmente humanos. No quarto Evangelho, a este
propósito Jesus declara que «a Escritura não pode ser anulada» (Jo 10, 35) e
São Paulo especifica de modo particular que a revelação do Antigo Testamento
continua a valer para nós, cristãos (cf. Rm 15, 4; 1 Cor 10, 11).[132] Além
disso, afirmamos que «Jesus de Nazaré foi um judeu e a Terra Santa é terra-mãe
da Igreja»;[133] a raiz do cristianismo encontra-se no Antigo Testamento e
sempre se nutre desta raiz. Por isso a sã doutrina cristã sempre recusou qualquer
forma emergente de marcionismo, que tende de diversos modos a contrapor entre
si o Antigo e o Novo Testamento.[134]
Além
disso, o próprio Novo Testamento se diz em conformidade com o Antigo e proclama
que, no mistério da vida, morte e ressurreição de Cristo, encontraram o seu
perfeito cumprimento as Escrituras Sagradas do povo judeu. Mas é preciso notar
que o conceito de cumprimento das Escrituras é complexo, porque comporta uma
tríplice dimensão: um aspecto fundamental de continuidade com a revelação do
Antigo Testamento, um aspecto de ruptura e um aspecto de cumprimento e
superação. O mistério de Cristo está em continuidade de intenção com o culto
sacrificial do Antigo Testamento; mas realizou-se de um modo muito diferente,
que corresponde a muitos oráculos dos profetas, e alcançou assim uma perfeição
nunca antes obtida. De facto, o Antigo Testamento está cheio de tensões entre
os seus aspectos institucionais e os seus aspectos proféticos. O mistério
pascal de Cristo está plenamente de acordo – embora de uma forma que era
imprevisível – com as profecias e o aspecto prefigurativo das Escrituras; mas
apresenta evidentes aspectos de descontinuidade relativamente às instituições
do Antigo Testamento.
41.
Estas considerações mostram assim a importância insubstituível do Antigo
Testamento para os cristãos, mas ao mesmo tempo evidenciam a originalidade da
leitura cristológica. Desde os tempos apostólicos e depois na Tradição viva, a
Igreja deixou clara a unidade do plano divino nos dois Testamentos graças à tipologia,
que não tem carácter arbitrário mas é intrínseca aos acontecimentos narrados
pelo texto sagrado e, por conseguinte, diz respeito a toda a Escritura. A
tipologia «descobre nas obras de Deus, na Antiga Aliança, prefigurações do que
o mesmo Deus realizou, na plenitude dos tempos, na pessoa do seu Filho
encarnado».[135] Por isso os cristãos lêem o Antigo Testamento à luz de Cristo
morto e ressuscitado. Se a leitura tipológica revela o conteúdo inesgotável do
Antigo Testamento relativamente ao Novo, não deve todavia fazer-nos esquecer
que aquele mantém o seu próprio valor de Revelação que Nosso Senhor veio
reafirmar (cf. Mc 12, 29-31). Por isso «também o Novo Testamento requer ser
lido à luz do Antigo. A catequese cristã primitiva recorreu constantemente a
este método (cf. 1 Cor 5, 6-8; 10, 1-11)».[136] Por este motivo, os Padres
sinodais afirmaram que «a compreensão judaica da Bíblia pode ajudar a
inteligência e o estudo das Escrituras por parte dos cristãos».[137]
Assim
se exprimia, com aguda sabedoria, Santo Agostinho sobre este tema: «O Novo
Testamento está oculto no Antigo e o Antigo está patente no Novo».[138] Deste
modo, tanto em âmbito pastoral como em âmbito académico, importa que seja
colocada bem em evidência a relação íntima entre os dois Testamentos,
recordando com São Gregório Magno que aquilo que «o Antigo Testamento prometeu,
o Novo Testamento fê-lo ver; o que aquele anuncia de maneira oculta, este
proclama abertamente como presente. Por isso, o Antigo Testamento é profecia do
Novo Testamento; e o melhor comentário do Antigo Testamento é o Novo
Testamento».[139]
As
páginas «obscuras» da Bíblia
42.
No contexto da relação entre Antigo e Novo Testamento, o Sínodo enfrentou
também o caso de páginas da Bíblia que às vezes se apresentam obscuras e
difíceis por causa da violência e imoralidade nelas referidas. Em relação a
isto, deve-se ter presente antes de mais nada que a revelação bíblica está
profundamente radicada na história. Nela se vai progressivamente manifestando o
desígnio de Deus, actuando-se lentamente ao longo de etapas sucessivas, não
obstante a resistência dos homens. Deus escolhe um povo e, pacientemente,
realiza a sua educação. A revelação adapta-se ao nível cultural e moral de
épocas antigas, referindo consequentemente factos e usos como, por exemplo,
manobras fraudulentas, intervenções violentas, extermínio de populações, sem
denunciar explicitamente a sua imoralidade. Isto explica-se a partir do
contexto histórico, mas pode surpreender o leitor moderno, sobretudo quando se
esquecem tantos comportamentos «obscuros» que os homens sempre tiveram ao longo
dos séculos, inclusive nos nossos dias. No Antigo Testamento, a pregação dos
profetas ergue-se vigorosamente contra todo o tipo de injustiça e de violência,
colectiva ou individual, tornando-se assim o instrumento da educação dada por
Deus ao seu povo como preparação para o Evangelho. Seria, pois, errado não
considerar aqueles passos da Escritura que nos aparecem problemáticos.
Entretanto deve-se ter consciência de que a leitura destas páginas requer a
aquisição de uma adequada competência, através duma formação que leia os textos
no seu contexto histórico-literário e na perspectiva cristã, que tem como chave
hermenêutica última «o Evangelho e o mandamento novo de Jesus Cristo realizado
no mistério pascal».[140] Por isso exorto os estudiosos e os pastores a
ajudarem todos os fiéis a abeirar-se também destas páginas por meio de uma
leitura que leve a descobrir o seu significado à luz do mistério de Cristo.
Cristãos
e judeus, relativamente às Sagradas Escrituras
43.
Depois de considerar a íntima relação que une o Novo Testamento ao Antigo, é
espontâneo fixar a atenção no vínculo peculiar que isso cria entre cristãos e
judeus, um vínculo que não deveria jamais ser esquecido. Aos judeus, o Papa
João Paulo II declarou: sois «os nossos “irmãos predilectos” na fé de Abraão,
nosso patriarca».[141] Por certo, estas afirmações não significam ignorar as
rupturas atestadas no Novo Testamento relativamente às instituições do Antigo
Testamento e menos ainda o cumprimento das Escrituras no mistério de Jesus
Cristo, reconhecido Messias e Filho de Deus. Mas esta diferença profunda e
radical não implica de modo algum hostilidade recíproca. Pelo contrário, o
exemplo de São Paulo (cf. Rm 9–11) demonstra que «uma atitude de respeito,
estima e amor pelo povo judeu é a única atitude verdadeiramente cristã nesta
situação que, misteriosamente, faz parte do desígnio totalmente positivo de
Deus».[142] De facto, o Apóstolo afirma que os judeus, «quanto à escolha divina,
são amados por causa dos Patriarcas, pois os dons e o chamamento de Deus são
irrevogáveis» (Rm 11, 28-29).
Além
disso, usa a bela imagem da oliveira para descrever as relações muito estreitas
entre cristãos e judeus: a Igreja dos gentios é como um rebento de oliveira
brava enxertado na oliveira boa que é o povo da Aliança (cf. Rm 11, 17-24).
Alimentamo-nos, pois, das mesmas raízes espirituais. Encontramo-nos como
irmãos; irmãos que em certos momentos da sua história tiveram um relacionamento
tenso, mas agora estão firmemente comprometidos na construção de pontes de
amizade duradoura.[143] Como disse o Papa João Paulo II noutra ocasião: «Temos
muito em comum. Juntos podemos fazer muito pela paz, pela justiça e por um
mundo mais fraterno e mais humano».[144]
Desejo
afirmar uma vez mais quão precioso é para a Igreja o diálogo com os judeus. É
bom que, onde isto se apresentar como oportuno, se criem possibilidades mesmo
públicas de encontro e diálogo, que favoreçam o crescimento do conhecimento
mútuo, da estima recíproca e da colaboração inclusive no próprio estudo das
Sagradas Escrituras.
A
interpretação fundamentalista da Sagrada Escritura
44.
A atenção que quisemos dar até agora ao tema da hermenêutica bíblica, nos seus
diversos aspectos, permite-nos abordar o tema – muitas vezes aflorado no debate
sinodal – da interpretação fundamentalista da Sagrada Escritura.[145] Sobre
este tema, a Pontifícia Comissão Bíblica, no documento A interpretação da
Bíblia na Igreja, formulou indicações importantes. Neste contexto, desejo
chamar a atenção sobretudo para aquelas leituras que não respeitam o texto
sagrado na sua natureza autêntica, promovendo interpretações subjectivistas e
arbitrárias. Na realidade, o «literalismo» propugnado pela leitura
fundamentalista constitui uma traição tanto do sentido literal como do
espiritual, abrindo caminho a instrumentalizações de variada natureza,
difundindo por exemplo interpretações anti-eclesiais das próprias Escrituras. O
aspecto problemático da «leitura fundamentalista é que, recusando ter em conta
o carácter histórico da revelação bíblica, torna-se incapaz de aceitar
plenamente a verdade da própria Encarnação. O fundamentalismo evita a íntima
ligação do divino e do humano nas relações com Deus. (…) Por este motivo, tende
a tratar o texto bíblico como se fosse ditado palavra por palavra pelo Espírito
e não chega a reconhecer que a Palavra de Deus foi formulada numa linguagem e
numa fraseologia condicionadas por uma dada época».[146] Ao contrário, o
cristianismo divisa nas palavras a Palavra, o próprio Logos, que estende o seu
mistério através de tal multiplicidade e da realidade de uma história
humana.[147] A verdadeira resposta a uma leitura fundamentalista é «a leitura
crente da Sagrada Escritura, praticada desde a antiguidade na Tradição da
Igreja. [Tal leitura] procura a verdade salvífica para a vida do indivíduo fiel
e para a Igreja. Esta leitura reconhece o valor histórico da tradição bíblica.
Precisamente por este valor de testemunho histórico é que ela quer descobrir o
significado vivo das Sagradas Escrituras destinadas também à vida do fiel de
hoje»,[148] sem ignorar, portanto, a mediação humana do texto inspirado e os
seus géneros literários.
Diálogo
entre Pastores, teólogos e exegetas
45.
A autêntica hermenêutica da fé acarreta algumas consequências importantes no
âmbito da actividade pastoral da Igreja. Precisamente a este respeito, os
Padres sinodais recomendaram, por exemplo, um relacionamento mais assíduo entre
Pastores, exegetas e teólogos. É bom que as Conferências Episcopais favoreçam
estes encontros com o «fim de promover uma maior comunhão no serviço da Palavra
de Deus».[149] Tal cooperação ajudará a todos a realizarem melhor o próprio
trabalho em benefício da Igreja inteira. De facto, situar-se no horizonte do
trabalho pastoral quer dizer, mesmo para os estudiosos, olhar o texto sagrado
na sua natureza de comunicação que o Senhor faz aos homens para a salvação.
Portanto, como afirmou a Constituição dogmática Dei Verbum, «é preciso que os
exegetas católicos e demais estudiosos da sagrada teologia trabalhem em íntima
colaboração de esforços, para que, sob a vigilância do sagrado magistério,
lançando mão de meios aptos, estudem e expliquem as divinas Letras, de modo que
o maior número possível de ministros da Palavra de Deus possa oferecer com
fruto ao Povo de Deus o alimento das Escrituras, que ilumine o espírito,
robusteça as vontades e inflame os corações dos homens no amor de Deus».[150]
Bíblia
e ecumenismo
46.
Na certeza de que a Igreja tem o seu fundamento em Cristo, Verbo de Deus feito
carne, o Sínodo quis sublinhar a centralidade dos estudos bíblicos no diálogo
ecuménico, que visa a plena expressão da unidade de todos os crentes em
Cristo.[151] De facto, na própria Escritura, encontramos a comovente súplica de
Jesus ao Pai pelos seus discípulos para que sejam um só a fim de que o mundo
creia (cf. Jo 17, 21). Tudo isto nos fortalece na convicção de que escutar e
meditar juntos as Escrituras nos faz viver uma comunhão real, embora ainda não
plena;[152] pois «a escuta comum das Escrituras impele ao diálogo da caridade e
faz crescer o da verdade».[153] De facto, ouvir juntos a Palavra de Deus,
praticar a lectio divina da Bíblia, deixar-se surpreender pela novidade que
nunca envelhece e jamais se esgota da Palavra de Deus, superar a nossa surdez
àquelas palavras que não estão de acordo com as nossas opiniões ou preconceitos,
escutar e estudar na comunhão dos fiéis de todos os tempos: tudo isto constitui
um caminho a percorrer para alcançar a unidade da fé, como resposta à escuta da
Palavra.[154] Verdadeiramente esclarecedoras eram estas palavras do Concílio
Vaticano II: «No próprio diálogo [ecuménico], a Sagrada Escritura é um exímio
instrumento da poderosa mão de Deus para a consecução daquela unidade que o
Salvador oferece a todos os homens».[155] Por isso, é bom incrementar o estudo,
o diálogo e as celebrações ecuménicas da Palavra de Deus, no respeito das
regras vigentes e das diversas tradições.[156] Estas celebrações são úteis à
causa ecuménica e, se vividas no seu verdadeiro significado, constituem
momentos intensos de autêntica oração nos quais se pede a Deus para apressar o
suspirado dia em que será possível abeirar-nos todos da mesma mesa e beber do
único cálice. Entretanto, na justa e louvável promoção destes momentos, faça-se
de modo que os mesmos não sejam propostos aos fiéis em substituição da
participação na Santa Missa nos dias de preceito.
Neste
trabalho de estudo e de oração, reconhecemos com serenidade também os aspectos
que requerem ser aprofundados e que nos mantêm ainda distantes, como, por
exemplo, a compreensão do sujeito da interpretação com autoridade na Igreja e o
papel decisivo do Magistério.[157]
Além
disso queria sublinhar o que os Padres sinodais disseram da importância que
têm, neste trabalho ecuménico, as traduções da Bíblia nas diversas línguas. De
facto, sabemos que traduzir um texto não é trabalho meramente mecânico, mas faz
parte em certo sentido do trabalho interpretativo. A este respeito, o Venerável
João Paulo II afirmou: «Quem recorda como influíram nas divisões, especialmente
no Ocidente, os debates em torno da Escritura, pode compreender quanto seja
notável o passo em frente representado por tais traduções comuns».[158] Por
isso, a promoção das traduções comuns da Bíblia faz parte do trabalho
ecuménico. Desejo aqui agradecer a todos os que estão comprometidos nesta
importante tarefa e encorajá-los a continuarem na sua obra.
Consequências
sobre a organização dos estudos teológicos
47.
Outra consequência que deriva de uma adequada hermenêutica da fé diz respeito à
necessidade de mostrar as suas implicações na formação exegética e teológica,
particularmente dos candidatos ao sacerdócio. Faça-se com que o estudo da
Sagrada Escritura seja verdadeiramente a alma da teologia, enquanto se
reconhece nela a Palavra que Deus hoje dirige ao mundo, à Igreja e a cada um
pessoalmente. É importante que os critérios indicados pelo número 12 da
Constituição dogmática Dei Verbum sejam efectivamente tomados em consideração e
se tornem objecto de aprofundamento. Evite-se cultivar uma noção de pesquisa
científica, que se considera neutral face à Escritura. Por isso, juntamente com
o estudo das línguas próprias em que foi escrita a Bíblia e dos métodos
interpretativos adequados, é necessário que os estudantes tenham uma profunda
vida espiritual, para se aperceberem de que só é possível compreender a
Escritura se a viverem.
Nesta
perspectiva, recomendo que o estudo da Palavra de Deus, transmitida e escrita,
se verifique sempre em profundo espírito eclesial, tendo em devida conta, na
formação académica, as intervenções sobre estas temáticas feitas pelo
Magistério, o qual «não está acima da palavra de Deus, mas sim ao seu serviço,
ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a
assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a
expõe fielmente».[159] Portanto tenha-se o cuidado de que os estudos se
realizem reconhecendo que «a sagrada Tradição, a sagrada Escritura e o
magistério da Igreja, segundo o sapientíssimo desígnio de Deus, de tal maneira
se unem e associam que um sem os outros não se mantém».[160] Desejo pois que,
segundo a doutrina do Concílio Vaticano II, o estudo da Sagrada Escritura, lida
na comunhão da Igreja universal, seja realmente como que a alma do estudo
teológico.[161]
Os
Santos e a interpretação da Escritura
48.
A interpretação da Sagrada Escritura ficaria incompleta se não se ouvisse
também quem viveu verdadeiramente a Palavra de Deus, ou seja, os Santos.[162]
De facto, «viva lectio est vita bonorum».[163] Realmente a interpretação mais
profunda da Escritura provém precisamente daqueles que se deixaram plasmar pela
Palavra de Deus, através da sua escuta, leitura e meditação assídua.
Certamente
não é por acaso que as grandes espiritualidades, que marcaram a história da
Igreja, nasceram de uma explícita referência à Escritura. Penso, por exemplo,
em Santo Antão Abade, que se decide ao ouvir esta palavra de Cristo: «Se queres
ser perfeito, vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres, e
terás um tesouro no céus; depois, vem e segue-Me» (Mt 19, 21).[164] Igualmente
sugestivo é São Basílio Magno, quando, na sua obra Moralia, se interroga: «O
que é próprio da fé? Certeza plena e segura da verdade das palavras inspiradas
por Deus. (…) O que é próprio do fiel? Com tal certeza plena, conformar-se com
o significado das palavras da Escritura, sem ousar tirar nem acrescentar seja o
que for».[165] São Bento, na sua Regra, remete para a Escritura como «norma
rectíssima para a vida do homem».[166] São Francisco de Assis – escreve Tomás
de Celano – «ao ouvir que os discípulos de Cristo não devem possuir ouro, nem
prata, nem dinheiro, não devem trazer alforge, nem pão, nem cajado para o
caminho, não devem ter vários pares de calçado, nem duas túnicas, (…) logo
exclamou, transbordando de Espírito Santo: Com todo o coração isto quero, isto
peço, isto anseio realizar!».[167] E Santa Clara de Assis reproduz plenamente a
experiência de São Francisco: «A forma de vida da Ordem das Irmãs pobres (…) é
esta: observar o santo Evangelho do Senhor nosso Jesus Cristo».[168] Por sua
vez, São Domingos de Gusmão «em toda a parte se manifestava como um homem
evangélico, tanto nas palavras como nas obras»,[169] e tais queria que fossem
também os seus padres pregadores: «homens evangélicos».[170] Santa Teresa de
Ávila, nos seus escritos, recorre continuamente a imagens bíblicas para
explicar a sua experiência mística, e lembra que o próprio Jesus lhe manifesta
que «todo o mal do mundo deriva de não se conhecer claramente a verdade da
Sagrada Escritura».[171] Santa Teresa do Menino Jesus encontra o Amor como sua
vocação pessoal, quando perscruta as Escrituras, em particular os capítulos 12
e 13 da Primeira Carta aos Coríntios;[172] e a mesma Santa assim nos descreve o
fascínio das Escrituras: «Apenas lanço o olhar sobre o Evangelho, imediatamente
respiro os perfumes da vida de Jesus e sei para onde correr».[173] Cada Santo
constitui uma espécie de raio de luz que brota da Palavra de Deus: assim o
vemos também em Santo Inácio de Loyola na sua busca da verdade e no
discernimento espiritual, em São João Bosco na sua paixão pela educação dos
jovens, em São João Maria Vianney na sua consciência da grandeza do sacerdócio
como dom e dever; em São Pio de Pietrelcina no seu ser instrumento da
misericórdia divina; em São Josemaria Escrivá na sua pregação sobre a vocação
universal à santidade; na Beata Teresa de Calcutá missionária da caridade de
Deus pelos últimos; e nos mártires do nazismo e do comunismo representados, os
primeiros, por Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), monja carmelita, e os
segundos pelo Beato Aloísio Stepinac, Cardeal Arcebispo de Zagrábia.
49.
Assim a santidade relacionada com a Palavra de Deus inscreve-se de certo modo
na tradição profética, na qual a Palavra de Deus se serve da própria vida do
profeta. Neste sentido, a santidade na Igreja representa uma hermenêutica da
Escritura da qual ninguém pode prescindir. O Espírito Santo que inspirou os
autores sagrados é o mesmo que anima os Santos a darem a vida pelo Evangelho.
Entrar na sua escola constitui um caminho seguro para efectuar uma hermenêutica
viva e eficaz da Palavra de Deus.
Tivemos
um testemunho directo desta ligação entre Palavra de Deus e santidade durante a
XII Assembleia do Sínodo quando, a 12 de Outubro na Praça de São Pedro, se
realizou a canonização de quatro novos Santos: o sacerdote Caetano Errico,
fundador da Congregação dos Missionários dos Sagrados Corações de Jesus e de
Maria; a Irmã Maria Bernarda Bütler, nascida na Suíça e missionária no Equador
e na Colômbia; a Irmã Afonsa da Imaculada Conceição, primeira santa canonizada
nascida na Índia; a jovem leiga equatoriana Narcisa de Jesus Martillo Morán.
Com a sua vida, deram testemunho ao mundo e à Igreja da perene fecundidade do
Evangelho de Cristo. Pedimos ao Senhor que, por intercessão destes Santos canonizados
precisamente nos dias da assembleia sinodal sobre a Palavra de Deus, a nossa
vida seja aquele «terreno bom» onde o Semeador divino possa semear a Palavra
para que produza em nós frutos de santidade, a «trinta, sessenta, e cem por um»
(Mc 4, 20).
II
PARTE
VERBUM
IN ECCLESIA
«A
todos os que O receberam, deu-lhes o poder
de
se tornarem filhos de Deus» (Jo 1, 12)
A
palavra de Deus e a Igreja
A
Igreja acolhe a Palavra
50.
O Senhor pronuncia a sua Palavra para que seja acolhida por aqueles que foram
criados precisamente «por meio» do Verbo. «Veio ao que era Seu» (Jo 1, 11):
desde as origens, a Palavra tem a ver connosco e a criação foi desejada numa
relação de familiaridade com a vida divina. O Prólogo do quarto Evangelho
apresenta-nos também a rejeição da Palavra divina por parte dos «Seus» que «não
O receberam» (Jo 1, 11). Não recebê-Lo quer dizer não ouvir a sua voz, não se
configurar ao Logos. Mas, quando o homem, apesar de frágil e pecador, se abre
sinceramente ao encontro com Cristo, começa uma transformação radical: «A todos
os que O receberam, (…) deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo 1,
12). Receber o Verbo significa deixar-se plasmar por Ele, para se tornar, pelo
poder do Espírito Santo, conforme a Cristo, ao «Filho Único que vem do Pai» (Jo
1, 14). É o início de uma nova criação: nasce a criatura nova, um povo novo.
Aqueles que crêem, ou seja, aqueles que vivem a obediência da fé «nasceram de
Deus» (Jo 1, 13), são feitos participantes da vida divina: filhos no Filho (cf.
Gl 4, 5-6; Rm 8, 14-17). Santo Agostinho, comentando este trecho do Evangelho
de João, afirma de modo sugestivo: «Por meio do Verbo foste feito, mas é
necessário que por meio do Verbo sejas refeito».[174] Vemos esboçar-se aqui o
rosto da Igreja como realidade que se define pelo acolhimento do Verbo de Deus,
que, encarnando, colocou a sua tenda entre nós (cf. Jo 1, 14). Esta morada de
Deus entre os homens – a shekinah (cf. Ex 26, 1) –, prefigurada no Antigo
Testamento, realiza-se agora com a presença definitiva de Deus no meio dos
homens em Cristo.
Contemporaneidade
de Cristo na vida da Igreja
51.
A relação entre Cristo, Palavra do Pai, e a Igreja não pode ser compreendida em
termos de um acontecimento simplesmente passado, mas trata-se de uma relação
vital na qual cada fiel, pessoalmente, é chamado a entrar. Realmente, falamos
da Palavra de Deus que está hoje presente connosco: «Eu estarei sempre
convosco, até ao fim do mundo» (Mt 28, 20). Como afirmou o Papa João Paulo II,
«a contemporaneidade de Cristo com o homem de cada época realiza-se no seu
corpo, que é a Igreja. Por esta razão, o Senhor prometeu aos seus discípulos o
Espírito Santo, que lhes haveria de “lembrar” e fazer compreender os seus
mandamentos (cf. Jo 14, 26) e seria o princípio fontal de uma nova vida no
mundo (cf. Jo 3, 5-8; Rm 8, 1-13)».[175] A Constituição dogmática Dei Verbum
expressa este mistério com os termos bíblicos de um diálogo nupcial: «Deus, que
outrora falou, dialoga sem interrupção com a esposa do seu amado Filho; e o
Espírito Santo – por quem ressoa a voz do Evangelho na Igreja e, pela Igreja,
no mundo – introduz os crentes na verdade plena e faz com que a palavra de
Cristo neles habite em toda a sua riqueza (cf. Cl 3, 16)».[176]
Mestra
de escuta, a Esposa de Cristo repete, com fé, também hoje: «Falai, Senhor, que
a vossa Igreja Vos escuta».[177] Por isso, a Constituição dogmática Dei Verbum
começa com estes termos: «O sagrado Concílio, ouvindo religiosamente a Palavra
de Deus e proclamando-a com confiança…».[178] Com efeito, trata-se de uma
definição dinâmica da vida da Igreja: «São palavras com as quais o Concílio
indica um aspecto qualificante da Igreja: esta é uma comunidade que escuta e
anuncia a Palavra de Deus. A Igreja não vive de si mesma, mas do Evangelho; e
do Evangelho tira, sem cessar, orientação para o seu caminho. Temos aqui uma
advertência que cada cristão deve acolher e aplicar a si mesmo: só quem se
coloca primeiro à escuta da Palavra é que pode depois tornar-se seu
anunciador».[179] Na Palavra de Deus proclamada e ouvida e nos Sacramentos,
Jesus hoje, aqui e agora, diz a cada um: «Eu sou teu, dou-Me a ti», para que o
homem O possa acolher e responder-Lhe dizendo por sua vez: «Eu sou teu».[180]
Assim a Igreja apresenta-se como o âmbito onde podemos, por graça, experimentar
o que diz o Prólogo de João: «A todos os que O receberam, deu-lhes o poder de
se tornarem filhos de Deus» (Jo 1, 12).
Liturgia,
lugar privilegiado da Palavra de Deus
A
Palavra de Deus na sagrada Liturgia
52.
Considerando a Igreja como «casa da Palavra»,[181] deve-se antes de tudo dar
atenção à Liturgia sagrada. Esta constitui, efectivamente, o âmbito
privilegiado onde Deus nos fala no momento presente da nossa vida: fala hoje ao
seu povo, que escuta e responde. Cada acção litúrgica está, por sua natureza,
impregnada da Sagrada Escritura. Como afirma a Constituição Sacrosanctum
Concilium, «é enorme a importância da Sagrada Escritura na celebração da
Liturgia. Porque é a ela que se vão buscar as leituras que se explicam na
homilia e os salmos para cantar; com o seu espírito e da sua inspiração
nasceram as preces, as orações e os hinos litúrgicos; dela tiram a sua
capacidade de significação as acções e os sinais».[182] Mais ainda, deve-se
afirmar que o próprio Cristo «está presente na sua palavra, pois é Ele que fala
ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura».[183] Com efeito, «a celebração
litúrgica torna-se uma contínua, plena e eficaz proclamação da Palavra de Deus.
Por isso, constantemente anunciada na liturgia, a Palavra de Deus permanece
viva e eficaz pela força do Espírito Santo, e manifesta aquele amor operante do
Pai que não cessa jamais de agir em favor de todos os homens».[184] De facto, a
Igreja sempre mostrou ter consciência de que, na acção litúrgica, a Palavra de
Deus é acompanhada pela acção íntima do Espírito Santo que a torna operante no
coração dos fiéis. Na realidade, graças ao Paráclito é que «a Palavra de Deus
se torna fundamento da acção litúrgica, norma e sustentáculo da vida inteira. A
acção do próprio Espírito Santo (…) sugere a cada um, no íntimo do coração,
tudo aquilo que, na proclamação da Palavra de Deus, é dito para a assembleia
inteira dos fiéis e, enquanto reforça a unidade de todos, favorece também a
diversidade dos carismas e valoriza a acção multiforme».[185]
Por
isso, para a compreensão da Palavra de Deus, é necessário entender e viver o
valor essencial da acção litúrgica. Em certo sentido, a hermenêutica da fé
relativamente à Sagrada Escritura deve ter sempre como ponto de referência a
liturgia, onde a Palavra de Deus é celebrada como palavra actual e viva: «A
Igreja, na liturgia, segue fielmente o modo de ler e interpretar as Sagradas
Escrituras seguido pelo próprio Cristo, quando, a partir do “hoje” do seu evento,
exorta a perscrutar todas as Escrituras».[186]
Aqui
se vê também a sábia pedagogia da Igreja que proclama e escuta a Sagrada
Escritura seguindo o ritmo do ano litúrgico. Vemos a Palavra de Deus
distribuída ao longo do tempo, particularmente na celebração eucarística e na
Liturgia das Horas. No centro de tudo, refulge o Mistério Pascal, ao qual se
unem todos os mistérios de Cristo e da história da salvação actualizados
sacramentalmente: «Com esta recordação dos mistérios da Redenção, a Igreja
oferece aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos do seu Senhor, a ponto
de os tornar como que presentes a todo o tempo, para que os fiéis, em contacto
com eles, se encham de graça».[187] Por isso exorto os Pastores da Igreja e os
agentes pastorais a fazer com que todos os fiéis sejam educados para saborear o
sentido profundo da Palavra de Deus que está distribuída ao longo do ano na
liturgia, mostrando os mistérios fundamentais da nossa fé. Também disto depende
a correcta abordagem da Sagrada Escritura.
Sagrada
Escritura e Sacramentos
53.
Ocupando-se do tema do valor da liturgia para a compreensão da Palavra de Deus,
o Sínodo dos Bispos quis sublinhar também a relação entre a Sagrada Escritura e
a acção sacramental. É muito oportuno aprofundar o vínculo entre Palavra e
Sacramento, tanto na acção pastoral da Igreja como na investigação
teológica.[188] Certamente, «a liturgia da Palavra é um elemento decisivo na
celebração de cada um dos sacramentos da Igreja»;[189] na prática pastoral,
porém, nem sempre os fiéis estão conscientes deste vínculo, vendo a unidade
entre o gesto e a palavra. É «dever dos sacerdotes e diáconos, sobretudo quando
administram os sacramentos, evidenciar a unidade que formam Palavra e
Sacramento no ministério da Igreja».[190] De facto, na relação entre Palavra e
gesto sacramental, mostra-se de forma litúrgica o agir próprio de Deus na
história, por meio do carácter performativo da Palavra. Com efeito, na história
da salvação, não há separação entre o que Deus diz e faz; a sua própria Palavra
apresenta-se como viva e eficaz (cf. Hb 4, 12), como aliás indica o significado
do termo hebraico dabar. Do mesmo modo, na acção litúrgica, vemo-nos colocados
diante da sua Palavra que realiza aquilo que diz. Quando se educa o Povo de
Deus para descobrir o carácter performativo da Palavra de Deus na liturgia,
ajudamo-lo também a perceber o agir de Deus na história da salvação e na vida
pessoal de cada um dos seus membros.
Palavra
de Deus e Eucaristia
54.
Quanto foi dito de modo geral a respeito da relação entre Palavra e
Sacramentos, ganha maior profundidade aplicado à celebração eucarística. Aliás
a unidade íntima entre Palavra e Eucaristia está radicada no testemunho da
Escritura (cf. Jo 6; L c 24), é atestada pelos Padres da Igreja e reafirmada
pelo Concílio Vaticano II.[191] A este propósito, pensemos no grande discurso
de Jesus sobre o pão da vida na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6, 22-69), que
tem como pano de fundo o confronto entre Moisés e Jesus, entre aquele que falou
face a face com Deus (cf. Ex 33, 11) e aquele que revelou Deus (cf. Jo 1, 18).
De facto, o discurso sobre o pão evoca o dom de Deus que Moisés obteve para o
seu povo com o maná no deserto, que na realidade é a Torah, a Palavra de Deus
que faz viver (cf. Sl 119; Pr 9, 5). Em Si mesmo, Jesus torna realidade esta
figura antiga: «O pão de Deus é o que desce do Céu e dá a vida ao mundo. (...)
Eu sou o pão da vida» (Jo 6, 33.35). Aqui, «a Lei tornou-se Pessoa. Encontrando
Jesus, alimentamo-nos por assim dizer do próprio Deus vivo, comemos verdadeiramente
o pão do céu».[192] No discurso de Cafarnaum, aprofunda-se o Prólogo de João:
se neste o Logos de Deus Se faz carne, naquele a carne faz-Se «pão» dado para a
vida do mundo (cf. Jo 6, 51), aludindo assim ao dom que Jesus fará de Si mesmo
no mistério da cruz, confirmado pela afirmação acerca do seu sangue dado a
«beber» (cf. Jo 6, 53). Assim, no mistério da Eucaristia, mostra-se qual é o
verdadeiro maná, o verdadeiro pão do céu: é o Logos de Deus que Se fez carne,
que Se entregou a Si mesmo por nós no Mistério Pascal.
A
narração de Lucas sobre os discípulos de Emaús permite-nos uma reflexão
subsequente acerca do vínculo entre a escuta da Palavra e a fracção do pão (cf.
L c 24, 13-35). Jesus foi ter com eles no dia depois do sábado, escutou as expressões
da sua esperança desiludida e, acompanhando-os ao longo do caminho,
«explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que Lhe dizia respeito» (24,
27). Juntamente com este viajante que inesperadamente se manifesta tão familiar
às suas vidas, os dois discípulos começam a ver as Escrituras de um novo modo.
O que acontecera naqueles dias já não aparece como um fracasso, mas cumprimento
e novo início. Todavia, mesmo estas palavras não parecem ainda suficientes para
os dois discípulos. O Evangelho de Lucas diz que «abriram-se-lhes os olhos e
reconheceram-No» (24, 31) somente quando Jesus tomou o pão, abençoou-o,
partiu-o e lho deu; antes, «os seus olhos estavam impedidos de O reconhecerem»
(24, 16). A presença de Jesus, primeiro com as palavras e depois com o gesto de
partir o pão, tornou possível aos discípulos reconhecê-Lo e apreciar de modo
novo tudo o que tinham vivido anteriormente com Ele: «Não estava o nosso
coração a arder cá dentro, quando Ele nos explicava as Escrituras?» (24, 32).
55.
Vê-se a partir destas narrações como a própria Escritura leva a descobrir o seu
nexo indissolúvel com a Eucaristia. «Por conseguinte, deve-se ter sempre
presente que a Palavra de Deus, lida e proclamada na liturgia pela Igreja,
conduz, como se de alguma forma se tratasse da sua própria finalidade, ao
sacrifício da aliança e ao banquete da graça, ou seja, à Eucaristia».[193]
Palavra e Eucaristia correspondem-se tão intimamente que não podem ser
compreendidas uma sem a outra: a Palavra de Deus faz-Se carne, sacramentalmente,
no evento eucarístico. A Eucaristia abre-nos à inteligência da Sagrada
Escritura, como esta, por sua vez, ilumina e explica o Mistério eucarístico.
Com efeito, sem o reconhecimento da presença real do Senhor na Eucaristia,
permanece incompleta a compreensão da Escritura. Por isso, «à palavra de Deus e
ao mistério eucarístico a Igreja tributou e quis e estabeleceu que, sempre e em
todo o lugar, se tributasse a mesma veneração embora não o mesmo culto. Movida
pelo exemplo do seu fundador, nunca cessou de celebrar o mistério pascal,
reunindo-se num mesmo lugar para ler, “em todas as Escrituras, aquilo que Lhe
dizia respeito” (L c 24, 27) e actualizar, com o memorial do Senhor e os
sacramentos, a obra da salvação».[194]
A
sacramentalidade da Palavra
56.
Com o apelo ao carácter performativo da Palavra de Deus na acção sacramental e
o aprofundamento da relação entre Palavra e Eucaristia, somos introduzidos num
tema significativo, referido durante a Assembleia do Sínodo: a sacramentalidade
da Palavra.[195] A este respeito é útil recordar que o Papa João Paulo II já
aludira «ao horizonte sacramental da Revelação e, de forma particular, ao sinal
eucarístico, onde a união indivisível entre a realidade e o respectivo
significado permite identificar a profundidade do mistério».[196] Daqui se
compreende que, na origem da sacramentalidade da Palavra de Deus, esteja
precisamente o mistério da encarnação: «o Verbo fez-Se carne» (Jo 1, 14), a
realidade do mistério revelado oferece-se a nós na «carne» do Filho. A Palavra
de Deus torna-se perceptível à fé através do «sinal» de palavras e gestos
humanos. A fé reconhece o Verbo de Deus, acolhendo os gestos e as palavras com
que Ele mesmo se nos apresenta. Portanto, o horizonte sacramental da revelação
indica a modalidade histórico-salvífica com que o Verbo de Deus entra no tempo
e no espaço, tornando-Se interlocutor do homem, chamado a acolher na fé o seu
dom.
Assim
é possível compreender a sacramentalidade da Palavra através da analogia com a
presença real de Cristo sob as espécies do pão e do vinho consagrados.[197]
Aproximando-nos do altar e participando no banquete eucarístico, comungamos
realmente o corpo e o sangue de Cristo. A proclamação da Palavra de Deus na
celebração comporta reconhecer que é o próprio Cristo que Se faz presente e Se
dirige a nós[198] para ser acolhido. Referindo-se à atitude que se deve adoptar
tanto em relação à Eucaristia como à Palavra de Deus, São Jerónimo afirma:
«Lemos as Sagradas Escrituras. Eu penso que o Evangelho é o Corpo de Cristo;
penso que as santas Escrituras são o seu ensinamento. E quando Ele fala em
“comer a minha carne e beber o meu sangue” (Jo 6, 53), embora estas palavras se
possam entender do Mistério [eucarístico], todavia também a palavra da
Escritura, o ensinamento de Deus, é verdadeiramente o corpo de Cristo e o seu
sangue. Quando vamos receber o Mistério [eucarístico], se cair uma migalha
sentimo-nos perdidos. E, quando estamos a escutar a Palavra de Deus e nos é
derramada nos ouvidos a Palavra de Deus que é carne de Cristo e seu sangue, se
nos distrairmos com outra coisa, não incorremos em grande perigo?».[199]
Realmente presente nas espécies do pão e do vinho, Cristo está presente, de
modo análogo, também na Palavra proclamada na liturgia. Por isso, aprofundar o
sentido da sacramentalidade da Palavra de Deus pode favorecer uma maior
compreensão unitária do mistério da revelação em «acções e palavras intimamente
relacionadas»,[200] sendo de proveito à vida espiritual dos fiéis e à acção
pastoral da Igreja.
A
Sagrada Escritura e o Leccionário
57.
Ao acentuar o nexo entre Palavra e Eucaristia, o Sínodo quis justamente evocar
também alguns aspectos da celebração inerentes ao serviço da Palavra. Quero
mencionar, em primeiro lugar, a importância do Leccionário. A reforma desejada
pelo Concílio Vaticano II[201] mostrou os seus frutos, tornando mais rico o
acesso à Sagrada Escritura que é oferecida abundantemente sobretudo nas
liturgias do domingo. A estrutura actual, além de apresentar com frequência os
textos mais importantes da Escritura, favorece a compreensão da unidade do
plano divino, através da correlação entre as leituras do Antigo e do Novo
Testamento, «centrada em Cristo e no seu mistério pascal».[202] Certas
dificuldades que se sentem ao querer identificar as relações entre as leituras
dos dois Testamentos devem ser consideradas à luz da leitura canónica, ou seja,
da unidade intrínseca da Bíblia inteira. Onde se sentir a necessidade, os
organismos competentes podem prover à publicação de subsídios que tornem mais
fácil compreender o nexo entre as leituras propostas pelo Leccionário, que
devem ser todas proclamadas na assembleia litúrgica, como previsto pela liturgia
do dia. Eventuais problemas e dificuldades sejam assinalados à Congregação para
o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
Além
disso, não devemos esquecer que o Leccionário actual do rito latino tem também
um significado ecuménico, visto que é utilizado e apreciado mesmo por
confissões em comunhão ainda não plena com a Igreja Católica. De modo diverso
se apresenta o problema do Leccionário nas liturgias das Igrejas Católicas
Orientais, que o Sínodo pede para ser «examinado com autoridade»[203] segundo a
tradição própria e as competências das Igrejas sui iuris e tendo em conta
também o contexto ecuménico.
Proclamação
da Palavra e ministério do leitorado
58.
Na assembleia sinodal sobre a Eucaristia, já se tinha pedido maior cuidado com
a proclamação da Palavra de Deus.[204] Como é sabido, enquanto o Evangelho é
proclamado pelo sacerdote ou pelo diácono, a primeira e a segunda leitura na
tradição latina são proclamadas pelo leitor encarregado, homem ou mulher. Quero
aqui fazer-me eco dos Padres sinodais que sublinharam, também naquela
circunstância, a necessidade de cuidar, com uma adequada formação,[205] o
exercício da função de leitor na celebração litúrgica[206] e de modo particular
o ministério do leitorado que enquanto tal, no rito latino, é ministério
laical. É necessário que os leitores encarregados de tal serviço, ainda que não
tenham recebido a instituição no mesmo, sejam verdadeiramente idóneos e
preparados com empenho. Tal preparação deve ser não apenas bíblica e litúrgica
mas também técnica: «A formação bíblica deve levar os leitores a saberem
enquadrar as leituras no seu contexto e a identificarem o centro do anúncio
revelado à luz da fé. A formação litúrgica deve comunicar aos leitores uma
certa facilidade em perceber o sentido e a estrutura da liturgia da Palavra e
os motivos da relação entre a liturgia da Palavra e a liturgia eucarística. A
preparação técnica deve tornar os leitores cada vez mais idóneos na arte de
lerem em público tanto com a simples voz natural, como com a ajuda dos
instrumentos modernos de amplificação sonora».[207]
A
importância da homilia
59.
«As tarefas e funções que competem a cada um relativamente à Palavra de Deus
são diversas: aos fiéis compete ouvi-la e meditá-la, enquanto a sua exposição
cabe somente àqueles que, em virtude da Ordem sacra, receberam a tarefa do
magistério, ou àqueles a quem é confiado o exercício deste ministério»,[208] ou
seja, bispos, presbíteros e diáconos. Daqui se compreende a atenção particular
que, no Sínodo, foi dispensada ao tema da homilia. Já na Exortação apostólica
pós-sinodal Sacramentum caritatis, recordei como, «pensando na importância da
palavra de Deus, surge a necessidade de melhorar a qualidade da homilia; de
facto, “esta constitui parte integrante da acção litúrgica”, cuja função é
favorecer uma compreensão e eficácia mais ampla da Palavra de Deus na vida dos
fiéis».[209] A homilia constitui uma actualização da mensagem da Sagrada
Escritura, de tal modo que os fiéis sejam levados a descobrir a presença e a
eficácia da Palavra de Deus no momento actual da sua vida. Aquela deve levar à
compreensão do mistério que se celebra; convidar para a missão, preparando a
assembleia para a profissão de fé, a oração universal e a liturgia eucarística.
Consequentemente aqueles que, por ministério específico, estão incumbidos da
pregação tenham verdadeiramente a peito esta tarefa. Devem-se evitar tanto
homilias genéricas e abstractas que ocultam a simplicidade da Palavra de Deus,
como inúteis divagações que ameaçam atrair a atenção mais para o pregador do
que para o coração da mensagem evangélica. Deve resultar claramente aos fiéis
que aquilo que o pregador tem a peito é mostrar Cristo, que deve estar no
centro de cada homilia. Por isso, é preciso que os pregadores tenham
familiaridade e contacto assíduo com o texto sagrado;[210] preparem-se para a
homilia na meditação e na oração, a fim de pregarem com convicção e paixão. A
assembleia sinodal exortou a ter presente as seguintes perguntas: «O que dizem
as leituras proclamadas? O que dizem a mim pessoalmente? O que devo dizer à
comunidade, tendo em conta a sua situação concreta?».[211] O pregador deve
deixar-se «interpelar primeiro pela Palavra de Deus que anuncia»,[212] porque –
como diz Santo Agostinho – «seguramente fica sem fruto aquele que prega
exteriormente a Palavra de Deus sem a escutar no seu íntimo».[213] Cuide-se,
com atenção particular, a homilia dos domingos e solenidades; e mesmo durante a
semana nas Missas cum populo, quando possível, não se deixe de oferecer breves
reflexões, apropriadas à situação, para ajudar os fiéis a acolherem e tornarem
fecunda a Palavra escutada.
Conveniência
de um Directório homilético
60.
Pregar de modo adequado referindo-se ao Leccionário é verdadeiramente uma arte
que deve ser cultivada. Por isso, dando continuidade à solicitação feita no
Sínodo anterior,[214] peço às autoridades competentes que, correlativamente ao
Compêndio Eucarístico,[215] se pense também em instrumentos e subsídios
adequados para ajudar os ministros a desempenhar da melhor forma possível a sua
tarefa, como, por exemplo, um Directório sobre a homilia, de modo que os
pregadores possam encontrar nele uma ajuda útil a fim de se prepararem no
exercício do ministério. E depois, como nos lembra São Jerónimo, a pregação
deve ser acompanhada pelo testemunho da própria vida: «Que as tuas acções não
desmintam as tuas palavras, para que não aconteça que, quando tu pregares na
igreja, alguém comente no seu íntimo: “Então porque é que tu não ages assim?”
(…) No sacerdote de Cristo, devem estar de acordo a mente e a palavra».[216]
Palavra
de Deus, Reconciliação e Unção dos Doentes
61.
Embora no centro da relação entre Palavra de Deus e Sacramentos esteja
indubitavelmente a Eucaristia, todavia é bom sublinhar a importância da Sagrada
Escritura também nos outros Sacramentos, particularmente nos Sacramentos de
cura: a Reconciliação ou Penitência e a Unção dos Doentes. Nestes Sacramentos,
muitas vezes é negligenciada a referência à Sagrada Escritura, quando, ao
contrário, é necessário dar-lhe o espaço que lhe compete. De facto, nunca se
deve esquecer que «a Palavra de Deus é palavra de reconciliação, porque nela
Deus reconcilia consigo todas as coisas (cf. 2 Cor 5, 18-20; Ef 1, 10). O
perdão misericordioso de Deus, encarnado em Jesus, reabilita o pecador».[217]
Pela Palavra de Deus, «o fiel é iluminado para poder conhecer os seus pecados e
é chamado à conversão e à confiança na misericórdia de Deus».[218] Para que se
aprofunde a força reconciliadora da Palavra de Deus, recomenda-se que o
indivíduo penitente se prepare para a confissão meditando um trecho apropriado
da Sagrada Escritura e possa começar a confissão com a leitura ou a escuta de
uma advertência bíblica, como aliás está previsto no próprio ritual. Depois, ao
manifestar a sua contrição, é bom que o penitente utilize «uma oração composta
de palavras da Sagrada Escritura»,[219] prevista pelo ritual. Sempre que
possível, seria bom que, em momentos particulares do ano ou quando houver
oportunidade, a confissão individual da multidão de penitentes tenha lugar no
âmbito de celebrações penitenciais, como previsto pelo ritual, no respeito das
várias tradições litúrgicas, para se poder dar amplo espaço à celebração da
Palavra com o uso de leituras apropriadas.
Passando
ao sacramento da Unção dos Doentes, não se esqueça que «a força salutar da
Palavra de Deus é apelo vivo a uma conversão pessoal constante do próprio
ouvinte».[220] A Sagrada Escritura contém numerosas páginas de conforto, amparo
e cura, que se devem à intervenção de Deus. Em particular, recorde-se a atenção
dada por Jesus aos doentes e como Ele mesmo, Verbo de Deus encarnado, carregou
as nossas dores e sofreu por amor do homem, dando assim sentido à doença e à
morte. É bom que, nas paróquias e sobretudo nos hospitais, se celebre – desde que
as circunstâncias o permitam – o Sacramento dos Doentes de forma comunitária.
Em tais ocasiões, seja dado amplo espaço à celebração da Palavra e ajudem-se os
fiéis doentes a viver com fé a própria condição de sofrimento, em união com o
Sacrifício redentor de Cristo que nos liberta do mal.
Palavra
de Deus e Liturgia das Horas
62.
Entre as formas de oração que exaltam a Sagrada Escritura, conta-se, sem
dúvida, a Liturgia das Horas. Os Padres sinodais afirmaram que esta constitui
«uma forma privilegiada de escuta da Palavra de Deus, porque põe os fiéis em
contacto com a Sagrada Escritura e com a Tradição viva da Igreja».[221] Antes
de mais nada, há que lembrar a profunda dignidade teológica e eclesial desta
oração. De facto, «na Liturgia das Horas, a Igreja exerce a função sacerdotal
da sua Cabeça, “oferecendo ininterruptamente (1 Ts 5, 17) a Deus o sacrifício
de louvor, ou seja, o fruto dos lábios que glorificam o seu nome (cf. Hb 13,
15)”. Esta oração é a “voz da Esposa a falar ao Esposo e também a oração que o
próprio Cristo, unido ao seu Corpo, eleva ao Pai”».[222] A este propósito, o
Concílio Vaticano II afirmara: «Todos os que rezam assim, cumprem, por um lado,
a obrigação própria da Igreja, e, por outro, participam na imensa honra da
Esposa de Cristo, porque estão em nome da Igreja, diante do trono de Deus, a
louvar o Senhor».[223] Na Liturgia das Horas, enquanto oração pública da
Igreja, manifesta-se o ideal cristão de santificação do dia inteiro, ritmado
pela escuta da Palavra de Deus e pela oração dos Salmos, de modo que toda a
actividade encontre o seu ponto de referência no louvor prestado a Deus.
Aqueles
que, em virtude do próprio estado de vida, são obrigados a rezar a Liturgia das
Horas, vivam fielmente tal compromisso em benefício de toda a Igreja. Os
bispos, os sacerdotes e os diáconos aspirantes ao sacerdócio, que receberam da
Igreja o mandato de a celebrar, têm a obrigação de rezar diariamente todas as
Horas.[224] Relativamente à obrigatoriedade desta liturgia nas Igrejas
Orientais Católicas sui iuris, siga-se o que está indicado no direito
próprio.[225] Além disso, encorajo as comunidades de vida consagrada a serem
exemplares na celebração da Liturgia das Horas, a fim de poderem constituir um
ponto de referência e inspiração para a vida espiritual e pastoral de toda a
Igreja.
O
Sínodo exprimiu o desejo de uma maior difusão no Povo de Deus desta forma de
oração, especialmente a recitação de Laudes e Vésperas. Este incremento não
deixará de fazer crescer nos fiéis a familiaridade com a Palavra de Deus.
Saliente-se também o valor da Liturgia das Horas prevista para as Primeiras
Vésperas do domingo e das solenidades, particularmente nas Igrejas Orientais
Católicas. Com tal finalidade, recomendo que, onde for possível, as paróquias e
as comunidades de vida religiosa favoreçam esta oração com a participação dos
fiéis.
Palavra
de Deus e Cerimonial das Bênçãos
63.
No uso do Cerimonial das Bênçãos, preste-se atenção também ao espaço previsto
para a proclamação, a escuta e a explicação da Palavra de Deus, através de
breves advertências. Com efeito, o gesto da bênção, nos casos previstos pela
Igreja e quando pedido pelos fiéis, não deve aparecer isolado em si mesmo, mas
relacionado, no grau que lhe é próprio, com a vida litúrgica do Povo de Deus.
Neste sentido, a bênção, como verdadeiro sinal sagrado, «adquire sentido e
eficácia da proclamação da Palavra de Deus».[226] Por isso, é importante
aproveitar também estas circunstâncias para suscitar nos fiéis fome e sede de
toda a palavra que sai da boca de Deus (cf. Mt 4, 4).
Sugestões
e propostas concretas para a animação litúrgica
64.
Depois de ter lembrado alguns elementos fundamentais da relação entre Liturgia
e Palavra de Deus, quero agora assumir e valorizar algumas propostas e
sugestões que os Padres sinodais recomendaram para favorecer, no Povo de Deus,
uma crescente familiaridade com a Palavra de Deus no âmbito das acções
litúrgicas ou de algum modo relacionadas com elas.
a) Celebrações
da Palavra de Deus
65.
Os Padres sinodais exortaram todos os Pastores a difundir, nas comunidades a
eles confiadas, os momentos de celebração da Palavra:[227] são ocasiões
privilegiadas de encontro com o Senhor. Por isso, tal prática não pode deixar
de trazer grande proveito aos fiéis, e deve considerar-se um elemento
importante da pastoral litúrgica. Estas celebrações assumem particular relevância
como preparação para a Eucaristia dominical, de modo que os fiéis tenham
possibilidade de penetrar melhor na riqueza do Leccionário para meditar e rezar
a Sagrada Escritura, sobretudo nos tempos litúrgicos fortes do Advento e Natal,
da Quaresma e Páscoa. Entretanto a celebração da Palavra de Deus é vivamente
recomendada nas comunidades onde não é possível, por causa da escassez de
sacerdotes, celebrar o Sacrifício Eucarístico nos dias festivos de preceito.
Tendo em conta as indicações já expressas na Exortação apostólica pós-sinodal
Sacramentum caritatis sobre as assembleias dominicais à espera de
sacerdote,[228] recomendo que sejam redigidos pelas competentes autoridades
directórios rituais, valorizando a experiência das Igrejas Particulares. Assim,
em tais situações, hão-de favorecer-se celebrações da Palavra que alimentem a
fé dos fiéis, mas evitando que as mesmas sejam confundidas com celebrações
eucarísticas; «devem antes tornar-se ocasiões privilegiadas de oração a Deus
para que mande sacerdotes santos segundo o seu Coração».[229]
Além
disso, os Padres sinodais convidaram a celebrar a Palavra de Deus também por
ocasião de peregrinações, festas particulares, missões populares, retiros
espirituais e dias especiais de penitência, reparação e perdão. No que se
refere às diversas formas de piedade popular, embora não sejam actos litúrgicos
nem se devam confundir com as celebrações litúrgicas, todavia é bom que se
inspirem nelas e sobretudo que dêem espaço adequado à proclamação e escuta da
Palavra de Deus; de facto, «a piedade popular encontrará nas palavras da Bíblia
uma fonte inesgotável de inspiração, modelos insuperáveis de oração e fecundas
propostas de diversos temas».[230]
b) A
Palavra e o silêncio
66.
Várias intervenções dos Padres sinodais insistiram sobre o valor do silêncio
para a recepção da Palavra de Deus na vida dos fiéis.[231] De facto, a palavra
pode ser pronunciada e ouvida apenas no silêncio, exterior e interior. O nosso
tempo não favorece o recolhimento e, às vezes, fica-se com a impressão de ter
medo de se separar, por um só momento, dos instrumentos de comunicação de
massa. Por isso, hoje é necessário educar o Povo de Deus para o valor do
silêncio. Redescobrir a centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja
significa também redescobrir o sentido do recolhimento e da tranquilidade
interior. A grande tradição patrística ensina-nos que os mistérios de Cristo
estão ligados ao silêncio[232] e só nele é que a Palavra pode encontrar morada
em nós, como aconteceu em Maria, mulher indivisivelmente da Palavra e do
silêncio. As nossas liturgias devem facilitar esta escuta autêntica: Verbo
crescente, verba deficiunt.[233]
Que
este valor brilhe particularmente na Liturgia da Palavra, que «deve ser
celebrada de modo a favorecer a meditação».[234] O silêncio, quando previsto,
deve ser considerado «como parte da celebração».[235] Por isso, exorto os
Pastores a estimularem os momentos de recolhimento, nos quais, com a ajuda do
Espírito Santo, a Palavra de Deus é acolhida no coração.
c) Proclamação
solene da Palavra de Deus
67.
Outra sugestão feita pelo Sínodo foi a de solenizar, sobretudo em ocorrências
litúrgicas relevantes, a proclamação da Palavra, especialmente do Evangelho,
utilizando o Evangeliário, conduzido processionalmente durante os ritos
iniciais e depois levado ao ambão pelo diácono ou por um sacerdote para a
proclamação. Deste modo ajuda-se o Povo de Deus a reconhecer que «a leitura do
Evangelho constitui o ápice da própria liturgia da Palavra».[236] Seguindo as
indicações contidas no Ordenamento das Leituras da Missa, é bom valorizar a
proclamação da Palavra de Deus com o canto, particularmente o Evangelho, de
modo especial em determinadas solenidades. A saudação, o anúncio inicial:
«Evangelho de Nosso Senhor…» e a exclamação final «Palavra da salvação», seria
bom proferi-los em canto para evidenciar a importância do que é lido.[237]
d) A
Palavra de Deus no templo cristão
68.
Para favorecer a escuta da Palavra de Deus, não se devem menosprezar os meios
que possam ajudar os fiéis a prestar maior atenção. Neste sentido, é necessário
que, nos edifícios sagrados, nunca se descuide a acústica, no respeito das
normas litúrgicas e arquitectónicas. «Na construção das igrejas, os Bispos,
valendo-se da devida ajuda, procurem que sejam locais adequados à proclamação
da Palavra, à meditação e à celebração eucarística. Os espaços sagrados, mesmo
fora da acção litúrgica, revistam-se de eloquência, apresentando o mistério
cristão relacionado com a Palavra de Deus».[238]
Uma
atenção especial seja dada ao ambão, enquanto lugar litúrgico donde é
proclamada a Palavra de Deus. Deve estar colocado em lugar bem visível, para
onde se dirija espontaneamente a atenção dos fiéis durante a liturgia da
Palavra. É bom que seja fixo, esculturalmente em harmonia estética com o altar,
de modo a representar mesmo visivelmente o sentido teológico da dupla mesa da
Palavra e da Eucaristia. A partir do ambão, são proclamadas as leituras, o
salmo responsorial e o Precónio pascal; de lá podem ser feitas também a homilia
e a leitura da oração dos fiéis.[239]
Além
disso, os Padres sinodais sugerem que, nas igrejas, haja um local de honra onde
se possa colocar a Sagrada Escritura mesmo fora da celebração.[240] Realmente é
bom que o livro onde está contida a Palavra de Deus tenha dentro do templo
cristão um lugar visível e de honra, mas sem tirar a centralidade que compete
ao Sacrário que contém o Santíssimo Sacramento.[241]
e) Exclusividade
dos textos bíblicos na liturgia
69.
O Sínodo reafirmou vivamente também aquilo que, aliás, já está estabelecido
pela norma litúrgica da Igreja,[242] isto é, que as leituras tiradas da Sagrada
Escritura nunca sejam substituídas por outros textos, por mais significativos
que estes possam parecer do ponto de vista pastoral ou espiritual: «Nenhum
texto de espiritualidade ou de literatura pode atingir o valor e a riqueza
contida na Sagrada Escritura que é Palavra de Deus».[243] Trata-se de uma
disposição antiga da Igreja que se deve manter.[244] Face a alguns abusos, já o
Papa João Paulo II lembrara a importância de nunca se substituir a Sagrada
Escritura por outras leituras.[245] Recorde-se que também o Salmo Responsorial
é Palavra de Deus, pela qual respondemos à voz do Senhor e por isso não deve
ser substituído por outros textos; entretanto é muito oportuno poder
proclamá-lo de forma cantada.
f) Canto
litúrgico biblicamente inspirado
70.
No âmbito da valorização da Palavra de Deus durante a celebração litúrgica,
tenha-se presente também o canto nos momentos previstos pelo próprio rito,
favorecendo o canto de clara inspiração bíblica capaz de exprimir a beleza da
Palavra divina por meio de um harmonioso acordo entre as palavras e a música.
Neste sentido, é bom valorizar aqueles cânticos que a tradição da Igreja nos
legou e que respeitam este critério; penso particularmente na importância do
canto gregoriano.[246]
g) Particular
atenção aos cegos e aos surdos
71.
Neste contexto, queria também recordar que o Sínodo recomendou uma atenção
particular àqueles que, por causa da própria condição, sentem dificuldade em
participar activamente na liturgia, como por exemplo os cegos e os surdos. Na
medida do possível, encorajo as comunidades cristãs a providenciarem
instrumentos adequados para ir ao encontro da dificuldade que padecem estes
irmãos e irmãs, para que lhes seja possível também estabelecer um contacto vivo
com a Palavra do Senhor.[247]
A
palavra de Deus na vida eclesial
Encontrar
a Palavra de Deus na Sagrada Escritura
72.
Se é verdade que a liturgia constitui o lugar privilegiado para a proclamação,
escuta e celebração da Palavra de Deus, é igualmente verdade que este encontro
deve ser preparado nos corações dos fiéis e sobretudo por eles aprofundado e
assimilado. De facto, a vida cristã caracteriza-se essencialmente pelo encontro
com Jesus Cristo que nos chama a segui-Lo. Por isso, o Sínodo dos Bispos
afirmou várias vezes a importância da pastoral nas comunidades cristãs como
âmbito apropriado onde percorrer um itinerário pessoal e comunitário relativo à
Palavra de Deus, de modo que esta esteja verdadeiramente no fundamento da vida
espiritual. Juntamente com os Padres sinodais, expresso o vivo desejo de que
floresça «uma nova estação de maior amor pela Sagrada Escritura da parte de
todos os membros do Povo de Deus, de modo que, a partir da sua leitura orante e
fiel no tempo, se aprofunde a ligação com a própria pessoa de Jesus».[248]
Na
história da Igreja, não faltam recomendações dos Santos sobre a necessidade de
conhecer a Escritura para crescer no amor de Cristo. Trata-se de um dado
particularmente evidente nos Padres da Igreja. São Jerónimo, grande «enamorado»
da Palavra de Deus, interrogava-se: «Como seria possível viver sem o conhecimento
das Escrituras, se é por elas que se aprende a conhecer o próprio Cristo, que é
a vida dos crentes?».[249] Estava bem ciente de que a Bíblia é o instrumento
«pelo qual diariamente Deus fala aos crentes».[250] Eis os conselhos que ele
dava a Leta, uma matrona romana, para a educação da filha: «Assegura-te de que
ela estude diariamente alguma passagem da Escritura. (…) À oração faça seguir a
leitura, e à leitura a oração. (…) Que em vez das jóias e dos vestidos de seda,
ame os Livros divinos».[251] Permanece válido para nós aquilo que São Jerónimo
escrevia ao sacerdote Nepociano: «Lê com muita frequência as Escrituras
divinas; mais ainda, que as tuas mãos nunca abandonem o Livro sagrado. Aprende
nele o que deves ensinar».[252] Seguindo o exemplo deste grande Santo que
dedicou a sua vida ao estudo da Bíblia, tendo dado à Igreja a tradução latina
chamada Vulgata, e de todos os Santos que colocaram no centro da sua vida
espiritual o encontro com Cristo, renovemos o nosso compromisso de aprofundar a
Palavra que Deus deu à Igreja; poderemos assim tender para aquela «medida alta
da vida cristã ordinária»,[253] desejada pelo Papa João Paulo II no início do
terceiro milénio cristão, que se alimenta constantemente na escuta da Palavra
de Deus.
73.
A animação bíblica da pastoral
Nesta
linha, o Sínodo convidou a um esforço pastoral particular para que a Palavra de
Deus apareça em lugar central na vida da Igreja, recomendando que «se
incremente a “pastoral bíblica”, não em justaposição com outras formas da
pastoral mas como animação bíblica da pastoral inteira».[254] Não se trata
simplesmente de acrescentar qualquer encontro na paróquia ou na diocese, mas de
verificar que, nas actividades habituais das comunidades cristãs, nas
paróquias, nas associações e nos movimentos, se tenha realmente a peito o
encontro pessoal com Cristo que Se comunica a nós na sua Palavra. Dado que «a
ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo»,[255] então podemos esperar
que a animação bíblica de toda a pastoral ordinária e extraordinária levará a
um maior conhecimento da Pessoa de Cristo, Revelador do Pai e plenitude da
Revelação divina.
Por
isso exorto os pastores e os fiéis a terem em conta a importância desta
animação: será o modo melhor também de enfrentar alguns problemas pastorais
referidos durante a assembleia sinodal, ligados por exemplo à proliferação de
seitas, que difundem uma leitura deformada e instrumentalizada da Sagrada
Escritura. Quando não se formam os fiéis num conhecimento da Bíblia conforme à fé
da Igreja no sulco da sua Tradição viva, deixa-se efectivamente um vazio
pastoral, onde realidades como as seitas podem encontrar fácil terreno para
lançar raízes. Por isso é necessário prover também a uma preparação adequada
dos sacerdotes e dos leigos, para poderem instruir o Povo de Deus na genuína
abordagem das Escrituras.
Além
disso, como foi sublinhado durante os trabalhos sinodais, é bom que, na
actividade pastoral, se favoreça também a difusão de pequenas comunidades,
«formadas por famílias ou radicadas nas paróquias ou ainda ligadas aos diversos
movimentos eclesiais e novas comunidades»,[256] nas quais se promova a
formação, a oração e o conhecimento da Bíblia segundo a fé da Igreja.
Dimensão
bíblica da catequese
74.
Um momento importante da animação pastoral da Igreja, onde se pode
sapientemente descobrir a centralidade da Palavra de Deus, é a catequese, que,
nas suas diversas formas e fases, sempre deve acompanhar o Povo de Deus. O
encontro dos discípulos de Emaús com Jesus, descrito pelo evangelista Lucas
(cf. L c 24, 13-35), representa em certo sentido o modelo de uma catequese em
cujo centro está a «explicação das Escrituras», que somente Cristo é capaz de
dar (cf. L c 24, 27-28), mostrando o seu cumprimento em Si mesmo.[257] Assim,
renasce a esperança, mais forte do que qualquer revés, que faz daqueles
discípulos testemunhas convictas e credíveis do Ressuscitado.
No
Directório Geral da Catequese, encontramos válidas indicações para animar
biblicamente a catequese e, para elas, de bom grado remeto.[258] Neste momento,
desejo principalmente sublinhar que a catequese «tem de ser impregnada e
embebida de pensamento, espírito e atitudes bíblicas e evangélicas, mediante um
contacto assíduo com os próprios textos sagrados; e recordar que a catequese
será tanto mais rica e eficaz quanto mais ler os textos com a inteligência e o
coração da Igreja»[259] e quanto mais se inspirar na reflexão e na vida
bimilenária da mesma Igreja. Por isso, deve-se encorajar o conhecimento das
figuras, acontecimentos e expressões fundamentais do texto sagrado; com tal
finalidade, pode ser útil a memorização inteligente de algumas passagens
bíblicas particularmente expressivas dos mistérios cristãos. A actividade
catequética implica sempre abeirar-se das Escrituras na fé e na Tradição da
Igreja, de modo que aquelas palavras sejam sentidas vivas, como Cristo está
vivo hoje onde duas ou três pessoas se reúnem em seu nome (cf. Mt 18, 20). A
catequese deve comunicar com vitalidade a história da salvação e os conteúdos
da fé da Igreja, para que cada fiel reconheça que a sua vida pessoal pertence
também àquela história.
Nesta
perspectiva, é importante sublinhar a relação entre a Sagrada Escritura e o
Catecismo da Igreja Católica, como afirma o Directório Geral da Catequese: «A
Sagrada Escritura, como “Palavra de Deus escrita sob a inspiração do Espírito
Santo”, e o Catecismo da Igreja Católica, enquanto importante expressão actual
da Tradição viva da Igreja e norma segura para o ensino da fé, são chamados a
fecundar a catequese na Igreja contemporânea, cada um segundo o seu próprio
modo e a sua autoridade específica».[260]
Formação
bíblica dos cristãos
75.
Para se alcançar o objectivo desejado pelo Sínodo de conferir maior carácter
bíblico a toda a pastoral da Igreja, é necessário que exista uma adequada
formação dos cristãos e, em particular, dos catequistas. A este propósito, é
preciso prestar atenção ao apostolado bíblico, método muito válido para se
atingir tal finalidade, como demonstra a experiência eclesial. Além disso, os Padres
sinodais recomendaram que se estabeleçam, possivelmente através da valorização
de estruturas académicas já existentes, centros de formação para leigos e
missionários, nos quais se aprenda a compreender, viver e anunciar a Palavra de
Deus e, onde houver necessidade, constituam-se Institutos especializados em
estudos bíblicos a fim de dotarem os exegetas de uma sólida compreensão
teológica e uma adequada sensibilidade para os ambientes da sua missão.[261]
76.
A Sagrada Escritura nos grandes encontros eclesiais
Entre
as múltiplas iniciativas que podem ser tomadas, o Sínodo sugere que nos
encontros, tanto a nível diocesano como nacional ou internacional, se ponha em
maior evidência a importância da Palavra de Deus, da sua escuta e da leitura
crente e orante da Bíblia. Por isso, no âmbito dos Congressos Eucarísticos,
nacionais e internacionais, das Jornadas Mundiais da Juventude e de outros
encontros poder-se-á louvavelmente reservar maior espaço para celebrações da
Palavra e para momentos de formação de carácter bíblico.[262]
Palavra
de Deus e vocações
77.
O Sínodo, quando sublinhou a exigência intrínseca que tem a fé de aprofundar a
relação com Cristo, Palavra de Deus entre nós, quis também evidenciar que esta
Palavra chama cada um em termos pessoais, revelando assim que a própria vida é
vocação em relação a Deus. Isto significa que quanto mais aprofundarmos a nossa
relação pessoal com o Senhor Jesus, tanto mais nos damos conta de que Ele nos
chama à santidade, através de opções definitivas, pelas quais a nossa vida
responde ao seu amor, assumindo funções e ministérios para edificar a Igreja. É
neste horizonte que se entendem os convites feitos pelo Sínodo a todos os
cristãos para aprofundarem a relação com a Palavra de Deus, não só como
baptizados mas também enquanto chamados a viver segundo os diversos estados de
vida. Aqui tocamos um dos pontos fundamentais da doutrina do Concílio Vaticano
II, que sublinhou a vocação à santidade de todo o fiel, cada um no seu próprio
estado de vida.[263] Na Sagrada Escritura, encontramos revelada a nossa vocação
à santidade: «Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo» (cf. Lv
11, 44; 19, 2; 20, 7). Depois São Paulo põe em evidência a sua raiz
cristológica: o Pai, em Cristo, «escolheu-nos, antes da constituição do mundo,
para sermos santos e imaculados diante dos seus olhos» (Ef 1, 4). Deste modo
podemos tomar como dirigida a cada um de nós a saudação dele aos irmãos e irmãs
da comunidade de Roma: «A todos os amados de Deus (…), chamados à santidade:
Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus
Cristo» (Rm 1, 7).
a) Palavra
de Deus e Ministros Ordenados
78.
Dirigindo-me em primeiro lugar aos Ministros Ordenados da Igreja, recordo-lhes
o que afirmou o Sínodo: «A Palavra de Deus é indispensável para formar o
coração de um bom pastor, ministro da Palavra».[264] Bispos, presbíteros e
diáconos não podem de forma alguma pensar viver a sua vocação e missão sem um
decidido e renovado compromisso de santificação, que tem um dos seus pilares no
contacto com a Bíblia.
79.
Àqueles que foram chamados ao episcopado e que são os anunciadores primeiros e
com maior autoridade da Palavra, desejo reafirmar o que o Papa João Paulo II
deixou escrito na Exortação apostólica pós-sinodal Pastores gregis: Para nutrir
e fazer crescer a vida espiritual, o Bispo deve colocar sempre em «primeiro
lugar a leitura e a meditação da Palavra de Deus. Cada Bispo deverá sempre
confiar-se e sentir-se confiado “a Deus e à palavra da sua graça que tem o
poder de construir o edifício e de conceder parte na herança com todos os
santificados” (Act 20, 32). Por isso, antes de ser transmissor da Palavra, o
Bispo, como os seus sacerdotes e como qualquer fiel – mais ainda, como a
própria Igreja – deve ser ouvinte da Palavra. Deve de certo modo estar “dentro”
da Palavra, para deixar-se guardar e nutrir dela como de um ventre
materno».[265] À imitação de Maria, Virgo audiens e Rainha dos Apóstolos,
recomendo a todos os irmãos no episcopado a leitura pessoal frequente e o
estudo assíduo da Sagrada Escritura.
80.
Quanto aos sacerdotes, quero apontar-lhes as palavras do Papa João Paulo II,
quando, na Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, recordou que,
«antes de mais, o sacerdote é ministro da Palavra de Deus, é consagrado e
enviado a anunciar a todos o Evangelho do Reino, chamando cada homem à
obediência da fé e conduzindo os crentes a um conhecimento e comunhão sempre
mais profundos do mistério de Deus, revelado e comunicado a nós em Cristo. Por
isso, o próprio sacerdote deve ser o primeiro a desenvolver uma grande
familiaridade pessoal com a Palavra de Deus: não basta conhecer o aspecto linguístico
ou exegético, sem dúvida necessário; é preciso abeirar-se da Palavra com
coração dócil e orante, a fim de que ela penetre a fundo nos seus pensamentos e
sentimentos e gere nele uma nova mentalidade – “o pensamento de Cristo” (1 Cor
2, 16)».[266] E consequentemente as suas palavras, as suas opções e atitudes
devem ser cada vez mais uma transparência, um anúncio e um testemunho do
Evangelho; «só “permanecendo” na Palavra, é que o presbítero se tornará
perfeito discípulo do Senhor, conhecerá a verdade e será realmente livre».[267]
Em
suma, a vocação ao sacerdócio requer que sejam consagrados «na verdade». O
próprio Jesus formula esta exigência referindo-se aos seus discípulos:
«Consagra-os na verdade. A tua palavra é a verdade. Assim como Tu Me enviaste ao
mundo, também Eu os envio ao mundo» (Jo 17, 17-18). Os discípulos, de certo
modo, «são atraídos para a intimidade de Deus por meio da sua imersão na
Palavra divina. Esta é, por assim dizer, o banho que os purifica, o poder
criador que os transforma no ser de Deus».[268] E visto que o próprio Cristo é
a Palavra de Deus feita carne (cf. Jo 1, 14), é «a Verdade» (Jo 14, 6), então a
oração de Jesus ao Pai «consagra-os na verdade» quer dizer fundamentalmente:
«Torna-os um só comigo. Une-os a Mim. Atrai-os para dentro de Mim. E de facto,
em última análise, há apenas um único sacerdote da Nova Aliança: o próprio
Jesus Cristo».[269] É necessário, pois, que os sacerdotes renovem sempre mais
profundamente em si a consciência desta realidade.
81.
Quero referir-me também ao lugar da Palavra de Deus na vida daqueles que são
chamados ao diaconado, não só como grau prévio da Ordem do Presbiterado, mas
também enquanto serviço permanente. O Directório para o diaconado permanente
afirma que «da identidade teológica do diácono derivam com clareza os traços da
sua espiritualidade específica, que se apresenta essencialmente como
espiritualidade de serviço. O modelo por excelência é Cristo servo, que viveu
totalmente ao serviço de Deus, para o bem dos homens».[270] Nesta perspectiva,
compreende-se como, nas várias dimensões do ministério diaconal, um «elemento
caracterizador da espiritualidade diaconal seja a Palavra de Deus, que o
diácono é chamado a anunciar com autoridade, acreditando naquilo que proclama,
ensinando aquilo que acredita, vivendo aquilo que ensina».[271] Por isso
recomendo aos diáconos que incrementem uma leitura crente da Sagrada Escritura
na própria vida com o estudo e a oração. Sejam iniciados na Sagrada Escritura e
na sua recta interpretação, na mútua relação entre a Escritura e a Tradição, e
particularmente na utilização da Escritura na pregação, na catequese e na
actividade pastoral em geral.[272]
b) Palavra
de Deus e candidatos às Ordens Sacras
82.
O Sínodo deu particular atenção ao papel decisivo da Palavra de Deus na vida
espiritual dos candidatos ao sacerdócio ministerial: «Os candidatos ao
sacerdócio devem aprender a amar a Palavra de Deus. Por isso, seja a Escritura
a alma da sua formação teológica, evidenciando a circularidade indispensável
entre exegese, teologia, espiritualidade e missão».[273] Os aspirantes ao
sacerdócio ministerial são chamados a uma profunda relação pessoal com a
Palavra de Deus, particularmente na lectio divina, porque é de tal relação que
se alimenta a sua vocação: é com a luz e a força da Palavra de Deus que pode
ser descoberta, compreendida, amada e seguida a respectiva vocação e levada a
cabo a própria missão, alimentando no coração os pensamentos de Deus, de modo
que a fé, como resposta à Palavra, se torne o novo critério de juízo e
avaliação dos homens e das coisas, dos acontecimentos e dos problemas.[274]
Esta
atenção à leitura orante da Escritura não deve, de modo algum, alimentar uma
dicotomia com o estudo exegético que se requer durante o tempo da formação. O
Sínodo recomendou que os seminaristas sejam concretamente ajudados a ver a
relação entre o estudo bíblico e a oração com a Escritura. O estudo das
Escrituras deve torná-los mais conscientes do mistério da revelação divina e
alimentar uma atitude de resposta orante ao Senhor que fala. Por sua vez, uma
vida autêntica de oração não poderá deixar de fazer crescer, na alma do
candidato, o desejo de conhecer cada vez mais a Deus que Se revelou na sua
Palavra como amor infinito. Por isso, dever-se-á procurar com o máximo cuidado
que, na vida dos seminaristas, se cultive esta reciprocidade entre estudo e
oração. Para tal objectivo, é útil que os candidatos sejam iniciados no estudo
da Sagrada Escritura segundo métodos que favoreçam esta abordagem integral.
c) Palavra
de Deus e vida consagrada
83.
Relativamente à vida consagrada, o Sínodo lembrou em primeiro lugar que esta
«nasce da escuta da Palavra de Deus e acolhe o Evangelho como sua norma de
vida».[275] Deste modo, viver no seguimento de Cristo casto, pobre e obediente é
uma «“exegese” viva da Palavra de Deus».[276] O Espírito Santo, por cuja
virtude foi escrita a Bíblia, é o mesmo que ilumina «a Palavra de Deus, com
nova luz, para os fundadores e fundadoras. Dela brotou cada um dos carismas e
dela cada regra quer ser expressão»,[277] dando origem a itinerários de vida
cristã marcados pela radicalidade evangélica.
Desejo
lembrar que a grande tradição monástica sempre teve como factor constitutivo da
própria espiritualidade a meditação da Sagrada Escritura, particularmente na
forma da lectio divina. De igual modo, hoje, as realidades antigas e novas de
especial consagração são chamadas a ser verdadeiras escolas de vida espiritual
onde se há-de ler as Escrituras segundo o Espírito Santo na Igreja, de modo que
todo o Povo de Deus disso mesmo possa beneficiar. Por isso, o Sínodo recomenda
que nunca falte nas comunidades de vida consagrada uma sólida formação para a
leitura crente da Bíblia.[278]
Desejo
fazer-me eco da solicitude e gratidão que o Sínodo exprimiu pelas formas de
vida contemplativa, que, pelo seu carisma específico, dedicam boa parte das
suas jornadas a imitar a Mãe de Deus que meditava assiduamente as palavras e os
factos do seu Filho (cf. L c 2, 19.51) e Maria de Betânia que, sentada aos pés
do Senhor, escutava a sua palavra (cf. L c 10, 38). Penso de modo particular
nos monges e monjas de clausura que, sob a forma de separação do mundo, se
encontram mais intimamente unidos a Cristo, coração do mundo. A Igreja tem
extrema necessidade do testemunho de quem se compromete a «nada antepor ao amor
de Cristo».[279] Com frequência, o mundo actual vive demasiadamente absorvido
pelas actividades exteriores, onde corre o risco de se perder. As mulheres e os
homens contemplativos, com a sua vida de oração, de escuta e meditação da
Palavra de Deus lembram-nos que não só de pão vive o homem, mas de toda a
palavra que sai da boca de Deus (cf. Mt 4, 4). Por isso, todos os fiéis tenham
bem presente que uma tal forma de vida «indica ao mundo de hoje o que é mais
importante e, no fim de contas, a única coisa decisiva: existe uma razão última
pela qual vale a pena viver, isto é, Deus e o seu amor imperscrutável».[280]
d) Palavra
de Deus e fiéis leigos
84.
O Sínodo concentrou muitas vezes a sua atenção nos fiéis leigos, agradecendo-lhes
o generoso empenho com que difundem o Evangelho nos vários âmbitos da vida
diária: no trabalho, na escola, na família e na educação.[281] Tal obrigação,
que deriva do baptismo, deve poder desenrolar-se através de uma vida cristã
cada vez mais consciente e capaz de dar «razão da esperança» que vive em nós
(cf. 1 Pd 3, 15). Jesus, no Evangelho de Mateus, indica que «o campo é o mundo,
a boa semente são os filhos do Reino» (13, 38). Estas palavras aplicam-se de
modo particular aos leigos cristãos, que realizam a própria vocação à santidade
com uma vida segundo o Espírito que se exprime «de forma peculiar na sua
inserção nas realidades temporais e na sua participação nas actividades
terrenas».[282] Precisam de ser formados a discernir a vontade de Deus por meio
de uma familiaridade com a Palavra de Deus, lida e estudada na Igreja, sob a
guia dos legítimos Pastores. Possam eles beber esta formação nas escolas das
grandes espiritualidades eclesiais, em cuja raiz está sempre a Sagrada
Escritura. As próprias dioceses, na medida das suas possibilidades,
proporcionem oportunidades de uma tal formação aos leigos com particulares
responsabilidades eclesiais.[283]
e) Palavra
de Deus, matrimónio e família
85.
O Sínodo sentiu necessidade de sublinhar também a relação entre Palavra de
Deus, matrimónio e família cristã. Com efeito, «com o anúncio da Palavra de
Deus, a Igreja revela à família cristã a sua verdadeira identidade, o que ela é
e deve ser segundo o desígnio do Senhor».[284] Por isso, nunca se perca de
vista que a Palavra de Deus está na origem do matrimónio (cf. Gn 2, 24) e que o
próprio Jesus quis incluir o matrimónio entre as instituições do seu Reino (cf.
Mt 19, 4-8), elevando a sacramento o que originalmente estava inscrito na
natureza humana. «Na celebração sacramental, o homem e a mulher pronunciam uma
palavra profética de doação recíproca: ser “uma só carne”, sinal do mistério da
união de Cristo e da Igreja (cf. Ef 5, 31-32)».[285] A fidelidade à Palavra de
Deus leva também a evidenciar que hoje esta instituição encontra-se, em muitos
aspectos, sujeita a ataques pela mentalidade corrente. Perante a difundida
desordem dos sentimentos e o despontar de modos de pensar que banalizam o corpo
humano e a diferença sexual, a Palavra de Deus reafirma a bondade originária do
ser humano, criado como homem e mulher e chamado ao amor fiel, recíproco e
fecundo.
Do
grande mistério nupcial deriva uma imprescindível responsabilidade dos pais em
relação aos seus filhos. De facto, pertence à autêntica paternidade e
maternidade a comunicação e o testemunho do sentido da vida em Cristo: através
da fidelidade e unidade da vida familiar, os esposos são, para os seus filhos,
os primeiros anunciadores da Palavra de Deus. A comunidade eclesial deve
sustentá-los e ajudá-los a desenvolverem a oração em família, a escuta da
Palavra, o conhecimento da Bíblia. Por isso, o Sínodo deseja que cada casa
tenha a sua Bíblia e a conserve em lugar digno para poder lê-la e utilizá-la na
oração. A ajuda necessária pode ser fornecida por sacerdotes, diáconos e leigos
bem preparados. O Sínodo recomendou também a formação de pequenas comunidades
entre famílias, onde se cultive a oração e a meditação em comum de trechos
apropriados da Sagrada Escritura.[286] Os esposos lembrem-se de que «a Palavra
de Deus é um amparo precioso inclusive nas dificuldades da vida conjugal e
familiar».[287]
Neste
contexto, quero evidenciar as recomendações do Sínodo quanto à função das
mulheres relativamente à Palavra de Deus. A contribuição do «génio feminino» –
assim lhe chamava o Papa João Paulo II[288] – para o conhecimento da Escritura
e para a vida inteira da Igreja é hoje maior do que no passado e tem a ver com
o campo dos próprios estudos bíblicos. De modo especial, o Sínodo deteve-se
sobre o papel indispensável das mulheres na família, na educação, na catequese
e na transmissão dos valores. Com efeito, elas «sabem suscitar a escuta da
Palavra, a relação pessoal com Deus e comunicar o sentido do perdão e da
partilha evangélica»,[289] como também ser portadoras de amor, mestras de
misericórdia e construtoras de paz, comunicadoras de calor e humanidade num
mundo que demasiadas vezes se limita a avaliar as pessoas com os critérios
frios da exploração e do lucro.
Leitura
orante da Sagrada Escritura e «lectio divina»
86.
O Sínodo insistiu repetidamente sobre a exigência de uma abordagem orante do
texto sagrado como elemento fundamental da vida espiritual de todo o fiel, nos
diversos ministérios e estados de vida, com particular referência à lectio
divina.[290] Com efeito, a Palavra de Deus está na base de toda a
espiritualidade cristã autêntica. Esta posição dos Padres sinodais está em
sintonia com o que diz a Constituição dogmática Dei Verbum: Todos os fiéis «debrucem-se,
pois, gostosamente sobre o texto sagrado, quer através da sagrada Liturgia,
rica de palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios
que se vão espalhando tão louvavelmente por toda a parte, com a aprovação e
estímulo dos pastores da Igreja. Lembrem-se, porém, que a leitura da Sagrada
Escritura deve ser acompanhada de oração».[291] A reflexão conciliar pretendia
retomar a grande tradição patrística que sempre recomendou abeirar-se da
Escritura em diálogo com Deus. Como diz Santo Agostinho: «A tua oração é a tua
palavra dirigida a Deus. Quando lês, é Deus que te fala; quando rezas, és tu
que falas a Deus».[292] Orígenes, um dos mestres nesta leitura da Bíblia,
defende que a inteligência das Escrituras exige, ainda mais do que o estudo, a
intimidade com Cristo e a oração; realmente é sua convicção que o caminho
privilegiado para conhecer Deus é o amor e de que não existe uma autêntica
scientia Christi sem enamorar-se d’Ele. Na Carta a Gregório, o grande teólogo
alexandrino recomenda: «Dedica-te à lectio das divinas Escrituras; aplica-te a
isto com perseverança. Empenha-te na lectio com a intenção de crer e agradar a
Deus. Se durante a lectio te encontras diante de uma porta fechada, bate e
ser-te-á aberta por aquele guardião de que falou Jesus: “O guardião
abrir-lha-á”. Aplicando-te assim à lectio divina, procura com lealdade e
inabalável confiança em Deus o sentido das Escrituras divinas, que nelas
amplamente se encerra. Mas não deves contentar-te com bater e procurar; para
compreender as coisas de Deus, tens necessidade absoluta da oratio.
Precisamente para nos exortar a ela é que o Salvador não se limitou a dizer:
“procurai e encontrareis” e “batei e ser-vos-á aberto”, mas acrescentou: “pedi
e recebereis”».[293]
A
este propósito, porém, deve-se evitar o risco de uma abordagem individualista,
tendo presente que a Palavra de Deus nos é dada precisamente para construir
comunhão, para nos unir na Verdade no nosso caminho para Deus. Sendo uma
Palavra que se dirige a cada um pessoalmente, é também uma Palavra que constrói
comunidade, que constrói a Igreja. Por isso, o texto sagrado deve-se abordar
sempre na comunhão eclesial. Com efeito, «é muito importante a leitura
comunitária, porque o sujeito vivo da Sagrada Escritura é o Povo de Deus, é a
Igreja. (…) A Escritura não pertence ao passado, porque o seu sujeito, o Povo
de Deus inspirado pelo próprio Deus, é sempre o mesmo e, portanto, a Palavra
está sempre viva no sujeito vivo. Então é importante ler a Sagrada Escritura e
ouvi-la na comunhão da Igreja, isto é, com todas as grandes testemunhas desta
Palavra, a começar dos primeiros Padres até aos Santos de hoje e ao Magistério
actual».[294]
Por
isso, na leitura orante da Sagrada Escritura, o lugar privilegiado é a
Liturgia, particularmente a Eucaristia, na qual, ao celebrar o Corpo e o Sangue
de Cristo no Sacramento, se actualiza no meio de nós a própria Palavra. Em
certo sentido, a leitura orante pessoal e comunitária deve ser vivida sempre em
relação com a celebração eucarística. Assim como a adoração eucarística
prepara, acompanha e prolonga a liturgia eucarística,[295] assim também a
leitura orante pessoal e comunitária prepara, acompanha e aprofunda o que a
Igreja celebra com a proclamação da Palavra no âmbito litúrgico. Colocando em relação
tão estreita lectio e liturgia, podem-se identificar melhor os critérios que
devem guiar esta leitura no contexto da pastoral e da vida espiritual do Povo
de Deus.
87.
Nos documentos que prepararam e acompanharam o Sínodo, falou-se dos vários métodos
para se abeirar, com fruto e na fé, das Sagradas Escrituras. Todavia prestou-se
maior atenção à lectio divina, que «é verdadeiramente capaz não só de desvendar
ao fiel o tesouro da Palavra de Deus, mas também de criar o encontro com
Cristo, Palavra divina viva».[296] Quero aqui lembrar, brevemente, os seus
passos fundamentais: começa com a leitura (lectio) do texto, que suscita a
interrogação sobre um autêntico conhecimento do seu conteúdo: o que diz o texto
bíblico em si? Sem este momento, corre-se o risco que o texto se torne somente
um pretexto para nunca ultrapassar os nossos pensamentos. Segue-se depois a
meditação (meditatio), durante a qual nos perguntamos: que nos diz o texto
bíblico? Aqui cada um, pessoalmente mas também como realidade comunitária, deve
deixar-se sensibilizar e pôr em questão, porque não se trata de considerar
palavras pronunciadas no passado, mas no presente. Sucessivamente chega-se ao
momento da oração (oratio), que supõe a pergunta: que dizemos ao Senhor, em
resposta à sua Palavra? A oração enquanto pedido, intercessão, acção de graças
e louvor é o primeiro modo como a Palavra nos transforma. Finalmente, a lectio
divina conclui-se com a contemplação (contemplatio), durante a qual assumimos
como dom de Deus o seu próprio olhar, ao julgar a realidade, e interrogamo-nos:
qual é a conversão da mente, do coração e da vida que o Senhor nos pede? São
Paulo, na Carta aos Romanos, afirma: «Não vos conformeis com este século, mas
transformai-vos pela renovação da vossa mente, a fim de conhecerdes a vontade
de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável e o que é perfeito» (12, 2). De
facto, a contemplação tende a criar em nós uma visão sapiencial da realidade
segundo Deus e a formar em nós «o pensamento de Cristo» (1 Cor 2, 16). Aqui a
Palavra de Deus aparece como critério de discernimento: ela é «viva, eficaz e
mais penetrante que uma espada de dois gumes; penetra até dividir a alma e o
corpo, as junturas e as medulas e discerne os pensamentos e intenções do
coração» (Hb 4, 12). Há que recordar ainda que a lectio divina não está
concluída, na sua dinâmica, enquanto não chegar à acção (actio), que impele a
existência do fiel a doar-se aos outros na caridade.
Estes
passos encontramo-los sintetizados e resumidos, de forma sublime, na figura da
Mãe de Deus. Modelo para todo o fiel de acolhimento dócil da Palavra divina,
Ela «conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (L c 2, 19;
cf. 2, 51), e sabia encontrar o nexo profundo que une os acontecimentos, os
actos e as realidades, aparentemente desconexos, no grande desígnio
divino.[297]
Além
disso, quero lembrar a recomendação feita durante o Sínodo relativa à
importância da leitura pessoal da Escritura como prática que prevê a
possibilidade também de obter, segundo as disposições habituais da Igreja, a
indulgência para si próprio ou para os defuntos.[298] A prática da
indulgência[299] implica a doutrina dos méritos infinitos de Cristo – que a
Igreja, como ministra da redenção, concede e aplica –, mas supõe também a
doutrina da Comunhão dos Santos, que nos mostra «como é íntima a nossa união em
Cristo e quanto a vida sobrenatural de cada um pode auxiliar os outros».[300]
Nesta perspectiva, a leitura da Palavra de Deus apoia-nos no caminho de
penitência e conversão, permite-nos aprofundar o sentido de pertença eclesial e
conserva-nos numa familiaridade mais profunda com Deus. Como afirmava Santo
Ambrósio, quando tomamos nas mãos, com fé, as Sagradas Escrituras e as lemos
com a Igreja, a pessoa humana volta a passear com Deus no paraíso.[301]
Palavra
de Deus e oração mariana
88.
Pensando na relação indivisível entre a Palavra de Deus e Maria de Nazaré,
convido, juntamente com os Padres sinodais, a promover entre os fiéis,
sobretudo na vida familiar, as orações marianas que constituem uma ajuda para
meditar os santos mistérios narrados pela Sagrada Escritura. Um meio muito útil
é, por exemplo, a recitação pessoal ou comunitária do Rosário,[302] que
repercorre juntamente com Maria os mistérios da vida de Cristo[303] e que o
Papa João Paulo II quis enriquecer com os mistérios de luz.[304] É conveniente
que o anúncio dos diversos mistérios seja acompanhado por breves trechos da
Bíblia sobre o mistério enunciado, para assim favorecer a memorização de
algumas expressões significativas da Escritura relativas aos mistérios da vida
de Cristo.
Além
disso, o Sínodo recomendou que se promova entre os fiéis a recitação da oração
do Angelus Domini. Trata-se de uma oração simples e profunda que nos permite
«recordar diariamente o Verbo Encarnado».[305] É oportuno que o Povo de Deus,
as famílias e as comunidades de pessoas consagradas sejam fiéis a esta oração
mariana, que a tradição nos convida a rezar ao alvorecer, ao meio-dia e ao
entardecer. Na oração do Angelus Domini, pedimos a Deus que, pela intercessão
de Maria, nos seja concedido também cumprir a vontade de Deus como Ela e
acolher em nós a sua Palavra. Esta prática pode ajudar-nos a intensificar um
amor autêntico ao mistério da Encarnação.
Merecem
ser conhecidas, apreciadas e difundidas também algumas antigas orações do
Oriente cristão que, através de uma referência à Theotokos, à Mãe de Deus,
percorrem toda a história da salvação. Referimo-nos particularmente ao
Akathistos e à Paraklesis. São hinos de louvor cantados em forma de litania,
impregnados de fé eclesial e de alusões bíblicas, que ajudam os fiéis a meditar
juntamente com Maria os mistérios de Cristo. De modo especial, o venerável hino
à Mãe de Deus denominado Akathistos – quer dizer: cantado permanecendo de pé –,
representa uma das mais altas expressões de piedade mariana da tradição
bizantina.[306] Rezar com estas palavras dilata a alma e dispõe-na para a paz
que vem do Alto, de Deus – a paz que é o próprio Cristo, nascido de Maria para
a nossa salvação.
Palavra
de Deus e Terra Santa
89.
Recordando o Verbo de Deus que Se faz carne no seio de Maria de Nazaré, o nosso
coração volta-se agora para aquela Terra onde se cumpriu o mistério da nossa
redenção e donde a Palavra de Deus se difundiu até aos confins do mundo. De
facto, por obra do Espírito Santo, o Verbo encarnou num momento concreto e num
lugar determinado, numa orla de terra situada nos confins do Império Romano.
Por isso, quanto mais contemplamos a universalidade e a unicidade da pessoa de
Cristo, tanto mais olhamos agradecidos para aquela Terra onde Jesus nasceu,
viveu e Se entregou a Si mesmo por todos nós. As pedras sobre as quais caminhou
o nosso Redentor permanecem para nós carregadas de recordações e continuam a
«gritar» a Boa Nova. Por isso, os Padres sinodais lembraram a expressão feliz
dada à Terra Santa: «o quinto Evangelho».[307] Como é importante a existência
de comunidades cristãs naqueles lugares, apesar das inúmeras dificuldades! O
Sínodo dos Bispos exprime profunda solidariedade a todos os cristãos que vivem
na Terra de Jesus, dando testemunho da fé no Ressuscitado. Lá os cristãos são
chamados a servir como «um farol de fé para a Igreja universal e também como
fermento de harmonia, sabedoria e equilíbrio na vida duma sociedade que
tradicionalmente foi e continua a ser pluralista, multiétnica e
multirreligiosa».[308]
A
Terra Santa continua ainda hoje a ser meta de peregrinação do povo cristão,
vivida como gesto de oração e de penitência, como o era já na antiguidade
segundo o testemunho de autores como São Jerónimo.[309] Quanto mais voltamos o
olhar e o coração para a Jerusalém terrena, tanto mais se inflama em nós o
desejo da Jerusalém celeste, verdadeira meta de toda a peregrinação, e a paixão
de que o nome de Jesus – o único em que se encontra a salvação – seja reconhecido
por todos (cf. Act 4, 12).
III
PARTE
VERBUM
MUNDO
«Ninguém
jamais viu a Deus:
o
Filho único, que está no seio do Pai,
é
que O deu a conhecer» (Jo 1, 18)
A
missão da Igreja:
anunciar
a palavra de Deus ao mundo
A
Palavra que sai do Pai e volta para o Pai
90.
São João sublinha fortemente o paradoxo fundamental da fé cristã. Por um lado,
afirma que «ninguém jamais viu a Deus» (Jo 1, 18; cf. 1 Jo 4, 12): de modo
nenhum podem as nossas imagens, conceitos ou palavras definir ou calcular a
realidade infinita do Altíssimo; permanece o Deus semper maior. Por outro lado,
diz que realmente o Verbo «Se fez carne» (Jo 1, 14). O Filho unigénito, que
está voltado para o seio do Pai, revelou o Deus que «ninguém jamais viu» (Jo 1,
18). Jesus Cristo vem a nós «cheio de graça e de verdade» (Jo 1, 14), que nos
são dadas por meio d’Ele (cf. Jo 1, 17); de facto, «da sua plenitude é que
todos nós recebemos, graça sobre graça» (Jo 1, 16). E assim, no Prólogo, o
evangelista João contempla o Verbo desde o seu estar junto de Deus passando
pelo fazer-Se carne, até ao regresso ao seio do Pai, levando consigo a nossa
própria humanidade que assumiu para sempre. Neste sair do Pai e voltar ao Pai
(cf. Jo 13, 3; 16, 28; 17, 8.10), Ele apresenta-Se-nos como o «Narrador» de Deus
(cf. Jo 1, 18). De facto, o Filho – afirma Santo Ireneu de Lião – «é o
Revelador do Pai».[310] Jesus de Nazaré é, por assim dizer, o «exegeta» de Deus
que «ninguém jamais viu»; «Ele é a imagem do Deus invisível» (Cl 1, 15).
Cumpre-se aqui a profecia de Isaías relativa à eficácia da Palavra do Senhor:
assim como a chuva e a neve descem do céu para regar e fazer germinar a terra,
assim também a Palavra de Deus «não volta sem ter produzido o seu efeito, sem
ter executado a minha vontade e cumprido a sua missão» (Is 55, 10-11). Jesus
Cristo é esta Palavra definitiva e eficaz que saiu do Pai e voltou a Ele,
realizando perfeitamente no mundo a sua vontade.
Anunciar
ao mundo o «Logos» da Esperança
91.
O Verbo de Deus comunicou-nos a vida divina que transfigura a face da terra,
fazendo novas todas as coisas (cf. Ap 21, 5). A sua Palavra envolve-nos não só
como destinatários da revelação divina, mas também como seus arautos. Ele, o
enviado do Pai para cumprir a sua vontade (cf. Jo 5, 36-38; 6, 38-40; 7,
16-18), atrai-nos a Si e envolve-nos na sua vida e missão. Assim o Espírito do
Ressuscitado habilita a nossa vida para o anúncio eficaz da Palavra em todo o
mundo. É a experiência da primeira comunidade cristã, que via difundir-se a
Palavra por meio da pregação e do testemunho (cf. Act 6, 7). Quero citar aqui
particularmente a vida do Apóstolo Paulo, um homem arrebatado completamente
pelo Senhor (cf. Fl 3, 12) – «já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim»
(Gl 2, 20) – e pela sua missão: «Ai de mim se não evangelizar!» (1 Cor 9, 16),
ciente de que em Cristo se revela realmente a salvação de todas as nações, a
libertação da escravidão do pecado para entrar na liberdade dos filhos de Deus.
Com
efeito, o que a Igreja anuncia ao mundo é o Logos da Esperança (cf. 1 Pd 3,
15); o homem precisa da «grande Esperança» para poder viver o seu próprio
presente – a grande esperança que é «aquele Deus que possui um rosto humano e
que nos “amou até ao fim” (Jo 13, 1)».[311] Por isso, na sua essência, a Igreja
é missionária. Não podemos guardar para nós as palavras de vida eterna, que
recebemos no encontro com Jesus Cristo: são para todos, para cada homem. Cada
pessoa do nosso tempo – quer o saiba quer não – tem necessidade deste anúncio.
Oxalá o Senhor suscite entre os homens, como nos tempos do profeta Amós, nova
fome e nova sede das palavras do Senhor (cf. Am 8, 11). A nós cabe a
responsabilidade de transmitir aquilo que por nossa vez tínhamos, por graça,
recebido.
Da
Palavra de Deus deriva a missão da Igreja
92.
O Sínodo dos Bispos reafirmou com veemência a necessidade de revigorar na
Igreja a consciência missionária, presente no Povo de Deus desde a sua origem.
Os primeiros cristãos consideraram o seu anúncio missionário como uma
necessidade derivada da própria natureza da fé: o Deus em quem acreditavam era
o Deus de todos, o Deus único e verdadeiro que Se manifestara na história de
Israel e, por fim, no seu Filho, oferecendo assim a resposta que todos os
homens, no seu íntimo, aguardam. As primeiras comunidades cristãs sentiram que
a sua fé não pertencia a um costume cultural particular, que diverge de povo
para povo, mas ao âmbito da verdade, que diz respeito igualmente a todos os
homens.
Também
aqui São Paulo nos ilustra, com a sua vida, o sentido da missão cristã e a sua
originária universalidade. Pensemos no episódio do Areópago de Atenas, narrado
pelos Actos dos Apóstolos (cf. 17, 16-34). O Apóstolo das Nações entra em
diálogo com homens de culturas diversas, na certeza de que o mistério de Deus,
Conhecido-Desconhecido, do qual todo o homem tem uma certa percepção embora
confusa, revelou-Se realmente na história: «O que venerais sem conhecer, é que
eu vos anuncio» (Act 17, 23). De facto, a novidade do anúncio cristão é a
possibilidade de dizer a todos os povos: «Ele mostrou-Se. Ele em pessoa. E
agora está aberto o caminho para Ele. A novidade do anúncio cristão não
consiste num pensamento mas num facto: Ele revelou-Se».[312]
A
Palavra e o Reino de Deus
93.
Por conseguinte, a missão da Igreja não pode ser considerada como realidade
facultativa ou suplementar da vida eclesial. Trata-se de deixar que o Espírito
Santo nos assimile a Cristo, participando assim na sua própria missão: «Assim
como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós» (Jo 20, 21), de modo a
comunicar a Palavra com a vida inteira. É a própria Palavra que nos impele para
os irmãos: é a Palavra que ilumina, purifica, converte; nós somos apenas
servidores.
Por
isso, é necessário descobrir cada vez mais a urgência e a beleza de anunciar a
Palavra para a vinda do Reino de Deus, que o próprio Cristo pregou. Neste
sentido, renovamos a consciência – tão familiar aos Padres da Igreja – de que o
anúncio da Palavra tem como conteúdo o Reino de Deus (cf. Mc 1, 14-15), sendo
este a própria pessoa de Jesus (o Autobasileia), como sugestivamente lembra
Orígenes.[313] O Senhor oferece a
salvação aos homens de cada época. Todos nos damos conta de quão necessário é que
a luz de Cristo ilumine cada âmbito da humanidade: a família, a escola, a
cultura, o trabalho, o tempo livre e os outros sectores da vida social.[314]
Não se trata de anunciar uma palavra anestesiante, mas desinstaladora, que
chama à conversão, que torna acessível o encontro com Ele, através do qual
floresce uma humanidade nova.
Todos
os baptizados responsáveis do anúncio
94.
Uma vez que todo o Povo de Deus é um povo «enviado», o Sínodo reafirmou que «a
missão de anunciar a Palavra de Deus é dever de todos os discípulos de Jesus
Cristo, em consequência do seu baptismo».[315] Nenhuma pessoa que crê em Cristo
pode sentir-se alheia a esta responsabilidade que deriva do facto de ela
pertencer sacramentalmente ao Corpo de Cristo. Esta consciência deve ser
despertada em cada família, paróquia, comunidade, associação e movimento
eclesial. Portanto toda a Igreja, enquanto mistério de comunhão, é missionária
e cada um, no seu próprio estado de vida, é chamado a dar uma contribuição
incisiva para o anúncio cristão.
Bispos
e sacerdotes, segundo a missão própria de cada um, são os primeiros chamados a
uma vida cativada pelo serviço da Palavra, para anunciar o Evangelho, celebrar
os Sacramentos e formar os fiéis no conhecimento autêntico das Escrituras.
Sintam-se também os diáconos chamados a colaborar, segundo a própria missão,
para este compromisso de evangelização.
A
vida consagrada resplandece, em toda a história da Igreja, pela sua capacidade
de assumir explicitamente o dever do anúncio e da pregação da Palavra de Deus
na missio ad gentes e nas situações mais difíceis, mostrando-se disponível
também para as novas condições de evangelização, empreendendo com coragem e
audácia novos percursos e novos desafios para o anúncio eficaz da Palavra de
Deus.[316]
Os
fiéis leigos são chamados a exercer a sua missão profética, que deriva
directamente do baptismo, e testemunhar o Evangelho na vida diária onde quer
que se encontrem. A este respeito, os Padres sinodais exprimiram «a mais viva
estima e gratidão bem como encorajamento pelo serviço à evangelização que muitos
leigos, e particularmente as mulheres, prestam com generosidade e diligência
nas comunidades espalhadas pelo mundo, a exemplo de Maria de Magdala, primeira
testemunha da alegria pascal».[317] Além disso, o Sínodo reconhece, com
gratidão, que os movimentos eclesiais e as novas comunidades constituem, na
Igreja, uma grande força para a evangelização neste tempo, impelindo a
desenvolver novas formas de anúncio do Evangelho.[318]
A
necessidade da «missio ad gentes»
95.
Ao exortar todos os fiéis para o anúncio da Palavra divina, os Padres sinodais
reafirmaram a necessidade, no nosso tempo também, de um decidido empenho na
missio ad gentes. A Igreja não pode de modo algum limitar-se a uma pastoral de
«manutenção» para aqueles que já conhecem o Evangelho de Cristo. O ardor
missionário é um sinal claro da maturidade de uma comunidade eclesial. Além
disso, os Padres exprimiram vivamente a consciência de que a Palavra de Deus é
a verdade salvífica da qual tem necessidade cada homem em todo o tempo. Por
isso, o anúncio deve ser explícito. A Igreja deve ir ao encontro de todos com a
força do Espírito (cf. 1 Cor 2, 5) e continuar profeticamente a defender o
direito e a liberdade das pessoas escutarem a Palavra de Deus, procurando os
meios mais eficazes para a proclamar, mesmo sob risco de perseguição.[319] A
todos a Igreja se sente devedora de anunciar a Palavra que salva (cf. Rm 1,
14).
Anúncio
e nova evangelização
96.
O Papa João Paulo II, na esteira de quanto já expressara o Papa Paulo VI na
Exortação apostólica Evangelii nuntiandi, tinha de muitos modos lembrado aos
fiéis a necessidade de uma nova estação missionária para todo o Povo de
Deus.[320] Na alvorada do terceiro milénio, não só existem muitos povos que
ainda não conheceram a Boa Nova, mas há também muitos cristãos que têm
necessidade que lhes seja anunciada novamente, de modo persuasivo, a Palavra de
Deus, para poderem assim experimentar concretamente a força do Evangelho. Há
muitos irmãos que são «baptizados mas não suficientemente evangelizados».[321]
É frequente ver nações, outrora ricas de fé e de vocações, que vão perdendo a
própria identidade, sob a influência de uma cultura secularizada.[322] A exigência
de uma nova evangelização, tão sentida pelo meu venerado Predecessor, deve-se
reafirmar sem medo, na certeza da eficácia da Palavra divina. A Igreja, segura
da fidelidade do seu Senhor, não se cansa de anunciar a boa nova do Evangelho e
convida todos os cristãos a redescobrirem o fascínio de seguir Cristo.
Palavra
de Deus e testemunho cristão
97.
Os horizontes imensos da missão eclesial e a complexidade da situação presente
requerem hoje modalidades renovadas para se poder comunicar eficazmente a Palavra
de Deus. O Espírito Santo, agente primário de toda a evangelização, nunca
deixará de guiar a Igreja de Cristo nesta actividade. Antes de mais nada, é
importante que cada modalidade de anúncio tenha presente a relação intrínseca
entre comunicação da Palavra de Deus e testemunho cristão; disso depende a
própria credibilidade do anúncio. Por um lado, é necessária a Palavra que
comunique aquilo que o próprio Senhor nos disse; por outro, é indispensável
dar, com o testemunho, credibilidade a esta Palavra, para que não apareça como
uma bela filosofia ou utopia, mas antes como uma realidade que se pode viver e
que faz viver. Esta reciprocidade entre Palavra e testemunho recorda o modo
como o próprio Deus Se comunicou por meio da encarnação do seu Verbo. A Palavra
de Deus alcança os homens «através do encontro com testemunhas que a tornam
presente e viva».[323] Particularmente as novas gerações têm necessidade de ser
introduzidas na Palavra de Deus «através do encontro e do testemunho autêntico
do adulto, da influência positiva dos amigos e da grande companhia que é a
comunidade eclesial».[324]
Há
uma relação estreita entre o testemunho da Escritura, como atestado que a
Palavra de Deus dá de si mesma, e o testemunho de vida dos crentes. Um implica
e conduz ao outro. O testemunho cristão comunica a Palavra atestada nas
Escrituras. Por sua vez, as Escrituras explicam o testemunho que os cristãos
são chamados a dar com a própria vida. Deste modo, aqueles que encontram
testemunhas credíveis do Evangelho são levados a constatar a eficácia da
Palavra de Deus naqueles que a acolhem.
Nesta
circularidade entre testemunho e Palavra, compreendem-se as afirmações do Papa
Paulo VI na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi. A nossa responsabilidade
não se limita a sugerir ao mundo valores que compartilhamos; mas é preciso
chegar ao anúncio explícito da Palavra de Deus. Só assim seremos fiéis ao
mandato de Cristo: «Por conseguinte a Boa Nova proclamada pelo testemunho de
vida deverá, mais cedo ou mais tarde, ser anunciada pela palavra de vida. Não
há verdadeira evangelização, se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o
Reino, o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus, não forem
proclamados».[325]
O
facto do anúncio da Palavra de Deus requerer o testemunho da própria vida é um
dado bem presente na consciência cristã desde as suas origens. O próprio Cristo
é a testemunha fiel e verdadeira (cf. Ap 1, 5; 3, 14), testemunha da Verdade
(cf. Jo 18, 37). A este propósito, desejo recordar os inumeráveis testemunhos
que tivemos a graça de ouvir durante a assembleia sinodal. Ficámos
profundamente impressionados com o relato daqueles que souberam viver a fé e
dar luminosos testemunhos do Evangelho mesmo sob regimes contrários ao
cristianismo ou em situações de perseguição.
Tudo
isto não nos deve meter medo. O próprio Jesus disse aos seus discípulos: «Um
servo não é maior que o seu senhor. Se a Mim Me perseguiram também vos
perseguirão a vós» (Jo 15, 20). Por isso desejo elevar a Deus, com toda a
Igreja, um hino de louvor pelo testemunho de muitos irmãos e irmãs que, mesmo
neste nosso tempo, deram a vida para comunicar a verdade do amor de Deus que
nos foi revelado em Cristo crucificado e ressuscitado. Além disso, exprimo a
gratidão da Igreja inteira aos cristãos que não se rendem perante os obstáculos
e as perseguições por causa do Evangelho. Ao mesmo tempo unimo-nos, com
profunda e solidária estima, aos fiéis de todas as comunidades cristãs,
particularmente na Ásia e na África, que neste tempo arriscam a vida ou a
marginalização social por causa da fé. Vemos realizar-se aqui o espírito das
bem-aventuranças do Evangelho para aqueles que são perseguidos por causa do
Senhor Jesus (cf. Mt 5, 11). Ao mesmo tempo não cessamos de erguer a nossa voz
para que os governos das nações garantam a todos liberdade de consciência e de
religião, inclusive para poder testemunhar publicamente a própria fé.[326]
Palavra
de Deus e compromisso no mundo
Servir
Jesus nos seus «irmãos mais pequeninos» (Mt 25, 40)
99.
A Palavra divina ilumina a existência humana e leva as consciências a reverem
em profundidade a própria vida, porque toda a história da humanidade está sob o
juízo de Deus: «Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por
todos os seus anjos, sentar-Se-á, então, no seu trono de glória. Perante Ele
reunir-se-ão todas as nações» (Mt 25, 31-32). No nosso tempo, detemo-nos muitas
vezes superficialmente no valor do instante que passa, como se fosse
irrelevante para o futuro. Diversamente, o Evangelho recorda-nos que cada
momento da nossa existência é importante e deve ser vivido intensamente,
sabendo que cada um deverá prestar contas da própria vida. No capítulo vinte e
cinco do Evangelho de Mateus, o Filho do Homem considera como feito ou não
feito a Si aquilo que tivermos feito ou deixado de fazer a um só dos seus
«irmãos mais pequeninos» (25, 40.45): «Tive fome e destes-Me de comer, tive
sede e destes-Me de beber; era peregrino e recolhestes-Me; estava nu e
destes-Me de vestir; adoeci e visitastes-Me; estive na prisão e fostes ter
comigo» (25, 35-36). Deste modo, é a própria Palavra de Deus que nos recorda a
necessidade do nosso compromisso no mundo e a nossa responsabilidade diante de
Cristo, Senhor da História. Quando anunciamos o Evangelho, exortamo-nos
reciprocamente a cumprir o bem e a empenhar-nos pela justiça, pela
reconciliação e pela paz.
Palavra
de Deus e compromisso na sociedade pela justiça
100.
A Palavra de Deus impele o homem para relações animadas pela rectidão e pela
justiça, confirma o valor precioso aos olhos de Deus de todas as fadigas do
homem para tornar o mundo mais justo e mais habitável.[327] A própria Palavra
de Deus denuncia, sem ambiguidade, as injustiças e promove a solidariedade e a
igualdade.[328] À luz das palavras do Senhor, reconheçamos pois os «sinais dos tempos»
presentes na história, não nos furtemos ao compromisso em favor de quantos
sofrem e são vítimas do egoísmo. O Sínodo lembrou que o compromisso pela
justiça e a transformação do mundo é constitutivo da evangelização. Como dizia
o Papa Paulo VI, trata-se de «chegar a atingir e como que a modificar pela
força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de
interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida
da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o
desígnio da salvação».[329]
Com
este objectivo, os Padres sinodais dirigiram um pensamento particular a quantos
estão empenhados na vida política e social. A evangelização e a difusão da
Palavra de Deus devem inspirar a sua acção no mundo à procura do verdadeiro bem
de todos, no respeito e promoção da dignidade de toda a pessoa. Certamente não
é tarefa directa da Igreja criar uma sociedade mais justa, embora lhe caiba o
direito e o dever de intervir sobre as questões éticas e morais que dizem
respeito ao bem das pessoas e dos povos. Compete sobretudo aos fiéis leigos
formados na escola do Evangelho intervir directamente na acção social e
política. Por isso o Sínodo recomenda uma adequada educação segundo os
princípios da doutrina social da Igreja.[330]
101.
Além disso, quero chamar a atenção geral para a importância de defender e
promover os direitos humanos de toda a pessoa, que, como tais, são «universais,
invioláveis e inalienáveis».[331] A Igreja aproveita a ocasião extraordinária
oferecida pelo nosso tempo para que a dignidade humana, através da afirmação de
tais direitos, seja mais eficazmente reconhecida e promovida
universalmente,[332] como característica impressa por Deus criador na sua
criatura, assumida e redimida por Jesus Cristo através da sua encarnação, morte
e ressurreição. Por isso a difusão da Palavra de Deus não pode deixar de
reforçar a consolidação e o respeito dos direitos humanos de cada pessoa.[333]
Anúncio
da Palavra de Deus, reconciliação e paz entre os povos
102.
Dentre os numerosos âmbitos de compromisso, o Sínodo recomendou vivamente a
promoção da reconciliação e da paz. No contexto actual, é grande a necessidade
de descobrir a Palavra de Deus como fonte de reconciliação e de paz, porque
nela Deus reconcilia em Si todas as coisas (cf. 2 Cor 5, 18-20; Ef 1, 10):
Cristo «é a nossa paz» (Ef 2, 14), Aquele que derruba os muros de divisão.
Muitos testemunhos no Sínodo comprovaram os graves e sangrentos conflitos e as
tensões presentes no nosso planeta. Às vezes tais hostilidades parecem assumir
o aspecto de conflito inter-religioso. Quero uma vez mais reafirmar que a
religião nunca pode justificar a intolerância ou as guerras. Não se pode usar a
violência em nome de Deus![334] Toda a religião devia impelir para um uso
correcto da razão e promover valores éticos que edifiquem a convivência civil.
Fiéis
à obra de reconciliação realizada por Deus em Jesus Cristo, crucificado e
ressuscitado, os católicos e todos os homens de boa vontade empenhem-se por dar
exemplos de reconciliação para se construir uma sociedade justa e
pacífica.[335] Nunca esqueçamos que «onde as palavras humanas se tornam
impotentes, porque prevalece o trágico clamor da violência e das armas, a força
profética da Palavra de Deus não esmorece e repete-nos que a paz é possível e
que devemos, nós mesmos, ser instrumentos de reconciliação e de paz».[336]
A
Palavra de Deus e a caridade activa
103.
O compromisso pela justiça, a reconciliação e a paz encontra a sua raiz última
e perfeição no amor que nos foi revelado em Cristo. Ouvindo os testemunhos
proferidos no Sínodo, tornámo-
-nos
mais atentos à ligação que há entre a escuta amorosa da Palavra de Deus e o
serviço desinteressado aos irmãos; que todos os fiéis compreendam «a
necessidade de traduzir em gestos de amor a palavra escutada, porque só assim
se torna credível o anúncio do Evangelho, apesar das fragilidades humanas que
marcam as pessoas».[337] Jesus passou por este mundo fazendo o bem (cf. Act 10,
38). Escutando com ânimo disponível a Palavra de Deus na Igreja, desperta-se «a
caridade e a justiça para com todos, sobretudo para com os pobres».[338] É
preciso nunca esquecer que «o amor – caritas – será sempre necessário, mesmo na
sociedade mais justa. (…) Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se
desfazer do homem enquanto homem».[339] Por isso, exorto todos os fiéis a
meditarem com frequência o hino à caridade escrito pelo Apóstolo Paulo,
deixando-se inspirar por ele: «A caridade é paciente, a caridade é benigna, não
é invejosa; a caridade não se ufana, não se ensoberbece, não é inconveniente,
não procura o seu interesse, não se irrita, não suspeita mal, não se alegra com
a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta. A caridade nunca acabará» (1 Cor 13, 4-8).
Deste
modo o amor do próximo, radicado no amor de Deus, deve ser o nosso compromisso
constante como indivíduos e como comunidade eclesial local e universal. Diz
Santo Agostinho: «É fundamental compreender que a plenitude da Lei, bem como de
todas as Escrituras divinas, é o amor (…). Por isso quem julga ter compreendido
as Escrituras, ou pelo menos uma parte qualquer delas, mas não se empenha a
construir, através da sua inteligência, este duplo amor de Deus e do próximo,
demonstra que ainda não as compreendeu».[340]
Anúncio
da Palavra de Deus e os jovens
104.
O Sínodo reservou uma atenção particular ao anúncio da Palavra divina feito às
novas gerações. Os jovens já são membros activos da Igreja e representam o seu
futuro. Muitas vezes encontramos neles uma abertura espontânea à escuta da
Palavra de Deus e um desejo sincero de conhecer Jesus. De facto, na idade da
juventude, surgem de modo irreprimível e sincero as questões sobre o sentido da
própria vida e sobre a direcção que se deve dar à própria existência. A estas
questões só Deus sabe dar verdadeira resposta. Esta solicitude pelo mundo
juvenil implica a coragem de um anúncio claro; devemos ajudar os jovens a
ganharem confidência e familiaridade com a Sagrada Escritura, para que seja
como uma bússola que indica a estrada a seguir.[341] Para isso, precisam de
testemunhas e mestres, que caminhem com eles e os orientem para amarem e por
sua vez comunicarem o Evangelho sobretudo aos da sua idade, tornando-se eles
mesmos arautos autênticos e credíveis.[342]
É
preciso que a Palavra divina seja apresentada também nas suas implicações
vocacionais de modo a ajudar e orientar os jovens nas suas opções de vida,
incluindo a consagração total.[343] Autênticas vocações para a vida consagrada
e para o sacerdócio encontram o seu terreno propício no contacto fiel com a
Palavra de Deus. Repito aqui o convite que fiz no início do meu pontificado
para abrir de par em par as portas a Cristo: «Quem faz entrar Cristo, nada
perde, nada – absolutamente nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande.
Não! Só nesta amizade se abrem de par em par as portas da vida. Só nesta
amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da condição humana. (…) Queridos
jovens, não tenhais medo de Cristo! Ele não tira nada, e dá tudo. Quem se
entrega a Ele, recebe o cêntuplo. Sim, abri de par em par as portas a Cristo, e
encontrareis a vida verdadeira».[344]
Anúncio
da Palavra de Deus e os migrantes
105.
A Palavra de Deus torna-nos atentos à história e a tudo o que de novo germina
nela. Por isso o Sínodo quis, a propósito da missão evangelizadora da Igreja,
fixar a atenção também no fenómeno complexo dos movimentos migratórios, que tem
assumido nestes anos proporções inéditas. Aqui levantam-se questões bastante
delicadas relativas à segurança das nações e ao acolhimento que se deve
oferecer a quantos buscam refúgio, melhores condições de vida, saúde, trabalho.
Um grande número de pessoas, que não conhece Cristo ou possui uma imagem
imperfeita d’Ele, estabelece-se em países de tradição cristã. Ao mesmo tempo
pessoas que pertencem a povos marcados profundamente pela fé cristã emigram
para países onde há necessidade de levar o anúncio de Cristo e de uma nova
evangelização. Estas novas situações oferecem novas possibilidades para a
difusão da Palavra de Deus. A este propósito, os Padres sinodais afirmaram que
os migrantes têm o direito de ouvir o kerygma, que lhes é proposto, não
imposto. Se forem cristãos, necessitam de uma assistência pastoral adequada
para fortalecer a fé e serem eles mesmos portadores do anúncio evangélico.
Conscientes da complexidade do fenómeno, é necessário que todas as dioceses
interessadas se mobilizem para que os movimentos migratórios sejam considerados
também como ocasião para descobrir novas modalidades de presença e de anúncio e
se proveja, segundo as próprias possibilidades, a um condigno acolhimento e
animação destes nossos irmãos para que, tocados pela Boa Nova, se façam eles
mesmos anunciadores da Palavra de Deus e testemunhas do Senhor Ressuscitado,
esperança do mundo.[345]
Anúncio
da Palavra de Deus e os doentes
106.
Ao longo dos trabalhos sinodais, a atenção dos Padres deteve-se também na
necessidade de anunciar a Palavra de Deus a todos aqueles que estão em
condições de sofrimento físico, psíquico ou espiritual. De facto, é na hora do
sofrimento que se levantam mais acutilantes no coração do homem as questões
últimas sobre o sentido da própria vida. Se a palavra do homem parece emudecer
diante do mistério do mal e da dor e a nossa sociedade parece dar valor à vida
apenas se corresponde a certos níveis de eficiência e bem-estar, a Palavra de
Deus revela-nos que mesmo estas circunstâncias são misteriosamente «abraçadas»
pela ternura divina. A fé que nasce do encontro com a Palavra divina ajuda-nos
a considerar a vida humana digna de ser vivida plenamente, mesmo quando está
debilitada pelo mal. Deus criou o homem para a felicidade e a vida, enquanto a
doença e a morte entraram no mundo em consequência do pecado (cf. Sb 2, 23-24).
Mas o Pai da vida é o médico por excelência do homem e não cessa de inclinar-
-Se
amorosamente sobre a humanidade que sofre. Contemplamos o apogeu da proximidade
de Deus ao sofrimento do homem, no próprio Jesus que é «Palavra encarnada.
Sofreu connosco, morreu. Com a sua paixão e morte, assumiu e transformou
profundamente a nossa debilidade».[346]
A
proximidade de Jesus aos doentes não se interrompeu: prolonga-se no tempo
graças à acção do Espírito Santo na missão da Igreja, na Palavra e nos
Sacramentos, nos homens de boa vontade, nas actividades de assistência que as
comunidades promovem com caridade fraterna, mostrando assim o verdadeiro rosto
de Deus e o seu amor. O Sínodo dá graças a Deus pelo testemunho esplêndido,
frequentemente escondido, de muitos cristãos – sacerdotes, religiosos e leigos
– que emprestaram e continuam a emprestar as suas mãos, os seus olhos e os seus
corações a Cristo, verdadeiro médico dos corpos e das almas. Depois exorta para
que se continue a cuidar das pessoas doentes, levando-lhes a presença
vivificadora do Senhor Jesus na Palavra e na Eucaristia. Sejam ajudadas a ler a
Escritura e a descobrir que podem, precisamente na sua condição, participar de
um modo particular no sofrimento redentor de Cristo pela salvação do mundo (cf.
2 Cor 4, 8-11.14).[347]
Anúncio
da Palavra de Deus e os pobres
107.
A Sagrada Escritura manifesta a predilecção de Deus pelos pobres e necessitados
(cf. Mt 25, 31-46). Com frequência, os Padres sinodais lembraram a necessidade
de que o anúncio evangélico e o empenho dos pastores e das comunidades se
dirijam a estes nossos irmãos. Com efeito, «os primeiros que têm direito ao
anúncio do Evangelho são precisamente os pobres, necessitados não só de pão mas
também de palavras de vida».[348] A diaconia da caridade, que nunca deve faltar
nas nossas Igrejas, tem de estar sempre ligada ao anúncio da Palavra e à
celebração dos santos mistérios.[349] Ao mesmo tempo é preciso reconhecer e
valorizar o facto de que os próprios pobres são também agentes de
evangelização. Na Bíblia, o verdadeiro pobre é aquele que se confia totalmente
a Deus e, no Evangelho, o próprio Jesus chama-os bem-aventurados, «porque deles
é o reino dos céus» (Mt 5, 3; cf. L c 6, 20). O Senhor exalta a simplicidade de
coração de quem reconhece em Deus a verdadeira riqueza, coloca n’Ele a sua
esperança e não nos bens deste mundo. A Igreja não pode desiludir os pobres:
«Os pastores são chamados a ouvi-los, a aprender deles, a guiá-los na sua fé e
a motivá-los para serem construtores da própria história».[350]
A
Igreja está ciente também de que existe uma pobreza que é virtude a cultivar e
a abraçar livremente, como fizeram muitos Santos, e há a miséria, muitas vezes
resultante de injustiças e provocada pelo egoísmo, que produz indigência e fome
e alimenta os conflitos. Quando a Igreja anuncia a Palavra de Deus sabe que é
preciso favorecer um «círculo virtuoso» entre a pobreza «que se deve escolher»
e a pobreza «que se deve combater», redescobrindo «a sobriedade e a
solidariedade como valores simultaneamente evangélicos e universais. (…) Isto
obriga a opções de justiça e de sobriedade».[351]
Palavra
de Deus e defesa da criação
108.
O compromiso no mundo requerido pela Palavra divina impele-nos a ver com olhos
novos todo o universo criado por Deus e que traz já em si os vestígios do
Verbo, por Quem tudo foi feito (cf. Jo 1, 2). Com efeito, há uma responsabilidade
que nos compete como fiéis e anunciadores do Evangelho também a respeito da
criação. A revelação, ao mesmo tempo que nos dá a conhecer o desígnio de Deus
sobre o universo, leva-nos também a denunciar os comportamentos errados do
homem, quando não reconhece todas as coisas como reflexo do Criador, mas mera
matéria que se pode manipular sem escrúpulos. Deste modo, falta ao homem aquela
humildade essencial que lhe permite reconhecer a criação como dom de Deus que
se deve acolher e usar segundo o seu desígnio. Ao contrário, a arrogância do
homem que vive como se Deus não existisse, leva a explorar e deturpar a
natureza, não a reconhecendo como uma obra da Palavra criadora. Neste quadro
teológico, desejo lembrar as afirmações dos Padres sinodais ao recordarem que o
facto de «acolher a Palavra de Deus atestada na Sagrada Escritura e na Tradição
viva da Igreja gera um novo modo de ver as coisas, promovendo um ecologia
autêntica, que tem a sua raiz mais profunda na obediência da fé, (…) e
desenvolvendo una renovada sensibilidade teológica sobre a bondade de todas as
coisas, criadas em Cristo».[352] O homem precisa de ser novamente educado para
se maravilhar, reconhecendo a verdadeira beleza que se manifesta nas coisas
criadas.[353]
Palavra
de Deus e culturas
O
valor da cultura para a vida do homem
109.
O anúncio joanino referente à encarnação do Verbo revela o vínculo indissolúvel
que existe entre a Palavra divina e as palavras humanas, através das quais Se
nos comunica. Foi no âmbito desta reflexão que o Sínodo dos Bispos se deteve
sobre a relação entre Palavra de Deus e cultura. De facto, Deus não Se revela
ao homem abstractamente, mas assumindo linguagens, imagens e expressões ligadas
às diversas culturas. Trata-se de uma relação fecunda, largamente testemunhada
na história da Igreja. Hoje tal relação entra também numa nova fase, devido à
propagação e enraizamento da evangelização dentro das diversas culturas e nas
mais recentes evoluções da cultura ocidental. Isto implica, antes de mais nada,
reconhecer a importância da cultura como tal para a vida de cada homem. De
facto, o fenómeno da cultura, nos seus múltiplos aspectos, apresenta-se como um
dado constitutivo da experiência humana: «O homem vive sempre segundo uma
cultura que lhe é própria e por sua vez cria entre os homens um laço, que lhes
é próprio também, determinando o carácter inter-humano e social da existência
humana».[354]
A
Palavra de Deus inspirou, ao longo dos séculos, as diversas culturas, gerando
valores morais fundamentais, expressões artísticas magníficas e estilos de vida
exemplares.[355] Assim, na esperança de um renovado encontro entre Bíblia e
culturas, quero reafirmar a todos os agentes culturais que nada têm a temer da
sua abertura à Palavra de Deus, que nunca destrói a verdadeira cultura, mas
constitui um estímulo constante para a busca de expressões humanas cada vez
mais apropriadas e significativas. Para servir verdadeiramente o homem, cada
cultura autêntica deve estar aberta à transcendência e, em última análise, a
Deus.
A
Bíblia como grande código para as culturas
110.
Os Padres sinodais sublinharam a importância de favorecer um adequado
conhecimento da Bíblia entre os agentes culturais, mesmo nos ambientes
secularizados e entre os não crentes;[356] na Sagrada Escritura, estão contidos
valores antropológicos e filosóficos que influíram positivamente sobre toda a
humanidade.[357] Deve-se recuperar plenamente o sentido da Bíblia como grande
código para as culturas.
O
conhecimento da Bíblia nas escolas e universidades
111.
Um âmbito particular do encontro entre Palavra de Deus e culturas é o da escola
e da universidade. Os Pastores tenham um cuidado especial por estes ambientes,
promovendo um conhecimento profundo da Bíblia para se poder individuar, também
hoje, as suas fecundas implicações culturais. Os centros de estudo promovidos
pelas realidades católicas oferecem uma contribuição original – que deve ser
reconhecida – para a promoção da cultura e da instrução. Além disso, não se
deve descuidar o ensino da religião, formando cuidadosamente os professores. Em
muitos casos, isto representa para os estudantes uma ocasião única de contacto
com a mensagem da fé. É bom que se promova, neste ensino, o conhecimento da
Sagrada Escritura, superando antigos e novos preconceitos e procurando dar a
conhecer a sua verdade.[358]
A
Sagrada Escritura nas diversas expressões artísticas
112.
A relação entre Palavra de Deus e cultura encontrou expressão em obras de
âmbitos diversos, particularmente no mundo da arte. Por isso a grande tradição
do Oriente e do Ocidente sempre estimou as manifestações artísticas inspiradas
na Sagrada Escritura, como, por exemplo, as artes figurativas e a arquitectura,
a literatura e a música. Penso também na antiga linguagem expressa pelos ícones
que, partindo da tradição oriental, aos poucos se foi espalhando por todo o
mundo. Com os Padres sinodais, a Igreja inteira exprime apreço, estima e
admiração pelos artistas «enamorados da beleza», que se deixaram inspirar pelos
textos sagrados; contribuíram para a decoração das nossas igrejas, a celebração
da nossa fé, o enriquecimento da nossa liturgia, e muitos deles ajudaram ao
mesmo tempo a tornar de algum modo perceptível no tempo e no espaço as
realidades invisíveis e eternas.[359] Exorto os organismos competentes a
promoverem na Igreja uma sólida formação dos artistas sobre a Sagrada Escritura
à luz da Tradição viva da Igreja e do Magistério.
Palavra
de Deus e meios de comunicação social
113.
Ligada à relação entre Palavra de Deus e culturas está também a importância da
utilização cuidadosa e inteligente dos meios, antigos e novos, de comunicação
social. Os Padres sinodais recomendaram um conhecimento apropriado destes
instrumentos, estando atentos ao seu rápido desenvolvimento e aos diversos
níveis de interacção e investindo maiores energias para adquirir competência
nos vários sectores, particularmente nos novos meios de comunuicação, como por
exemplo a internet. Por parte da Igreja, já existe uma si-gnificativa presença
no mundo da comunicação de massa, e o próprio Magistério eclesial exprimiu-se
várias vezes sobre este tema a partir do Concílio Vaticano II.[360] A aquisição
de novos métodos para transmitir a mensagem evangélica faz parte da constante
tensão evangelizadora dos fiéis, e hoje a rede de comunicação envolve o mundo
inteiro, tendo adquirido um novo significado o apelo de Cristo: «O que vos digo
às escuras, dizei-o à luz do dia, e o que escutais ao ouvido, proclamai-o sobre
os terraços» (Mt 10, 27). Para além da forma escrita, a Palavra divina deve
ressoar também através das outras formas de comunicação.[361] Por isso,
juntamente com os Padres sinodais, desejo agradecer aos católicos que lutam com
competência por uma presença significativa no mundo dos mass media, solicitando
um empenhamento ainda mais amplo e qualificado.[362]
Entre
as novas formas de comunicação de massa, há que reconhecer hoje um papel
crescente à internet, que constitui um novo fórum onde fazer ressoar o
Evangelho, na certeza, porém, de que o mundo virtual nunca poderá substituir o
mundo real e que a evangelização só poderá usufruir da virtualidade oferecida
pelos novos meios de comunicação para instaurar relações significativas, se se
chegar ao encontro pessoal que permanece insubstituível. No mundo da internet,
que permite que bilhões de imagens apareçam sobre milhões de monitores em todo
o mundo, deverá sobressair o rosto de Cristo e ouvir-se a sua voz, porque, «se
não há espaço para Cristo, não há espaço para o homem».[363]
Bíblia
e inculturação
114.
O mistério da encarnação mostra-nos que Deus, por um lado, comunica-Se sempre
numa história concreta, assumindo os códigos culturais nela inscritos, mas, por
outro, a própria Palavra pode e deve transmitir-se em culturas diferentes,
transfigurando-as a partir de dentro através daquilo que Paulo VI chamava a
evangelização das culturas.[364] Deste modo a Palavra de Deus, como aliás a fé
cristã, manifesta um carácter profundamente intercultural, capaz de encontrar e
fazer encontrar culturas diversas.[365]
Neste
contexto, compreende-se também o valor da inculturação do Evangelho.[366] A
Igreja está firmemente persuadida da capacidade intrínseca que tem a Palavra de
Deus de atingir todas as pessoas humanas no contexto cultural onde vivem: «Esta
convicção deriva da própria Bíblia, que, desde o livro do Génesis, assume uma
orientação universal (cf. Gn 1, 27-28), mantém-na depois na bênção prometida a
todos os povos graças a Abraão e à sua descendência (cf. Gn 12, 3; 18, 18) e
confirma-a definitivamente quando estende a “todas as nações” a
evangelização».[367] Por isso, a inculturação não deve ser confundida com
processos de adaptação superficial, nem mesmo com a amálgama sincretista que
dilui a originalidade do Evangelho para o tornar mais facilmente
aceitável.[368] O autêntico paradigma da inculturação é a própria encarnação do
Verbo: «A “aculturação” ou “inculturação” será realmente um reflexo da
encarnação do Verbo, quando uma cultura, transformada e regenerada pelo
Evangelho produzir na sua própria tradição expressões originais de vida, de
celebração, de pensamento cristão»,[369] levedando como o fermento dentro da
cultura local, valorizando as semina Verbi e tudo o que de positivo haja nela,
abrindo-a aos valores evangélicos.[370]
Traduções
e difusão da Bíblia
115.
Se a inculturação da Palavra de Deus é parte imprescindível da missão da Igreja
no mundo, um momento decisivo deste processo é a difusão da Bíblia por meio do
valioso trabalho de tradução nas diversas línguas. A este propósito, nunca se
deve esquecer que a obra de tradução das Escrituras «teve início desde os
tempos do Antigo Testamento quando o texto hebraico da Bíblia foi traduzido
oralmente para aramaico (Ne 8, 8.12) e, mais tarde, traduzido de forma escrita
para grego. De facto, uma tradução é sempre algo mais do que uma simples
transcrição do texto original. A passagem de uma língua para outra comporta
necessariamente uma mudança de contexto cultural: os conceitos não são
idênticos e o alcance dos símbolos é diferente, porque põem em relação com
outras tradições de pensamento e outros modos de viver».[371]
Durante
os trabalhos sinodais, pôde-se constatar que várias Igrejas locais ainda não
dispõem de uma tradução integral da Bíblia nas suas próprias línguas.
Actualmente quantos povos têm fome e sede da Palavra de Deus, mas infelizmente
não podem ainda ter um «acesso patente à Sagrada Escritura»,[372] como desejara
o Concílio Vaticano II. Por isso, o Sínodo considera importante, antes de mais
nada, a formação de especialistas que se dediquem a traduzir a Bíblia nas
diversas línguas.[373] Encorajo a que se invistam recursos neste âmbito. De
modo particular, quero recomendar que seja apoiado o empenho da Federação
Bíblica Católica para um incremento ainda maior do número das traduções da
Sagrada Escritura e da sua minuciosa difusão.[374] Bom será que tal trabalho,
pela sua própria natureza, seja feito na medida do possível em colaboração com
as diversas Sociedades Bíblicas.
A
Palavra de Deus supera os limites das culturas
116.
No debate sobre a relação entre Palavra de Deus e culturas, a assembleia
sinodal sentiu necessidade de reafirmar aquilo que os primeiros cristãos
puderam experimentar desde o dia de Pentecostes (cf. Act 2, 1-13). A Palavra
divina é capaz de penetrar e exprimir-se em culturas e línguas diferentes, mas
a própria Palavra transfigura os limites de cada uma das culturas criando
comunhão entre povos diversos. A Palavra do Senhor convida-nos a avançar para
uma comunhão mais vasta. «Saímos da estreiteza das nossas experiências e
entramos na realidade que é verdadeiramente universal. Entrando na comunhão com
a Palavra de Deus, entramos na comunhão da Igreja que vive a Palavra de Deus.
(…) É sair dos limites de cada uma das culturas para a universalidade que nos
vincula a todos, a todos nos une e faz irmãos».[375] Portanto, anunciar a
Palavra de Deus começa sempre por nos pedir a nós mesmos um renovado êxodo,
deixando as nossas medidas e as nossas imaginações limitadas para abrir espaço
em nós à presença de Cristo.
Palavra
de Deus e diálogo inter-religioso
O
valor do diálogo inter-religioso
117.
A Igreja reconhece como parte essencial do anúncio da Palavra o encontro, o
diálogo e a colaboração com todos os homens de boa vontade, particularmente com
as pessoas pertencentes às diversas tradições religiosas da humanidade,
evitando formas de sincretismo e de relativismo e seguindo as linhas indicadas
pela Declaração do Concílio Vaticano II Nostra aetate e desenvolvidas pelo
Magistério sucessivo dos Sumos Pontífices.[376] O processo veloz de
globalização, característico da nossa época, permite viver em contacto mais
estreito com pessoas de culturas e religiões diferentes. Trata-se de uma
oportunidade providencial para manifestar como o autêntico sentido religioso
pode promover entre os homens relações de fraternidade universal. É muito
importante que as religiões possam favorecer, nas nossas sociedades
frequentemente secularizadas, uma mentalidade que veja em Deus Omnipotente o
fundamento de todo o bem, a fonte inexaurível da vida moral, o sustentáculo de
um profundo sentido de fraternidade universal.
Na
tradição judaico-cristã, por exemplo, encontra-se sugestivamente confirmado o
amor de Deus por todos os povos, que Ele, já na Aliança estabelecida com Noé,
reúne num único e grande abraço simbolizado pelo «arco nas nuvens» (Gn 9,
13.14.16) e que, segundo as palavras dos profetas, pretende congregar numa
única família universal (cf. Is 2, 2ss; 42, 6; 66, 18-21; Jr 4, 2; Sl 47). Na
realidade aparecem, em muitas das grandes tradições religiosas, testemunhos da
ligação íntima que existe entre a relação com Deus e a ética do amor por todo o
homem.
Diálogo
entre cristãos e muçulmanos
118.
De entre as diversas religiões, a Igreja olha com estima os muçulmanos, que
reconhecem a existência de um único Deus;[377] fazem referimento a Abraão e
prestam culto a Deus sobretudo com a oração, a esmola e o jejum. Reconhecemos
que, na tradição do Islão, há muitas figuras, símbolos e temas bíblicos. Em
continuidade com a importante acção empreendida pelo Venerável João Paulo II,
desejo que as relações baseadas na confiança, que estão instauradas desde há
diversos anos entre cristãos e muçulmanos, continuem e se desenvolvam num
espírito de diálogo sincero e respeitoso.[378] Neste diálogo, o Sínodo fez
votos de que se possam aprofundar o respeito da vida como valor fundamental, os
direitos inalienáveis do homem e da mulher e a sua igual dignidade. Tendo em
conta a distinção entre a ordem sociopolítica e a ordem religiosa, as religiões
devem dar a sua contribuição para o bem comum. O Sínodo pede às Conferências
Episcopais que se favoreçam, onde for oportuno e profícuo, encontros para um
conhecimento recíproco entre cristãos e muçulmanos a fim de se promoverem os
valores de que a sociedade tem necessidade para uma convivência pacífica e
positiva.[379]
Diálogo
com as outras religiões
119.
Além disso, desejo aqui manifestar o respeito da Igreja pelas antigas religiões
e tradições espirituais dos vários Continentes; contêm valores que podem
favorecer imenso a compreensão entre as pessoas e os povos.[380] Muitas vezes
constatamos sintonias com valores expressos também nos seus livros religiosos,
como, por exemplo, o respeito pela vida, a contemplação, o silêncio e a
simplicidade, no Budismo; o sentido da sacralidade, do sacrifício e do jejum,
no Hinduísmo; e ainda os valores familiares e sociais no Confucionismo. Vemos,
ainda noutras experiências religiosas, uma sincera atenção à transcendência de
Deus, reconhecido como Criador, e também ao respeito da vida, do matrimónio e
da família e ainda um forte sentido da solidariedade.
Diálogo
e liberdade religiosa
120.
Todavia o diálogo não seria fecundo, se não incluísse também um verdadeiro
respeito por toda a pessoa para que possa aderir livremente à sua própria
religião. Por isso o Sínodo, ao mesmo tempo que promove a colaboração entre os
expoentes das diversas religiões, recorda igualmente «a necessidade de que seja
efectivamente assegurada a todos os crentes a liberdade de professar, privada e
publicamente a sua própria religião, e também a liberdade de consciência»;[381]
de facto «o respeito e o diálogo exigem a reciprocidade em todos os campos,
sobretudo no que diz respeito às liberdades fundamentais e, de modo muito
particular, à liberdade religiosa. Tal respeito e diálogo favorecem a paz e a
harmonia entre os povos».[382]
CONCLUSÃO
A
palavra definitiva de Deus
121.
No termo destas reflexões, em que reuni e aprofundei a riqueza da XII
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus na vida
e na missão da Igreja, desejo uma vez mais exortar todo o Povo de Deus, os
Pastores, as pessoas consagradas e os fiéis leigos a empenharem-se para que as
Sagradas Escrituras se lhes tornem cada vez mais familiares. Nunca devemos
esquecer que, na base de toda a espiritualidade cristã autêntica e viva, está a
Palavra de Deus anunciada, acolhida, celebrada e meditada na Igreja. A
intensificação do relacionamento com a Palavra divina acontecerá com tanto
maior decisão quanto mais cientes estivermos de nos encontrar, quer na
Escritura quer na Tradição viva da Igreja, em presença da Palavra definitiva de
Deus sobre o universo e a história.
Como
nos leva a contemplar o Prólogo do Evangelho de João, todo o ser está sob o
signo da Palavra. O Verbo sai do Pai e vem habitar entre os Seus e regressa ao
seio do Pai para levar consigo toda a criação que n’Ele e para Ele fora criada.
Agora a Igreja vive a sua missão na veemente expectativa da manifestação
escatológica do Esposo: «O Espírito e a Esposa dizem: “Vem!”» (Ap 22, 17). Esta
expectativa nunca é passiva, mas tensão missionária de anúncio da Palavra de
Deus que cura e redime todo o homem; ainda hoje Jesus ressuscitado nos diz:
«Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura» (Mc 16, 15).
Nova
evangelização e nova escuta
122.
Por isso, o nosso deve ser cada vez mais o tempo de uma nova escuta da Palavra
de Deus e de uma nova evangelização. É que descobrir a centralidade da Palavra
de Deus na vida cristã faz-nos encontrar o sentido mais profundo daquilo que
João Paulo II incansavelmente lembrou: continuar a missio ad gentes e
empreender com todas as forças a nova evangelização, sobretudo naquelas nações
onde o Evangelho foi esquecido ou é vítima da indiferença da maioria por causa
de um difundido secularismo. O Espírito Santo desperte nos homens fome e sede
da Palavra de Deus e os torne zelosos anunciadores e testemunhas do Evangelho.
À
imitação do grande Apóstolo das Nações, que ficou transformado depois de ter
ouvido a voz do Senhor (cf. Act 9, 1-30), escutemos também nós a Palavra divina
que não cessa de nos interpelar pessoalmente aqui e agora. O Espírito Santo
reservou para Si – narram os Actos dos Apóstolos – Paulo e Barnabé para a
pregação e a difusão da Boa Nova (cf. 13, 2). Também hoje de igual modo o
Espírito Santo não cessa de chamar ouvintes e anunciadores convictos e
persuasivos da Palavra do Senhor.
A
Palavra e a alegria
123.
Quanto mais soubermos colocar-nos à disposição da Palavra divina, tanto mais
poderemos constatar como o mistério do Pentecostes se está a realizar ainda
hoje na Igreja de Deus. O Espírito do Senhor continua a derramar os seus dons
sobre a Igreja, para que sejamos guiados para a verdade total, desvendando-nos
o sentido das Escrituras e tornando-nos anunciadores credíveis da Palavra de
salvação. E assim regressamos à Primeira Carta de São João. Na Palavra de Deus,
também nós escutámos, vimos e tocámos o Verbo da vida. Por graça, acolhemos o
anúncio de que a vida eterna se manifestou, de modo que agora reconhecemos que
estamos em comunhão uns com os outros, com quem nos precedeu no sinal da fé e
com todos aqueles que, espalhados pelo mundo, escutam a Palavra, celebram a
Eucaristia, vivem o testemunho da caridade. Recebemos a comunicação deste
anúncio – recorda-nos o apóstolo João – para que «a nossa alegria seja
completa» (cf. 1 Jo 1, 4).
A
Assembleia sinodal permitiu-nos experimentar tudo isto que está contido na
mensagem joanina: o anúncio da Palavra cria comunhão e gera a alegria. Trata-se
de uma alegria profunda que brota do próprio coração da vida trinitária e é-nos
comunicada no Filho. Trata-se da alegria como dom inefável que o mundo não pode
dar. Podem-se organizar festas, mas não a alegria. Segundo a Escritura, a
alegria é fruto do Espírito Santo (cf. Gl 5, 22), que nos permite entrar na
Palavra e fazer com que a Palavra divina entre em nós e frutifique para a vida
eterna. Anunciando a Palavra de Deus na força do Espírito Santo, queremos
comunicar também a fonte da verdadeira alegria, não uma alegria superficial e
efémera, mas aquela que brota da certeza de que só o Senhor Jesus tem palavras
de vida eterna (cf. Jo 6, 68).
«Mater
Verbi et Mater laetitiae»
124.
Esta relação íntima entre a Palavra de Deus e a alegria aparece em evidência
precisamente na Mãe de Deus. Recordemos as palavras de Santa Isabel: «Feliz
daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da
parte do Senhor» (L c 1, 45). Maria é feliz porque tem fé, porque acreditou, e,
nesta fé, acolheu no seu ventre o Verbo de Deus para O dar ao mundo. A alegria
recebida da Palavra pode agora estender-se a todos aqueles que na fé se deixam
transformar pela Palavra de Deus. O Evangelho de Lucas apresenta-nos este
mistério de escuta e de alegria, em dois textos. Jesus afirma: «Minha mãe e
meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (8,
21). E, em resposta à exclamação duma mulher que, do meio da multidão, pretende
exaltar o ventre que O trouxe e o seio que O amamentou, Jesus revela o segredo
da verdadeira alegria: «Diz antes: Felizes os que escutam a palavra de Deus e a
põem em prática» (11, 28). Jesus manifesta a verdadeira grandeza de Maria, abrindo
assim também a cada um de nós a possibilidade daquela bem-aventurança que nasce
da Palavra acolhida e posta em prática. Por isso, recordo a todos os cristãos
que o nosso relacionamento pessoal e comunitário com Deus depende do incremento
da nossa familiaridade com a Palavra divina. Por fim, dirijo-me a todos os
homens, mesmo a quantos se afastaram da Igreja, que abandonaram a fé ou que
nunca ouviram o anúncio de salvação. O Senhor diz a cada um: «Eis que estou à
porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa
e cearei com ele, e ele comigo» (Ap 3, 20).
Por
isso, cada um dos nossos dias seja plasmado pelo encontro renovado com Cristo,
Verbo do Pai feito carne: Ele está no início e no fim de tudo, e n’Ele todas as
coisas subsistem (cf. Cl 1, 17). Façamos silêncio para ouvir a Palavra do
Senhor e meditá-la, a fim de que a mesma, através da acção eficaz do Espírito
Santo, continue a habitar e a viver em nós e a falar-nos ao longo de todos os
dias da nossa vida. Desta forma, a Igreja sempre se renova e rejuvenesce graças
à Palavra do Senhor, que permanece eternamente (cf. 1 Pd 1, 25; Is 40, 8).
Assim também nós poderemos entrar no esplêndido diálogo nupcial com que se
encerra a Sagrada Escritura: «O Espírito e a Esposa dizem: “Vem”! E, aquele que
ouve, diga: “Vem”! (…) O que dá testemunho destas coisas diz. “Sim, Eu venho em
breve”! Amen. Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 17.20).
Dado
em Roma, junto de São Pedro, no dia 30 de Setembro – memória de São Jerónimo –
de 2010, sexto ano de Pontificado.
BENEDICTUS PP.
XVI
[1] Cf.
Propositio 1.
[2] Cf.
XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Instrumentum laboris, 27.
[3] Cf.
Leão XIII, Carta enc. Providentissimus Deus (18 de Novembro de 1893): ASS 26
(1893-94), 269-292; Bento XV, Carta enc. Spiritus Paraclitus (15 de Setembro de
1920): AAS 12 (1920), 385-422; Pio XII, Carta enc. Divino afflante Spiritu (30
de Setembro de 1943): AAS 35 (1943), 297-325.
[4] Propositio
2.
[5] Ibidem.
[6] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 2.
[7] Ibid.,
4.
[8] Entre
as várias intervenções, de natureza diversa, há que recordar: Paulo VI, Carta
ap. Summi Dei Verbum (4 de Novembro de 1963): AAS 55 (1963), 979-995; Idem,
Motu proprio Sedula cura (27 de Junho de 1971): AAS 63 (1971), 665-669; João
Paulo II, Audiência Geral (1 de Maio de 1985): L’Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 5/V/1985), p. 12; Idem, Discurso sobre a interpretação da Bíblia
na Igreja (23 de Abril de 1993): AAS 86 (1994), 232-243; Bento XVI, Discurso no
Congresso internacional por ocasião do 40º aniversário da Dei Verbum (16 de
Setembro de 2005): AAS 97 (2005), 957; Idem, Angelus (6 de Novembro de 2005):
Insegnamenti I (2005), 759-760. Há que citar ainda as intervenções da Pont.
Comissão Bíblica, De sacra Scriptura et Christologia (1984): Ench. Vat. 9, n.
1208-1339; Unidade e diversidade na Igreja (11 de Abril de 1988): Ench. Vat.
11, n. 544-643; A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993):
Ench. Vat. 13, n. 2846-3150; O povo judeu e as suas sagradas Escrituras na
Bíblia cristã (24 de Maio de 2001): Ench. Vat. 20, n. 733-1150; Bíblia e moral.
Raízes bíblicas do agir cristão (11 de Maio de 2008), Cidade do Vaticano 2008.
[9] Cf.
Bento XVI, Discurso à Cúria Romana (22 de Dezembro de 2008): AAS 101 (2009),
49.
[10] Cf.
Propositio 37.
[11] Cf.
Pont. Comissão Bíblica, O povo judeu e as suas sagradas Escrituras na Bíblia
cristã (24 de Maio de 2001): Ench. Vat. 20, n. 733-1150.
[12] Bento
XVI, Discurso à Cúria Romana (22 de Dezembro de 2008): AAS 101 (2009), 50.
[13] Bento
XVI, Angelus (4 de Janeiro de 2009): Insegnamenti, V/1 (2009), 13.
[14] Cf.
Relatio ante disceptationem, I.
[15] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 2.
[16] Bento
XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de
Dezembro de 2005), 1: AAS 98 (2006), 217-218.
[17] Instrumentum
laboris, 9.
[18] Credo
de Niceia-Constantinopla: DS 150.
[19] São
Bernardo de Claraval, Homilia super missus est, IV, 11: PL 183, 86 B.
[20] Cf.
Conc. Ecum. VAT. II, Const. dogm. sobre a Revela-ção divina Dei Verbum, 10.
[21] Cf.
Propositio 3.
[22] Cf.
Congr. para a Doutrina da Fé, Declaração sobre a unicidade e a universalidade
salvífica de Jesus Cristo e da Igreja Dominus Iesus (6 de Agosto de 2000),
13-15: AAS 92 (2000), 754-756.
[23] Cf.
In Hexaemeron, XX, 5: Opera Omnia, V (Quaracchi 1891), p. 425-426;
Breviloquium, I, 8: Opera Omnia, V (Quaracchi 1891), p. 216-217.
[24] Itinerarium
mentis in Deum, II, 12: Opera Omnia, V (Quaracchi 1891), p. 302-303; cf.
Commentarius in librum Ecclesiastes, cap. 1, vers. 11, Quaestiones, II, 3:
Opera Omnia, VI (Quaracchi 1891), p. 16.
[25] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 3; cf. Conc.
Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, cap. 2 – De
revelatione: DS 3004.
[26] Cf.
Propositio 13.
[27] Comissão
Teológica Internacional, À procura de uma ética universal: novo olhar sobre a
lei natural, Cidade do Vaticano 2009, n. 39.
[28] Cf.
Summa theologiae, Ia-IIae, q. 94, a. 2.
[29] Cf.
Pont. Comissão Bíblica, Bíblia e moral. Raízes bíblicas do agir cristão (11 de
Maio de 2008), Cidade do Vaticano 2008, nn. 13, 32 e 109.
[30] Cf.
Comissão Teológica Internacional, À procura de uma ética universal: novo olhar
sobre a lei natural, Cidade do Vaticano 2009, n. 102.
[31] Cf.
Bento XVI, Homilia durante a Hora Tércia no início da I Congregação Geral do
Sínodo dos Bispos (6 de Outubro de 2008): AAS 100 (2008), 758-761.
[32] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 14.
[33] Bento
XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 Dezembro de 2005), 1: AAS 98 (2006),
217-218.
[34] «Ho
Logos pachynetai (ou brachynetai)». Cf. Orígenes, Peri Archon, I, 2, 8: SC 252,
127-129.
[35] Bento
XVI, Homilia na solenidade do Natal do Senhor (24 de Dezembro de 2006): AAS 99
(2007), 12.
[36] Cf.
Mensagem final, II, 4-6.
[37] Máximo
o Confessor, A vida de Maria, n. 89: Textos marianos do primeiro milénio, 2,
Roma 1989, p. 253.
[38] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 9-10: AAS 99 (2007), 111-112.
[39] Bento
XVI, Audiência Geral (15 de Abril de 2009): L’Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 18/IV/2009), p. 12.
[40] Bento
XVI, Homilia na solenidade da Epifania (6 de Janeiro de 2009): L’Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 10/I/2009), p. 3.
[41] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 4.
[42] Propositio
4.
[43] São
João da Cruz, Subida do Monte Carmelo, II, 22.
[44] Propositio
47.
[45] Catecismo
da Igreja Católica, 67.
[46] Cf.
Congr. para a Doutrina da Fé, A mensagem de Fátima (26 de Junho de 2000): Ench.
Vat., 19, n. 974-1021.
[47] Adversus
haereses, IV, 7, 4: PG 7, 992-993; V, 1, 3: PG 7, 1123; V, 6, 1: PG 7, 1137; V,
28, 4: PG 7, 1200.
[48] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 12: AAS 99 (2007), 113-114.
[49] Cf.
Propositio 5.
[50] Adversus
haereses III, 24, 1: PG 7, 966.
[51] Homiliae
in Genesim, XXII, 1: PG 53, 175.
[52] Epistula
120, 10: CSEL 55, 500-506.
[53] Homiliae
in Ezechielem, I, VII, 17: CC 142, 94.
[54] «Oculi
ergo devotae animae sunt columbarum quia sensus eius per Spiritum sanctum sunt
illuminati et edocti, spiritualia sapientes. (…) Nunc quidem aperitur animae
talis sensus, ut intellegat Scripturas»: Ricardo de São Víctor, Explicatio in
Cantica canticorum, 15: PL 196, 450 B.D.
[55] Sacramentarium
Serapionis II (XX): Didascalia et Constitutiones apostolorum, ed. F. X. Funk,
II (Paderborn 1906), 161.
[56] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 7.
[57] Ibid.,
8.
[58] Ibid.,
8.
[59] Cf.
Propositio 3.
[60] Cf.
Mensagem final, II, 5.
[61] Expositio
Evangelii secundum Lucam 6, 33: PL 15, 1677.
[62] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 13.
[63] Catecismo
da Igreja Católica, 102. Cf. também Ruperto de Deutz, De operibus Spiritus
Sancti, I, 6: SC 131, 72-74.
[64] Enarrationes
in Psalmos, 103, IV, 1: PL 37, 1378. Análogas afirmações em Orígenes, In
Iohannem V, 5-6: SC 120, pp. 380-384.
[65] Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 21.
[66] Ibid.,
9.
[67] Cf.
Propositiones 5 e 12.
[68] Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 12.
[69] Cf.
Propositio 12.
[70] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 11.
[71] Propositio
4.
[72] Prol.:
Opera Omnia, V (Quaracchi 1891), pp. 201-202.
[73] Cf.
Bento XVI, Discurso aos homens de cultura no «Collège des Bernardins» de Paris
(12 de Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 721-730.
[74] Cf.
Propositio 4.
[75] Cf. Relatio
post disceptationem, 12.
[76] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 5.
[77] Propositio
4.
[78] Por
exemplo Dt 28, 1-2.15.45; 32, 1; nos grandes profetas cf. Jr 7, 22-28; Ez 2, 8;
3, 10; 6, 3; 13, 2; mas também nos menores: cf. Zc 3, 8. Em São Paulo, cf. Rm
10, 14-18; 1 Ts 2, 13.
[79] Propositio
55.
[80] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 33: AAS 99 (2007), 132-133.
[81] Bento
XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 41: AAS 98 (2006),
251.
[82] Propositio
55.
[83] Cf.
Expositio Evangelii secundum Lucam 2, 19: PL 15, 1559-1560.
[84] Breviloquium,
Prol.: Opera Omnia, V (Quaracchi 1891), p. 201-202.
[85] Summa
theologiae, Ia-IIae, q. 106, art. 2.
[86] Pont. Comissão
Bíblica, A interpretação da Bíblia na
Igreja (15 de Abril de 1993), III, A, 3: Ench. Vat. 13, n. 3035.
[87] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 12.
[88] Contra
epistolam Manichaei quam vocant fundamenti, V, 6:
PL
42, 176.
[89] Cf.
Bento XVI, Audiência Geral (14 de Novembro de 2007): Insegnamenti III/2 (2007),
586-591.
[90] Commentariorum
in Isaiam libri, Prol.: PL 24, 17.
[91] Epistula
52, 7: CSEL 54, 426.
[92] Pont.
Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993),
II, A, 2: Ench. Vat. 13, n. 2988.
[93] Ibid., II,
A, 2: o.c., n. 2991.
[94] Homiliae in
Ezechielem I, VII, 8: PL 76, 843 D.
[95] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 24; cf. Leão
XIII, Carta enc. Providentissimus Deus (18 de Novembro de 1893), Pars II, sub
fine: ASS 26 (1893-94), 269-292; Bento XV, Carta enc. Spiritus Paraclitus (15
de Setembro de 1920), Pars III: AAS 12 (1920), 385-422.
[96] Cf.
Propositio 26.
[97] Cf.
Pont. Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de
1993), A-B: Ench. Vat. 13, n. 2846-3150.
[98] Bento
XVI, Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo (14 de Outubro de 2008):
Insegnamenti IV/2 (2008), 492; cf. Propositio 25.
[99] Bento
XVI, Discurso aos homens de cultura no «Collège des Bernardins» de Paris (12 de
Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 722-723.
[100] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 10.
[101] Cf.
João Paulo II, Discurso por ocasião do centenário da Providentissimus Deus e do
cinquentenário da Divino afflante Spiritu (23 de Abril de 1993): AAS 86 (1994),
232-243.
[102] Ibid., 4:
o.c., 235.
[103] Ibid., 5:
o.c., 235.
[104] Ibid.,
5: o.c., 236.
[105] Pont.
Comissão Bíblica, A interpretação da
Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), III, C, 1: Ench. Vat. 13, n. 3065.
[106] N.
12.
[107] Bento
XVI, Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo (14 de Outubro de 2008):
Insegnamenti IV/2 (2008), 493; cf. Propositio 25.
[108] Cf.
Propositio 26.
[109] Propositio
27.
[110] Bento
XVI, Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo (14 de Outubro de 2008):
Insegnamenti IV/2 (2008), 493; cf. Propositio 26.
[111] Cf. ibid.:
o.c. 493; propositio 26.
[112] Ibid.:
o.c. 493; cf. Propositio 26.
[113] Cf.
Propositio 27.
[114] Bento
XVI, Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo (14 de Outubro de 2008):
Insegnamenti IV/2 (2008), 493-494.
[115] João
Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 55: AAS 91
(1999), 49-50.
[116] Cf.
Bento XVI, Discurso no IV Congresso Nacional da Igreja em Itália (19 de Outubro
de 2006): AAS 98 (2006),
804-815.
[117] Cf.
Propositio 6.
[118] Cf.
Santo Agostinho, De libero arbitrio, III, XXI, 59: PL 32, 1300; De Trinitate,
II, I, 2: PL 42, 845.
[119] Congr.
para a Educação Católica, Instr. Inspectis dierum (10 de Novembro de 1989), 26:
AAS 82 (1990), 618.
[120] Catecismo
da Igreja Católica, 116.
[121] Summa
theologiae, I, q.1, art.10, ad 1.
[122] Catecismo
da Igreja Católica, 118.
[123] Pont.
Comissão Bíblica, A interpretação da
Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), II, A, 2: Ench. Vat. 13, n. 2987.
[124] Ibid., II,
B, 2: o.c., n. 3003.
[125] Bento
XVI, Discurso aos homens de cultura no «Collège des Bernardins» de Paris (12 de
Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 726.
[126] Ibid.:
o.c., 726.
[127] Cf.
Bento XVI, Audiência Geral (9 de Janeiro de 2008): Insegnamenti IV/1 (2008),
41-45.
[128] Cf.
Propositio 29.
[129] De
arca Noe, 2, 8: PL 176, 642 C-D.
[130] Cf.
Bento XVI, Discurso aos homens de cultura no «Collège des Bernardins» de Paris
(12 de Setembro de 2008: AAS 100 (2008), 725.
[131] Cf.
Propositio 10; Pont. Comissão Bíblica, O povo judeu e as suas sagradas
Escrituras na Bíblia cristã (24 de Maio de 2001), 3-5: Ench. Vat. 20, n.
748-755.
[132] Cf.
Catecismo da Igreja Católica, 121-122.
[133] Propositio
52.
[134] Cf.
Pont. Comissão Bíblica, O povo judeu e as suas sagradas Escrituras na Bíblia
cristã (24 de Maio de 2001), 19: Ench. Vat. 20, n. 799-801; Orígenes, Homilia
sobre Números 9, 4: SC 415, 238-242.
[135] Catecismo
da Igreja Católica, 128.
[136] Ibid.,
129.
[137] Propositio
52.
[138] Quaestiones
in Heptateuchum, 2, 73: PL 34, 623.
[139] Homiliae
in Ezechielem, I, VI, 15: PL 76, 836 B.
[140] Propositio
29.
[141] João
Paulo II, Mensagem ao Rabino-Chefe de Roma (22 de Maio de 2004): Insegnamenti
27/1 (2004), 655.
[142] Pont.
Comissão Bíblica, O povo judeu e as suas sagradas Escrituras na Bíblia cristã
(24 de Maio de 2001), 87: Ench. Vat. 20, n. 1150.
[143] Cf.
Bento XVI, Discurso de despedida no Aeroporto Ben Gurion de Telavive (15 de
Maio de 2009): Insegnamenti V/1 (2009), 847-849.
[144] João
Paulo II, Discurso aos Rabinos-Chefes de Israel (23 de Março de 2000):
Insegnamenti 23/1 (2000), 434.
[145] Cf.
Propositiones 46 e 47.
[146] Pont.
Comissão Bíblica, A interpretação da
Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), I, F: Ench. Vat. 13, n. 2974.
[147] Cf.
Bento XVI, Discurso aos homens de cultura no «Collège des Bernardins» de Paris
(12 de Setembro de 2008: AAS 100 (2008), 726.
[148] Propositio
46.
[149] Propositio
28.
[150] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 23.
[151] Em
todo o caso não se esqueça que, relativamente aos chamados Livros
Deuterocanónicos do Antigo Testamento e à sua inspiração, os católicos e os
ortodoxos não possuem exactamente o mesmo cânon bíblico que os anglicanos e os
protestantes.
[152] Cf.
Relatio post disceptationem, 36.
[153] Propositio
36.
[154] Cf.
Bento XVI, Discurso no XI Conselho Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo dos
Bispos (25 de Janeiro de 2007): AAS 99 (2007), 85-86.
[155] Conc.
Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, 21.
[156] Cf.
Propositio 36.
[157] Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 10.
[158] Carta
enc. Ut unum sint (25 de Maio de 1995), 44: AAS 87 (1995), 947.
[159] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 10
[160] Ibid., 10.
[161] Cf. ibid.,
24.
[162] Cf.
Propositio 22.
[163] São
Gregório Magno, Moralia in Job 24, 8, 16: PL 76, 295.
[164] Cf.
Santo Atanásio, Vita Antonii, II: PL 73, 127.
[165] Moralia,
Regula 80, 22: PG 31, 867.
[166] Regra
73, 3: SC 182, 672.
[167] Tomás
de Celano, Vita prima Sancti Francisci, IX, 22: Fontes franciscani, 356.
[168] Regra
I, 1-2: Fontes franciscani, 2750.
[169] Beato
Jordão da Saxónia, Libellus de principiis Ordinis Praedicatorum, 104: Monumenta
Fratrum Praedicatorum Historica, 16 (Roma 1935), p. 75.
[170] Ordem
dos Padres Pregadores, Primeiras Constituições ou Costumes, II, 31.
[171] Vida
40, 1.
[172] Cf.
História de uma alma, Manuscrito B, 3vº.
[173] Ibid.,
Manuscrito C, 35vº.
[174] In
Iohannis Evangelium Tractatus, I, 12: PL 35, 1385.
[175] Carta
enc. Veritatis splendor (6 de Agosto de 1993), 25: AAS 85 (1993), 1153.
[176] N. 8.
[177] Relatio
post disceptationem, 11.
[178] N. 1.
[179] Bento
XVI, Discurso no Congresso Internacional «A Sagrada Escritura na vida da
Igreja» (16 de Setembro de 2005): AAS 97 (2005), 956.
[180] Cf.
Relatio post disceptationem, 10.
[181] Mensagem
final, III, 6.
[182] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 24.
[183] Ibid.,
7.
[184] Ordenamento
das Leituras da Missa, 4.
[185] Ibid., 9.
[186] Ibid., 3;
cf. L c 4, 16-21; 24, 25-35.44-49.
[187] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 102.
[188] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 44-45: AAS 99 (2007), 139-141.
[189] Pont.
Comissão Bíblica, A interpretação da
Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), IV, C, 1: Ench. Vat. 13, n. 3123.
[190] Ibid.,
III, B, 3: o.c., n. 3056.
[191] Cf.
Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 48.51.56; Const. dogm.
sobre a Revelação divina Dei Verbum, 21.26; Decr. sobre a actividade
missionária da Igreja Ad gentes, 6.15; Decr. sobre o ministério e a vida dos
presbíteros Presbyterorum ordinis, 18; Decr. sobre a renovação da vida
religiosa Perfectae caritatis, 6. Na grande tradição da Igreja, aparecem expressões
significativas como: «Corpus Christi intelligitur etiam (…) Scriptura Dei – a
Escritura de Deus também se considera Corpo de Cristo»: Waltramus, De unitate
Ecclesiae conservanda, 1, 14 (ed. W. Schwenkenbecher, Hannoverae 1883), p. 33;
«A carne do Senhor é verdadeiro alimento, e o seu sangue verdadeira bebida; tal
é o verdadeiro bem que nos está reservado na vida presente: nutrirmo-nos da sua
carne e beber o seu sangue, não só na Eucaristia mas também na leitura da
Sagrada Escritura. De facto, verdadeiro alimento e verdadeira bebida é a
Palavra de Deus que se absorve do conhecimento das Escrituras»: São Jerónimo,
Commentarius in Ecclesiasten, III: PL 23, 1092 A.
[192] J.
Ratzinger (Bento XVI), Jesus de Nazaré (Lisboa 2007), 336.
[193] Ordenamento
das Leituras da Missa, 10.
[194] Ibidem.
[195] Cf.
Propositio 7.
[196] Carta
enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 13: AAS 91 (1999), 16.
[197] Cf.
Catecismo da Igreja Católica, 1373-1374.
[198] Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 7.
[199] In
Psalmum 147: CCL 78, 337-338.
[200] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 2.
[201] Cf.
Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 107-108.
[202] Ordenamento
das Leituras da Missa, 66.
[203] Propositio
16.
[204] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 45: AAS 99 (2007), 140-141.
[205] Cf.
Propositio 14.
[206] Cf.
Código de Direito Canónico, cân. 230-§2; 204-§1.
[207] Ordenamento
das Leituras da Missa, 55.
[208] Ibid., 8.
[209] N. 46: AAS
99 (2007), 141.
[210] Cf. Conc. Ecum. Vat. II,
Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 25.
[211] Propositio
15.
[212] Ibidem.
[213] Sermo
179, 1: PL 38, 966.
[214] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 93: AAS 99 (2007), 177.
[215] Congr.
para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Compendium Eucharisticum
(25 de Março de 2009), Cidade do Vaticano 2009.
[216] Epistula
52, 7: CSEL 54, 426-427.
[217] Propositio
8.
[218] Ritual
da Penitência. Preliminares, 17.
[219] Ibid.,
19.
[220] Propositio
8.
[221] Propositio
19.
[222] Princípios
e normas para a Liturgia das Horas, III, 15.
[223] Const.
sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 85.
[224] Cf.
Código de Direito Canónico, cânones 276-§ 3; 1174-§ 1.
[225] Cf.
Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cânones 377; 473-§§ 1 e 2/1º; 538-§
1; 881-§ 1.
[226] Ritual
Romano, Cerimonial das Bênçãos. Preliminares gerais, 21.
[227] Cf.
Propositio 18; Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia
Sacrosanctum Concilium, 35.
[228] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 75: AAS 99 (2007), 162-163.
[229] Ibid.,
75: o.c., 163.
[230] Congr.
para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Directório sobre Piedade
Popular e Liturgia. Princípios e Orientações (17 de Dezembro de 2001), 87:
Ench. Vat. 20, n. 2461.
[231] Cf.
Propositio 14.
[232] Cf.
Santo Inácio de Antioquia, Ad Ephesios, XV, 2: Patres Apostolici (ed. F. X.
Funk, Tubingae 1901), I, 224.
[233] Cf.
Santo Agostinho, Sermo 288, 5: PL 38, 1307; Sermo 120, 2: PL 38, 677.
[234] Ordenamento
Geral do Missal Romano, 56.
[235] Ibid.,
45; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum
Concilium, 30.
[236] Ordenamento
das Leituras da Missa, 13.
[237] Cf.
ibid., 17.
[238] Propositio
40.
[239] Cf.
Ordenamento Geral do Missal Romano, 309.
[240] Cf.
Propositio 14.
[241] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 69: AAS 99 (2007), 157.
[242] Cf.
Ordenamento Geral do Missal Romano, 57.
[243] Propositio
14.
[244] Veja-se
o cânon 36 do Sínodo de Hipona do ano de 393: DS 186.
[245] Cf.
João Paulo II, Carta ap. Vicesimus quintus annus (4 de Dezembro de 1988), 13:
AAS 81 (1989), 910; Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos,
Instr. sobre alguns aspectos que se devem observar e evitar em relação à
Santíssima Eucaristia Redemptionis sacramentum (25 de Março de 2004), 62: Ench.
Vat. 22, n. 2248.
[246] Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium,
116; Ordenamento Geral do Missal Romano, 41.
[247] Cf.
Propositio 14.
[248] Propositio
9.
[249] Epistula
30, 7: CSEL 54, 246.
[250] Idem,
Epistula 133, 13: CSEL 56, 260.
[251] Idem,
Epistula 107, 9.12: CSEL 55, 300.302.
[252] Idem,
Epistula 52, 7: CSEL 54, 426.
[253] João
Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 31: AAS 93
(2001), 287-288.
[254] Propositio
30; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum,
24.
[255] São
Jerónimo, Commentariorum in Isaiam libri, Prol.: PL 24, 17B.
[256] Propositio
21.
[257] Cf.
Propositio 23.
[258] Cf.
Congr. para o Clero, Directório Geral da Catequese (15 de Agosto de 1997),
94-96: Ench. Vat. 16, n. 875-878 João Paulo II, Exort. ap. Catechesi tradendae
(16 de Outubro de 1979), 27: AAS 71 (1979), 1298-1299.
[259] Congr.
para o Clero, Directório Geral da Catequese (15 de Agosto de 1997), 127: Ench.
Vat. 16, n. 935; cf. João Paulo II, Exort. ap. Catechesi tradendae (16 de
Outubro de 1979), 27: AAS 71 (1979), 1299.
[260] N.
128: Ench. Vat. 16, n. 936.
[261] Cf.
Propositio 33.
[262] Cf.
Propositio 45.
[263] Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 39-42.
[264] Propositio
31.
[265] N.
15: AAS 96 (2004), 846-847.
[266] N.
26: AAS 84 (1992), 698.
[267] Ibid.,
26: o.c., 698.
[268]
Bento XVI, Homilia na Missa Crismal (9 de Abril de 2009): AAS 101 (2009), 355.
[269] Ibid.:
o.c., 356.
[270]
Congr. para a Educação Católica, Normas fundamentais para a formação dos
diáconos permanentes (22 de Fevereiro de 1998), 11: Ench. Vat. 17, nn. 174-175.
[271] Ibid., 74:
o.c., 263.
[272] Cf. ibid.,
81: o.c., 271.
[273] Propositio
32.
[274] Cf.
João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de
1992), 47: AAS 84 (1992), 740-742.
[275] Propositio
24.
[276] Bento
XVI, Homilia no Dia Mundial da Vida Consagrada (2 de Fevereiro de 2008): AAS
100 (2008), 133; cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata (25
de Março de 1996), 82: AAS 88 (1996), 458-460.
[277] Congr.
para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica,
Instr. Recomeçar a partir de Cristo. Um renovado compromisso da vida consagrada
no terceiro milénio (19 de Maio de 2002), 24: Ench. Vat. 21, n. 447.
[278] Cf.
Propositio 24.
[279] São
Bento, Regra, IV, 21: SC 181, 456-458.
[280]
Bento XVI, Discurso durante a visita à Abadia de «Heiligenkreuz» (9 de Setembro
de 2007): AAS 99 (2007), 856.
[281] Cf.
Propositio 30.
[282] João
Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988),
17: AAS 81 (1989), 418.
[283] Cf.
Propositio 33.
[284] João
Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio (22 de Novembro de 1981), 49: AAS 74
(1982), 140-141.
[285] Propositio
20.
[286] Cf.
Propositio 21.
[287] Propositio
20.
[288] Cf.
Carta ap. Mulieris dignitatem (15 de Agosto de 1988), 31: AAS 80 (1988),
1727-1729.
[289] Propositio
17.
[290] Cf.
Propositiones 9 e 22.
[291] N.
25.
[292] Enarrationes
in Psalmos, 85, 7: PL 37, 1086.
[293] Orígenes,
Epistola ad Gregorium, 3: PG 11, 92.
[294] Bento
XVI, Discurso aos alunos do Seminário Maior Romano (19 de Fevereiro de 2007):
AAS 99 (2007), 253-254.
[295] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 66: AAS 99 (2007), 155-156.
[296] Mensagem
final, III, 9.
[297] Cf.
ibidem.
[298] «Plenaria
indulgentia conceditur christifideli qui Sacram Scripturam, iuxta textum a
competenti auctoritate adprobatum, cum veneratione divino eloquio debita et ad
modum lectionis spiritalis, per dimidiam saltem horam legerit; si per minus
tempus id egerit indulgentia erit partialis – Concede-se a indulgência plenária
ao fiel que ler a Sagrada Escritura, num texto aprovado pela autoridade
competente, com a devoção devida à palavra divina e a modo de leitura espiritual,
pelo menos meia hora; se a leitura durar menos tempo, a indulgência é parcial»:
Paenitentiaria Apostolica, Enchiridion Indulgentiarum. Normae et concessiones
(16 de Julho de 1999), concessão n. 30-§ 1.
[299] Cf.
Catecismo da Igreja Católica, 1471-1479.
[300] Paulo
VI, Const. ap. Indulgentiarum doctrina (1 de Janeiro de 1967), 9: AAS 59
(1967), 18-19.
[301] Cf.
Epistula 49, 3: PL 16, 1204A.
[302] Cf.
Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Directório sobre
Piedade Popular e Liturgia. Princípios e Orientações (17 de Dezembro de 2001),
197-202: Ench. Vat. 20, nn. 2638-2643.
[303] Cf.
Propositio 55.
[304] Cf.
João Paulo II, Carta ap. Rosarium Virginis Mariae (16 de Outubro de 2002): AAS
95 (2003), 5-36.
[305] Propositio
55.
[306] Cf.
Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Directório sobre
Piedade Popular e Liturgia. Princípios e Orientações (17 de Dezembro de 2001),
207: Ench. Vat. 20, nn. 2656-2657.
[307] Cf.
Propositio 51.
[308] Bento
XVI, Homilia na Santa Missa junto do Vale de Josafat, em Jerusalém (12 de Maio
de 2009): AAS 101 (2009), 473.
[309] Cf.
Epistula 108, 14: CSEL 55, 324-325.
[310] Adversus
haereses, IV, 20, 7: PG 7, 1037.
[311] Bento
XVI, Carta enc. Spe salvi (30 de Novembro de 2007), 31: AAS 99 (2007), 1010.
[312] Bento
XVI, Discurso aos homens de cultura no «Collège des Bernardins» de Paris (12 de
Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 730.
[313] Cf.
In Evangelium secundum Matthaeum 17, 7: PG 13, 1197B; S. Jerónimo, Translatio
homiliarum Origenis in Lucam 36: PL 26, 324-325.
[314] Cf.
Bento XVI, Homilia por ocasião da abertura da XII Assembleia Geral Ordinária do
Sínodo dos Bispos (5 de Outubro de 2008): AAS 100 (2008), 757.
[315] Propositio
38.
[316] Cf.
Congr. para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida
Apostólica, Instr. Recomeçar a partir de Cristo. Um renovado compromisso da
vida consagrada no terceiro milénio (19 de Maio de 2002), 36: Ench. Vat. 21,
nn. 488-491.
[317] Propositio
30.
[318] Cf.
Propositio 38.
[319] Cf.
Propositio 49.
[320] Cf.
João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990): AAS 83
(1991), 294-340; Idem, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001),
40: AAS 93 (2001), 294-295.
[321] Propositio
38.
[322] Cf.
Bento XVI, Homilia por ocasião da abertura da XII Assembleia Geral Ordinária do
Sínodo dos Bispos (5 de Outubro de 2008): AAS 100 (2008), 753-757.
[323] Propositio
38.
[324] Mensagem
final, IV, 12.
[325] Paulo
VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 22: AAS 68 (1976),
20.
[326] Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Decl. Dignitatis humanae, 2.7.
[327] Cf.
Propositio 39.
[328] Cf.
Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2009 (8 de Dezembro de
2008): Insegnamenti IV/2 (2008),
792-802.
[329] Exort.
ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 19: AAS 68 (1976), 18.
[330] Cf.
Propositio 39.
[331] João
XXIII, Carta enc. Pacem in terris (11 de Abril de 1963), I: AAS 55 (1963), 259.
[332] Cf.
João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 47: AAS 83
(1991), 851-852; Idem, Discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas (2 de
Outubro de 1979), 13: AAS 71 (1979), 1152-1153.
[333] Cf.
Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 152-159.
[334] Cf.
Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2007 (8 de Dezembro de 2006):
Insegnamenti, II/2 (2006), 780.
[335] Cf.
Propositio 8.
[336] Bento
XVI, Homilia (25 de Janeiro de 2009): Insegnamenti V/1 (2009), 141.
[337] Bento
XVI, Homilia por ocasião do encerramento da XII Assembleia Geral Ordinária do
Sínodo dos Bispos (26 de Outubro de 2008): AAS 100 (2008), 779.
[338] Propositio
11.
[339] Bento
XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 28: AAS 98 (2006),
240.
[340] De
doctrina christiana, I, 35, 39 – 36, 40: PL 34, 34.
[341] Cf.
Bento XVI, Mensagem para a XXI Jornada Mundial da Juventude em 2006 (22 de
Fevereiro de 2006): AAS 98 (2006), 282-286.
[342] Cf.
Propositio 34.
[343] Cf.
ibidem.
[344] Homilia
(24 de Abril de 2005): AAS 97 (2005), 712.
[345] Cf.
Propositio 38.
[346] Bento
XVI, Homilia por ocasião da XVII Jornada Mundial do Doente (11 de Fevereiro de
2009): Insegnamenti V/1 (2009), 232.
[347] Cf.
Propositio 35.
[348] Propositio
11.
[349] Cf.
Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 25: AAS 98
(2006), 236-237.
[350] Propositio
11.
[351] Bento
XVI, Homilia (1 de Janeiro de 2009): Insegnamenti V/1 (2009), 5.
[352] Propositio
54.
[353] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 92: AAS 99 (2007), 176-177.
[354] João
Paulo II, Discurso à UNESCO (2 de Junho de 1980), 6: AAS 72 (1980), 738.
[355] Cf.
Propositio 41.
[356] Cf.
ibidem.
[357] Cf.
João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 80: AAS 91
(1999), 67-68.
[358] Cf.
Lineamenta 23.
[359] Cf.
Propositio 40.
[360] Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre os instrumentos de comunicação social Inter
mirifica; Pont. Cons. para as Comunicações Sociais, Instr. past. Communio et
progressio sobre os instrumentos da comunicação social, publicada por
disposição do Concílio Ecuménico Vaticano II (23 de Maio de 1971): AAS 63
(1971) 593-656; João Paulo II, Carta ap. O rápido desenvolvimento (24 de
Janeiro de 2005): AAS 97 (2005) 265-274; Pont. Cons. para as Comunicações
Sociais, Instr. past. sobre as comunicações sociais no XX aniversário da
«Communio et progressio» Aetatis novae (22 de Fevereiro de 1992): AAS 84 (1992)
447-468; Idem, A Igreja e internet (22 de Fevereiro de 2002): Ench. Vat. 21,
nn. 66-95; Idem, Ética na internet (22 de Fevereiro de 2002): Ench. Vat. 21,
nn. 96-127.
[361] Cf.
Mensagem final IV, 11; Bento XVI, Mensagem para o XLIII Dia Mundial das
Comunicações Sociais (24 de Janeiro de 2009): Insegnamenti V/1 (2009), 123-127.
[362] Cf.
Propositio 44.
[363] João
Paulo II, Mensagem para o XXXVI Dia Mundial das Comunicações Sociais (24 de
Janeiro de 2002), 6: Insegnamenti XXV/1 (2002), 94-95.
[364] Cf.
Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 20: AAS 68 (1976),
18-19.
[365] Cf.
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de
2007), 78: AAS 99 (2007), 165.
[366] Cf.
Propositio 48.
[367] Pont.
Comissão Bíblica, A interpretação da
Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), IV, B: Ench. Vat. 13, nn. 3112.
[368] Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes,
22; Pont. Comissão Bíblica, A
interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), IV, B: Ench. Vat. 13,
nn. 3111-3117.
[369] João
Paulo II, Discurso aos Bispos do Quénia (7 de Maio de 1980), 6: AAS 72 (1980),
497.
[370] Cf.
Instrumentum laboris, 56.
[371] Pont.
Comissão Bíblica, A interpretação da
Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), IV, B: Ench. Vat. 13, n. 3113.
[372] Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 22.
[373] Cf.
Propositio 42.
[374] Cf.
Propositio 43.
[375] Bento
XVI, Homilia durante a Hora Tércia, no início da I Congregação Geral do Sínodo
dos Bispos (6 de Outubro de 2008): AAS 100 (2008), 760.
[376] De
entre as numerosas e diversificadas intervenções, recorde-se:João Paulo II,
Carta enc. Dominum et vivificantem (18 de Maio de 1986): AAS 78 (1986),
809-900; Idem, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990): AAS 83
(1991), 249-340; Idem, Discursos e homilias em Assis, por ocasião do Dia de Oração
pela Paz em 27 de Outubro de 1986: Insegnamenti, IX/2 (1986), 1249-1273; Idem,
Dia de Oração pela Paz no Mundo (24 de Janeiro de 2002): Insegnamenti XXV/1
(2002), 97-108; Congr. para a Doutrina da Fé, Decl. sobre a unicidade e
universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja Dominus Iesus (6 de Agosto
de 2000): AAS 92 (2000), 742-765.
[377] Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre as relações da Igreja com as religiões
não-cristãs Nostra aetate, 3.
[378] Cf.
Bento XVI, Discurso a Embaixadores dos países maioritariamente muçulmanos
acreditados junto da Santa Sé (25 de Setembro de 2006): AAS 98 (2006), 704-706.
[379] Cf.
Propositio 53.
[380] Cf.
Propositio 50.
[381] Ibidem.
[382] João
Paulo II, Discurso no encontro com os jovens muçulmanos em Casablanca
(Marrocos, 19 de Agosto de 1985), 5: AAS 78 (1986), 99.
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