DO
SANTO PADRE
PAULO
VI
PARA
A RETA ORDENAÇÃO
E
DESENVOLVIMENTO DO CULTO
À
BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA
INTRODUÇÃO
Veneráveis Irmãos, saúde e bênção apostólica.
Desde
quando fomos assumido para ocupar a Cátedra de Pedro, esforçamo-nos
constantemente por dar incremento ao culto mariano, não apenas com o intuito de
interpretar o sentir da Igreja e o nosso pendor pessoal, mas também porque ele,
como é sabido, se insere, qual parte nobilíssima, no contexto daquele culto
sagrado, em que vêm confluir a culminância da sapiência e o vértice da
religião, (1) e que, por conseguinte, é dever primário do Povo de Deus.
Tendo
em vista precisamente tal dever, nós procuramos secundar e encorajar sempre a
grande obra de reforma litúrgica, promovida pelo Concílio Ecumênico Vaticano
II; e até aconteceu, certamente não sem particular desígnio da divina
Providência, que o primeiro documento conciliar que nós, juntamente com os
veneráveis Padres, aprovamos e assinamos "in Spiritu Sancto", foi a
Constituição Sacrosanctum Concilium, a qual se propunha, exatamente, restaurar
e fomentar a Liturgia, tornando mais profícua a participação dos fiéis nos
sagrados mistérios (SC 1-3). E desde então para cá, muitos atos do nosso
Pontificado tiveram como finalidade promover uma melhoria do culto a Deus, como
o demonstra o fato de havermos promulgado, durante estes anos, numerosos livros
do Rito Romano, restaurados em conformidade com os princípios e as normas do
mesmo Concílio. Por isso, agradecemos profundamente ao Senhor, dador de todos
os bens, e estamos reconhecidos também às Conferências episcopais e a cada um dos
bispos, por haverem colaborado conosco, de diversas maneiras, na preparação de
tais livros.
Mas,
ao mesmo tempo que assim consideramos, com ânimo jubiloso e grato, o trabalho
já realizado e os primeiros resultados positivos da renovação no campo
litúrgico, destinados a multiplicar-se à medida que a reforma litúrgica for
sendo melhor compreendida nas suas motivações de fundo e corretamente aplicada,
a nossa solicitude vigilante não cessa de ir seguindo tudo aquilo que pode dar
realização ordenada à restauração do culto com o qual a Igreja, em espírito e
verdade (cf. Jo 4,24), adora o Pai, o Filho e o Espírito Santo, "venera
com particular amor Maria Santíssima, Mãe de Deus" (SC 103), e honra com
religioso obséquio a memória dos mártires e dos outros santos.
O
desenvolvimento, por nós auspiciado, da devoção para com a Virgem Maria,
inserida, conforme acima aludimos, no álveo do único culto que, com razão e
justeza, é chamado "cristão", pois de Cristo se origina e assume
eficácia, em Cristo encontra completa expressão e por meio de Cristo, no
Espírito, conduz ao Pai, é elemento qualificante da genuína piedade da Igreja.
Por uma necessidade íntima, de fato, essa piedade reflete, na prática cultual,
o plano redentor de Deus; pelo que, ao lugar singular que coube a Maria em tal
plano, corresponde também um culto singular para com ela (LG 66); como, ainda,
a todo o progresso autêntico do culto cristão segue-se necessariamente um
correto incremento da veneração para com a Mãe do Senhor. De resto, a história
da piedade demonstra que "as diversas formas de devoção para com a Mãe de
Deus, que a Igreja aprovou, dentro dos limites da doutrina sã e ortodoxa"
(LG 66) se desenvolvem em subordinação harmônica ao culto de Cristo, e gravitam
à volta deste, qual ponto de referência natural e necessário das mesmas. Também
na nossa época assim sucede. A reflexão da Igreja contemporânea, sobre o
mistério de Cristo e sobre a sua própria natureza, levou-a a encontrar, na base
do primeiro e como coroa da segunda, a mesma figura de mulher: a Virgem Maria,
precisamente, enquanto ela é Mãe de Cristo e Mãe da Igreja. E o acrescido conhecimento
da missão de Maria transmutou-se em veneração repassada de alegria, para com
ela, e em respeito de adoração para com o sapiente desígnio de Deus, que
colocou na sua família - a Igreja - como em todo e qualquer lar doméstico, a
figura de uma mulher, que, escondidamente e em espírito de serviço, vela pelo
seu bem e "benignamente" protege, na sua caminhada em direção à
Pátria, até que chegue o dia glorioso do Senhor".(2)
Nos
nossos tempos, as mudanças que se operaram nos costumes sociais, na sensibilidade
dos povos, nos modos de expressar-se da literatura e das artes e nas formas de
comunicação social, influíram também sobre as manifestações do sentimento
religioso. Certas práticas cultuais, que em tempos não distantes pareciam aptas
para exprimir o mesmo sentimento religioso dos indivíduos e das comunidades
cristãs, aparecem hoje como insuficientes e inadequadas, porque ligadas a
esquemas sócio-culturais do passado, ao mesmo tempo que, em muitas partes, se
vão buscando novas formas expressivas da imutável relação das criaturas com o
seu Criador, dos filhos com o seu Pai. Ora, isto pode provocar em alguns uma
desorientação momentânea; no entanto, quem com espírito confiante em Deus,
refletir sobre tais fenômenos, descobrirá que muitas tendências da piedade
contemporânea, a interiorização do sentimento religioso, por exemplo, estão
destinadas a concorrer para o progresso da mesma piedade cristã em geral, e da
piedade para com a Virgem Santíssima em particular. Deste modo, a nossa época,
no atender fielmente à tradição, e ao considerar atentamente os progressos da
teologia e das ciências, contribuirá para o louvor daquela, a quem, segundo as
suas proféticas palavras, haveriam de chamar bem-aventurada todas as gerações
(cf. Lc 1,48).
Julgamos
conforme ao nosso serviço apostólico, por conseguinte, tratar, como que
dialogando convosco, veneráveis Irmãos, alguns temas relativos ao lugar que a
bem-aventurada Virgem Maria ocupa no culto da Igreja. Esses temas já foram
tocados, em parte, pelo Concílio Vaticano II (LG 66-67; SC 103) e por nós
próprios; (3) mas não deixa de ter a sua utilidade voltar a eles, a fim de
dissipar dúvidas e, sobretudo, para favorecer o desenvolvimento daquela devoção
à Santíssima Virgem, que, na Igreja, vai colher as suas motivações na Palavra
de Deus e se exercita no Espírito de Cristo.
Quereríamos,
pois, deter-nos um pouco: a examinar, antes de mais, alguns pontos que dizem
respeito às relações entre a sagrada Liturgia e o culto da Virgem Santíssima
(I); a apresentar, em seguida, algumas considerações e diretrizes aptas para
favorecer o legítimo desenvolvimento do mesmo culto (II); a procurar sugerir,
por fim, algumas reflexões, para uma retomada vigorosa e mais consciente da
recitação do santo Rosário, prática que tanto foi recomendada pelos nossos
predecessores e se acha muito difundida entre o povo cristão (III).
I
PARTE
O
CULTO DA VIRGEM SANTÍSSIMA NA LITURGIA
1.
Ao dispor-nos a tratar do lugar que a bem-aventurada Virgem Maria ocupa no
culto cristão, devemos, em primeiro lugar, volver a nossa atenção para a
sagrada Liturgia; esta, efetivamente, para além de um rico conteúdo doutrinal,
possui uma incomparável eficácia pastoral e tem um bem reconhecido valor
exemplar para as outras formas de culto. Assim, quereríamos aqui, se isso nos
fosse possível, considerar as várias Liturgias do Oriente e do Ocidente; mas,
em ordem à finalidade do presente documento, limitar-nos-emos a examinar quase
exclusivamente os livros do Rito Romano; aliás, somente este foi objeto, em
seguimento das normas práticas emanadas no Concílio Vaticano II (SC 3), de uma
renovação profunda, também pelo que respeita às expressões de veneração para
com Maria; e exige, portanto, ser atentamente considerado e apreciado.
A.
A Virgem Santíssima na Liturgia romana restaurada
2.
A reforma da Liturgia romana pressupunha uma acurada restauração do Calendário
Geral. Este, organizado de molde a dispor em determinados dias, com o devido
relevo, a celebração da obra de Salvação, distribuindo ao longo do ano todo o
mistério de Cristo, desde a Encarnação até à expectativa da sua nova vinda
gloriosa (SC 102), permitiu que nele fosse inserida, de maneira mais orgânica e
com uma ligação mais íntima, a memória da Mãe, no ciclo anual dos mistérios do
Filho.
3.
Assim, no tempo do Advento a Liturgia, não apenas na altura da solenidade de 8
de dezembro, celebração, a um tempo, da Imaculada Conceição de Maria, da
preparação radical (cf. Is 11,1.10) para a vinda do Salvador e para o feliz
exórdio da Igreja sem mancha e sem ruga, (4) recorda com freqüência a
bem-aventurada Virgem Maria, sobretudo nas férias que vão de 17 a 24 de
dezembro; e, mais particularmente, no domingo que precede o Natal, quando faz
ecoar antigas palavras proféticas acerca da Virgem Mãe e acerca do Messias (5) e
lê episódios evangélicos relativos ao iminente nascimento de Cristo e do seu
Precursor.(6)
4.
Desta maneira, os fiéis que procuram viver com a Liturgia o espírito do
Advento, ao considerarem o amor inefável com que a Virgem Mãe esperou o
Filho,(7) serão levados a tomá-la como modelo e a prepararem-se, também eles,
para irem ao encontro do Salvador que vem, "bem vigilantes na oração e...
celebrando os seus divinos louvores".(8) Queremos observar, ainda, que a
Liturgia do Advento, conjugando a expectativa messiânica e a outra expectativa
da segunda vinda gloriosa de Cristo, com a admirável memória da Mãe, apresenta
um equilíbrio cultual muito acertado, que bem pode ser tomado como norma a fim
de impedir quaisquer tendências para separar, como algumas vezes sucedeu em
certas formas de piedade popular, o culto da Virgem Maria do seu necessário
ponto de referência: Cristo. Além disso, faz com que este período, como têm
vindo a observar os cultores da Liturgia, deva ser considerado como um tempo
particularmente adequado para o culto da Mãe do Senhor: orientação essa, que
nós confirmamos e auspiciamos ver aceita e seguida por toda a parte.
5.
O tempo do Natal constitui uma memória continuada da Maternidade divina,
virginal e "salvífica", daquela cuja "intemerata virgindade deu
a este mundo o Salvador".(9) Assim, na solenidade da Natividade do Senhor,
a Igreja, ao adorar o divino Salvador, venera também a sua gloriosa Mãe; na
Epifania do Senhor, ao mesmo tempo que celebra a vocação universal para a
salvação, contempla a Virgem Maria, verdadeira Sede da Sabedoria e verdadeira
Mãe do Rei, que apresenta à adoração dos Magos o Redentor de todas as gentes
(cf. Mt 2,11); e na festa da Sagrada Família, Jesus, Maria e José (Domingo
dentro da oitava da Natividade do Senhor), considera, venerável, a vida de
santidade que levam, na casa de Nazaré, Jesus, Filho de Deus e Filho do homem,
Maria, sua Mãe, e José, homem justo (cf. Mt 1,19).
No
ordenamento do período natalício, conforme foi recomposto, parece-nos que as
atenções de todos se devem voltar para a reatada solenidade de Santa Maria Mãe
de Deus. Esta, colocada como está, segundo o que aconselhava uso antigo da
Urbe, no dia 1° de janeiro, destina-se a celebrar a parte tida por Maria neste
mistério de salvação e, a exaltar a dignidade singular que daí advém para a
"santa Mãe..., pela qual recebemos... o Autor da vida";(10) é, além
disso, ocasião propícia para renovar a adoração ao recém-nascido "Príncipe
da Paz", para ouvir ainda uma vez o grato anúncio angélico (cf. Lc 2,14),
para implorar de Deus, tendo como medianeira a "Rainha da Paz", o dom
supremo da paz. Por isso, na feliz coincidência da Oitava do Natal do Senhor
com a data auspiciosa de 1° de janeiro, instituímos o Dia Mundial da Paz, que
vai recebendo crescentes adesões e já matura nos corações de muitos homens
frutos de paz.
6.
Às duas solenidades já recordadas, a Imaculada Conceição e a Maternidade
Divina, devem acrescentar-se ainda as antigas e venerandas celebrações de 25 de
março e de 15 de agosto.
Para
a solenidade da Encarnação do Verbo, no Calendário romano, com motivada
decisão, foi reatado o título antigo "Anunciação do Senhor"; no
entanto, a celebração era e continua a ser festa, conjuntamente, de Cristo e da
Virgem Maria: do Verbo que se torna "filho de Maria" (Mc 6,3) e da
Virgem que se torna Mãe de Deus. Relativamente a Cristo, o Oriente e o
Ocidente, nas inexauríveis riquezas das suas Liturgias, celebram tal solenidade
em memória do "fiat" "salvífico" do Verbo Encarnado, que ao
entrar no mundo disse: "Eis-me, eu venho... para fazer, ó Deus, a tua
vontade" (Hb 10,7; Sl 39,8-9); em comemoração do início da Redenção e da
indissolúvel e esponsal união da natureza divina com a humana na única Pessoa
do Verbo. Relativamente a Maria, por sua vez, é celebrada como festa da nova
Eva, virgem obediente e fiel, que, com o seu "fiat" generoso (cf. Lc
1,38), se torna, por obra do Espírito Santo, Mãe de Deus, mas ao mesmo tempo também,
Mãe dos viventes, e, ao acolher no seu seio o único Mediador (cf.1Tm 2,5),
verdadeira Arca da Aliança e verdadeiro Templo de Deus; ademais, em memória de
um momento culminante do diálogo de salvação entre Deus e o homem, e em
comemoração do livre consentimento da Santíssima Virgem e do seu concurso no
plano da Redenção.
A
solenidade de 15 de agosto celebra a gloriosa Assunção de Maria ao céu; festa
do seu destino de plenitude e de bem-aventurança, da glorificação da sua alma
imaculada e do seu corpo virginal, da sua perfeita configuração com Cristo
Ressuscitado. É uma festa, pois, que propõe à Igreja e à humanidade a imagem e
o consolante penhor do realizar-se da sua esperança final: que é essa mesma
glorificação plena, destino de todos aqueles que Cristo fez irmãos, ao ter como
eles "em comum o sangue e a carne" (Hb 2,14; cf. Gl 4,4). A
solenidade da Assunção tem um prolongamento festivo na celebração da Realeza da
bem-aventurada Virgem Maria, que ocorre oito dias mais tarde, e na qual se
contempla aquela que, sentada ao lado do Rei dos Séculos, resplandece como
Rainha e intercede como Mãe.(11) Quatro solenidades, portanto, que acentuam com
o máximo grau litúrgico as principais verdades dogmáticas que se referem à
humilde Serva do Senhor.
7.
Além destas solenidades, devem ser consideradas também, antes de mais, aquelas
celebrações que comemoram eventos "salvíficos", em que a Virgem Maria
esteve intimamente associada ao Filho, como são as seguintes festas: a da
Natividade de Maria (8 de setembro), "que constituiu para o mundo inteiro
motivo de esperança e aurora da salvação"; (12) a da Visitação (31 de
maio), em que a Liturgia recorda a "bem-aventurada Virgem Maria... que
leva em seu seio o Filho",(13) e que vai a casa de Isabel para lhe prestar
o auxílio da sua caridade e proclamar a misericórdia de Deus Salvador; (14) ou,
ainda, a memória de Nossa Senhora das Dores (15 de setembro), ocasião propícia
para se reviver um momento decisivo da história da Salvação, e para venerar,
juntamente com o Filho "exaltado na cruz, a Mãe que com Ele compartilha o
sofrimento".(15)
Igualmente
a festa que se celebra a 2 de fevereiro, à qual foi restituída a denominação de
"Apresentação do Senhor", deve ser considerada, a fim de que se possa
captar plenamente o seu riquíssimo conteúdo; nela se evoca, de fato, a memória,
ao mesmo tempo, do Filho e da Mãe; quer dizer, é a celebração de um mistério da
Salvação operado por Cristo, em que a Virgem Santíssima esteve a Ele
intimamente unida, como Mãe do Servo sofredor de Javé e como executora de uma
missão respeitante ao antigo Israel, e, ainda, qual exemplar do novo Povo de
Deus, constantemente provado na fé e na esperança, pelo sofrimento e pela
perseguição (cf. Lc 2,21-35).
8.
Se é verdade que o Calendário romano põe em realce sobretudo as celebrações
acima recordadas, ele enumera todavia outros tipos de memórias, ou festas:
umas, ligadas a motivos de culto local, mas que alcançaram um âmbito mais vasto
e um interesse mais vivo (11 de fevereiro: Nossa Senhora de Lourdes; 5 de agosto:
Dedicação da Basílica de Santa Maria Maior em Roma); outras originariamente
celebradas por Famílias religiosas particulares, mas que hoje em dia, dada a
difusão que obtiveram, podem dizer-se verdadeiramente eclesiais (16 de julho:
Nossa Senhora do Monte Carmelo; 7 de outubro: Nossa Senhora do Rosário); e
outras, enfim, que, por detrás do que têm de apócrifo, propõem conteúdos de
elevado valor exemplar e continuam veneráveis tradições, radicadas sobretudo no
Oriente (21 de novembro: Apresentação de Nossa Senhora), ou então, exprimem
orientações que surgiram na piedade contemporânea (sábado após o segundo
Domingo depois de Pentecostes: Imaculado Coração da bem-aventurada Virgem
Maria).
9.
Não se deve esquecer, por outro lado, que o Calendário romano geral não regista
todas as celebrações de conteúdo mariano: é aos Calendários particulares que
compete recolher, com fidelidade as normas litúrgicas mas também com cordial
adesão, as festas marianas próprias das diversas Igrejas locais. E falta ainda
acenar à possibilidade de uma comemoração litúrgica freqüente da Virgem
Santíssima, mediante o recurso à memória de Santa Maria "in Sabbato":
memória antiga e discreta, que a flexibilidade do Calendário atual e a
multiplicidade de formulários do Missal tornam extremamente fácil e variada.
10.
Não é nossa intenção, nesta Exortação Apostólica, considerar todo o conteúdo do
novo Missal Romano; no entanto, para aquela tentativa de apreciação que nos
propusemos fazer, pelo que se refere aos livros restaurados do Rito romano,(16)
desejamos salientar alguns dos seus aspectos e temas. E apraz-nos realçar,
antes de mais nada, como as Preces Eucarísticas, em convergência admirável com
as Liturgias orientais(17) contêm uma significativa memória da bem-aventurada
Virgem Maria. Assim, o vetusto Cânon romano, que comemora a Mãe do Senhor, em
termos densos de doutrina e de fervor cultual: "Unidos na mesma comunhão,
veneramos primeiramente a memória da gloriosa sempre Virgem Maria, Mãe do Nosso
Deus e Senhor, Jesus Cristo"; de igual modo, a recente Prece Eucarística
III, que exprime com intensa súplica o desejo dos que oram, de compartilhar com
a Mãe a herança de filhos: Que Ele "faça de nós uma oferenda perfeita para
alcançarmos a vida eterna, com os vossos santos: a Virgem Maria Mãe de
Deus". Uma tal evocação cotidiana, pelo lugar em que foi colocada, no
coração do Sacrifício divino, deve ser considerada forma particularmente
expressiva do culto que a Igreja tributa à "Bendita do Altíssimo"
(cf. Lc 1,28).
11.
Ao percorrermos, depois, os textos do Missal reformado, vemos que os grandes
temas marianos do eucológio romano, como a conceição imaculada, a virgindade
integérrima e fecunda, o templo do Espírito Santo, a cooperação na obra do
Filho, a santidade exemplar, a intercessão misericordiosa, a assunção ao céu, a
realeza materna, e outros mais, foram aí recolhidos em perfeita continuidade
doutrinal com o passado; vemos, ainda, que outros temas, novos num certo
sentido, foram aí introduzidos com análoga aderência perfeita aos desenvolvimentos
teológicos do nosso tempo. Assim, por exemplo, o tema Maria-Igreja foi inserido
nos textos do Missal com variedade de aspectos, do mesmo modo que variadas e
multíplices são também as relações que se verificam entre a Mãe de Cristo e a
Igreja. Esses textos, na verdade, entrevêem na Conceição sem mácula da Virgem
Maria o exórdio da Igreja, também ela, "Esposa sem mancha" de
Cristo;(18) na Assunção reconhecem o início já realizado e a imagem daquilo
que, para a Igreja inteira, deve realizar-se ainda; (l9) no mistério da
Maternidade confessam ser ela Mãe da Cabeça e dos membros: Santa Mãe de Deus,
pois, e próvida Mãe da Igreja.(20)
Quando
a Liturgia, depois, volve o seu olhar quer para a Igreja primitiva, quer para a
contemporânea, aí encontra, amiúde e sem esforço, Maria: nos primórdios, como
presença orante, juntamente com os Apóstolos;(21) mais proximamente, como
presença operante, juntamente com a qual a Igreja quer viver o mistério de
Cristo: "Dai à vossa Igreja, unida a Maria na paixão de Cristo, participar
da ressurreição do Senhor";(22) além disso, como voz de louvor, juntamente
com a qual quer glorifïcar a Deus: "...fazei-nos dóceis ao Espírito Santo,
para cantar com ela o vosso louvor";(23) e dado que a mesma Liturgia é um
culto que exige um modo de proceder na vida coerente, nela se implora poderem
os féis traduzir o culto à Virgem Maria, num amor bem concreto e sofrido pela
Igreja, como admiravelmente propõe, a oração após a comunhão da festa de 15 de
setembro: "...que, recordando as dores de Nossa Senhora, completemos em
nós, para o bem da Igreja, o que falta à paixão do Cristo".
12.
O "Ordo Lectionum Missae" (Lecionário) é um dos livros do Rito romano
que muito beneficiou com a reforma feita após o Concílio, tanto pelo número dos
textos que aí foram acrescentados, como pelo valor intrínseco dos mesmos:
trata-se efetivamente de textos em que se contém a Palavra de Deus, sempre viva
e eficaz (cf. Hb 4,12). Esta exuberância de leituras bíblicas permitiu que se
expusesse, num ordenado ciclo trienal, toda a história da Salvação, e que se
apresentasse de uma forma mais completa o mistério de Cristo. Daí resultou,
como conseqüência lógica, que o Lecionário contém um número maior de passagens
do Antigo e do Novo Testamento, respeitantes a bem-aventurada Virgem Maria;
aumento numérico, este, não avulso, todavia, de uma crítica serena, porque
foram coligidas unicamente aquelas leituras que, ou pela evidência do seu
conteúdo, ou pelas indicações de uma exegese acurada e bem apoiada pelos
ensinamentos do Magistério ou por uma sólida tradição, podem considerar-se, se
bem que de modo e em grau diferente, de caráter mariano. Importa observar, além
disto, que estas leituras não se encontram apenas na altura das festas da
Santíssima Virgem, mas são proclamadas em muitas outras ocasiões; assim sucede
nalguns domingos, ao longo do ano litúrgico,(24) e nas celebrações de ritos que
interessam profundamente a vida sacramental do cristão e as suas opções, (25)
bem como os momentos alegres ou penosos de sua existência.(26)
13.
Também o reestruturado livro do "Officium laudis", a Liturgia das
Horas, encerra preclaros testemunhos de piedade para com a Mãe do Senhor: nas
composições dos hinos, entre as quais não faltam algumas obras-primas da
literatura universal, como por exemplo, a sublime oração de Dante Alighieri à
Virgem Maria;(27) depois, nas antífonas com que se conclui a recitação
cotidiana do ofício, implorações cheias de lirismo, às quais se acrescentou o
celebre tropário "Sub tuum praesidium", venerando pela sua
antigüidade e admirável pelo seu conteúdo; nas preces colocadas no final de
Laudes e Vésperas, em que não é raro encontrar-se o confiante recurso a Mãe de
misericórdia; na seleção vastíssima, enfim, de páginas marianas, devidas à pena
de Autores que viveram nos primeiros séculos do Cristianismo, na Idade Média e
na Idade Moderna.
14.
Se no Missal, no Lecionário e na Liturgia das Horas, que são os eixos da oração
litúrgica romana, a memória da Virgem Maria se repete com ritmo freqüente,
também nos demais livros litúrgicos reformados não faltam as expressões de amor
e de suplicante veneração para com a "Theotocos" (= Mãe de Deus).
Deste modo, pode ver-se que a Igreja a invoca, Mãe da graça, antes de imergir
os candidatos nas águas salutares do Batismo,(28) implora a sua intercessão
para aquelas mães que, reconhecidas pelo dom da maternidade, se apresentam com
alegria no templo; (29) aponta-a como exemplo aos seus membros que abraçam a
seqüela de Cristo na vida religiosa(30) ou recebem a consagração virginal, (31)
e para eles invoca o seu auxílio maternal; (32) a ela dirige instante súplica
em favor dos filhos que chegaram à hora do passamento;(33) dela solicita a
intervenção em prol daqueles que fechados os olhos para a luz temporal,
compareceram perante Cristo, Luz eterna, (34) e, enfim, suplica, pela sua
intercessão, conforto para aqueles que, mergulhados na dor, choram, com fé, a
partida dos próprios entes queridos. (35)
15.
Este breve exame dos livros litúrgicos restaurados leva-nos a uma confortante
comprovação: a reforma pós-conciliar, como já figurava entre os votos do
Movimento Litúrgico, considerou a Virgem Maria com uma perspectiva adequada no
mistério de Cristo; e, em sintonia com a tradição, reconheceu-lhe o lugar
singular que lhe compete no culto cristão, qual Santa Mãe de Deus e enquanto
alma cooperadora do Redentor. Nem podia ser de outra maneira. Ao percorrermos,
ainda uma vez, a história do culto cristão, podemos notar que, tanto no Oriente
como no Ocidente, as expressões mais altas e mais límpidas da piedade para com
a bem-aventurada Virgem Maria floresceram no âmbito da Liturgia, ou então nela
foram incorporadas.
Desejamos
acentuar bem isto: o culto que a Igreja universal tributa hoje à Santíssima
Virgem é derivação, prolongamento e acréscimo incessante daquele mesmo culto
que a Igreja de todos os tempos lhe rendeu, com escrupuloso estudo da verdade e
com uma sempre vigilante nobreza de formas. Da tradição perene, viva, em
virtude da presença ininterrupta do Espírito e do contínuo dar ouvidos à
Palavra, a Igreja do nosso tempo extrai motivações, argumentos e estímulo para
o culto que presta à bem-aventurada Virgem Maria. E a própria Liturgia, que
recebe do Magistério aprovação e alento, é expressão altíssima e documento
probatório dessa mesma tradição viva.
B.
A Virgem Maria, modelo da Igreja no exercício do culto
16.
Queremos, agora, seguindo algumas indicações da doutrina conciliar acerca de
Maria e da Igreja, aprofundar um aspecto particular das relações que se
verificam entre Maria e a Liturgia, ou seja: Maria como exemplar da atitude
espiritual com que a Igreja celebra e vive os divinos mistérios. A exemplaridade
da bem-aventurada Virgem Maria, neste campo, é conseqüência do fato de ela ser
reconhecida como modelo excelentíssimo da Igreja, na ordem da fé, da caridade e
da perfeita união com Cristo (LG 63), isto é, daquelas disposições interiores
com que a mesma Igreja, Esposa amadíssima, intimamente associada ao seu Senhor,
O invoca e, por meio d'Ele presta o culto ao eterno Pai (SC 7).
17.
Maria é a Virgem que sabe ouvir, que acolhe a palavra de Deus com fé; fé, que
foi para ela prelúdio e caminho para a maternidade divina, pois, como intuiu
Santo Agostinho, "a bem-aventurada Maria, acreditando, deu à luz Aquele
(Jesus) que, acreditando, concebera" (Sermo 215, 4; PL 38,1074); na
verdade, recebida do Anjo a resposta à sua dúvida (cf. Lc 1,34-37), "Ela,
cheia de fé e concebendo Cristo na sua mente, antes de o conceber no seu seio,
disse: "Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra"
(Lc 1,38 - ibid.); fé, ainda, que foi para Ela motivo de beatitude e de
segurança no cumprimento da promessa: "Feliz aquela que creu, pois o que
lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido" (Lc 1,45); fé, enfim, com a
qual ela, protagonista e testemunha singular da Encarnação, reconsiderava os
acontecimentos da infância de Cristo, confrontando-os entre si, no íntimo do seu
coração (cf. Lc 2,19.51). É isto que também a Igreja faz; na sagrada Liturgia,
sobretudo, ela escuta com fé, acolhe, proclama e venera a Palavra de Deus,
distribui-a aos fiéis como pão de vida (DV 21), à luz da mesma, perscruta os
sinais dos tempos, interpreta e vive os acontecimentos da história.
18.
Maria é, além disso, a Virgem dada à oração. Assim nos aparece ela, de fato, na
visita à mãe do Precursor, quando o seu espírito se efunde em expressões de
glorificação a Deus, de humildade, de fé e de esperança: tal é o
"Magnificat" (cf. Lc 1,46-55), a oração por excelência de Maria, o
cântico dos tempos messiânicos no qual confluem a exultação do antigo e do novo
Israel, pois, conforme parece querer sugerir Santo Ireneu, no cântico de Maria
convergiu o júbilo de Abraão, que pressentia o Messias (cf: Jo 8,56) (36) e
ressoou, profeticamente antecipada, a voz da Igreja: "exultante, Maria
clamava, em lugar da Igreja, profetizando: a minha alma glorifica o
Senhor...".(37) Este cântico da Virgem Santíssima, na verdade,
prolongando-se, tornou-se oração da Igreja inteira, em todos os tempos.
Virgem
em oração aparece Maria, também, em Caná, onde, ao manifestar ao Filho, com
imploração delicada, uma necessidade temporal, obteve também um efeito de
graça: que Jesus, ao realizar o primeiro dos seus "sinais",
confirmasse os discípulos na fé n'Ele (cf. Jo 2,1 12). Por fim, ainda a última
passagem biográfica relativa a Maria no-la descreve orante: os Apóstolos
"perseveravam unânimes na oração, com algumas mulheres, entre as quais
Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos dele" (At 1,14). Presença orante de
Maria na Igreja nascente, pois, e na Igreja de todos os tempos; porque ela,
assumida ao céu, não depôs a sua missão de intercessão e de salvação (LG 62).
Virgem
dada à oração e também a Igreja, a qual todos os dias apresenta ao Pai as
necessidade dos seus filhos, e "louva o Senhor sem cessar e intercede pela
salvação de todo o mundo" (SC 83).
19.
Maria é, depois, a Virgem Mãe, isto é, aquela que "pela sua fé e
obediência, gerou na terra o próprio Filho de Deus Pai, sem ter conhecido
varão, por obra e graça do Espírito Santo" (LG 63). Maternidade
prodigiosa, constituída por Deus protótipo e modelo da fecundidade da
Virgem-Igreja a, a qual, por sua vez,
"se torna também mãe, dado que, com a pregação e com o batismo gera para
vida nova e imortal "os alhos concebidos por ação do Espírito Santo e
nascidos de Deus" (LG 64).
Com
justeza, portanto, os antigos Padres ensinavam que a Igreja prolonga no
sacramento do Batismo a maternidade virginal de Maria. De entre os testemunhos
destes Padres, apraz-nos recordar o do nosso predecessor, São Leão Magno, que,
numa homilia natalícia, afirmava: "A origem que (Cristo) assumiu no seio
da Virgem (Maria), coloca-a Ele na fonte do batismo: conferiu à água aquilo que
deu à Mãe; com efeito, a virtude do Altíssimo e a sombra do Espírito Santo (cf.
Lc 1,35), que fizeram com que Maria desse à luz o Salvador, são o mesmo que faz
com que a ablução regenere aquele que crê".(38) E se quisermos referir
ainda fontes litúrgicas, poderemos citar a bela illatio da Liturgia hispânica:
"Aquela (Maria) trouxe no seu seio a Vida; esta (Igreja) a traz no lavacro
batismal. Nos membros daquela Cristo foi plasmado; nas águas desta Cristo foi
revestido".(39)
20.
Maria é, enfim, a Virgem oferente. No episódio da apresentação de Jesus no
Templo (cf. Lc 2,22-35), a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, descobriu, para
além do cumprimento das leis respeitantes a oblação do primogênito (cf. Ex
13,11-16) e à purificação da mãe (cf. Lv 12,68), um mistério
"salvífico" relativo à história da Salvação, precisamente: e em tal
mistério realçou a continuidade da oferta fundamental que o Verbo encarnado fez
ao Pai, ao entrar no mundo (cf. Hb 10,5-7); viu nele proclamada a universalidade
da Salvação, porque Simeão, ao saudar no menino a luz para iluminar as nações e
a glória de Israel (cf. Lc 2,32), reconhecia n'Ele o Messias, o Salvador de
todos; entendeu aí uma referência profética à Paixão de Cristo: é que as
palavras de Simeão, as quais uniam num único vaticínio o Filho, "sinal de
contradição" (Lc 2,34), e a Mãe, a quem a espada haveria de trespassar a
alma (cf. Lc 2,35), verificaram-se no Calvário. Mistério de salvação, portanto,
que nos seus vários aspectos, orienta o episódio da apresentação no Templo para
o acontecimento "salvífico" da Cruz.
Mas
a mesma Igreja, sobretudo a partir dos séculos da Idade Média, entreviu no
coração da Virgem Maria, que leva o Filho a Jerusalém "para o oferecer ao
Senhor" (cf. Lc 2,22), uma vontade oblativa, que transcendia o sentido
ordinário do rito. Dessa intuição temos um testemunho na afetuosa apóstrofe de
São Bernardo: "Oferece, Virgem santa, o teu Filho e apresenta ao Senhor o
fruto bendito do teu ventre. Sim! Oferece a hóstia santa e agradável a Deus,
para reconciliação de todos nós!"(40)
Esta
união da Mãe com o Filho na obra da Redenção (LG 57) alcança o ponto culminante
no Calvário, onde Cristo "se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem
mancha" (Hb 9,14), e onde Maria esteve de pé, junto à Cruz (cf. Jo 19,25),
"sofrendo profundamente com o seu Unigênito e associando-se com ânimo
maternal ao seu sacrifício, consentindo amorosamente na imolação da vítima que
ela havia gerado" (LG 58), e oferecendo-a também ela ao eterno Pai.(41)
Para perpetuar ao longo dos séculos o Sacrifício da Cruz, o divino Salvador
instituiu o Sacrifício eucarístico, memorial da sua Morte e Ressurreição, e
confiou-o à Igreja, sua Esposa (SC 47), a qual sobretudo ao domingo, convoca os
fiéis para celebrar a Páscoa do Senhor, até que Ele torne (SC 102 e 106): o que
a mesma Igreja faz em comunhão com os Santos do céu e, em primeiro lugar, com a
bem-aventurada Virgem Maria,(42) de quem imita a caridade ardente e a fé
inabalável.
21.
Exemplar de toda a Igreja, no exercício do culto divino, Maria é também,
evidentemente, mestra de vida espiritual para cada um dos cristãos. Assim, bem
cedo os fiéis começaram a olhar para Maria, a fim de, como ela, fazerem da
própria vida um culto a Deus, e do seu culto um compromisso vital. Já no século
IV Santo Ambrósio, ao falar aos féis, lhes auspiciava que em cada um deles
houvesse a alma de Maria, para glorificarem a Deus: "Que em cada um de vós
haja a alma de Maria para bendizer o Senhor; e em cada um de vós esteja o seu
espírito, para exultar em Deus!". (43)
Mas
Maria é modelo, sobretudo, daquele culto que consiste em fazer da própria vida
uma oferenda a Deus: doutrina antiga e perene, esta, que cada um de nós pode
ouvir repetir, se prestar atenção aos ensinamentos da Igreja; mas que poderá
entrever também, se der ouvidos à palavra da mesma Virgem Santíssima, quando
ela, antecipando em si a estupenda petição da Oração Dominical, "seja
feita a vossa vontade" (Mt 6,10), respondeu ao mensageiro de Deus:
"Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc
1,38). E o "sim" de Maria é para todos os cristãos lição e exemplo,
para fazerem da obediência à vontade do Pai o caminho e o meio da própria
santificação.
22.
É importante, ainda, observar bem como a Igreja procura traduzir as multíplices
relações que a unem a Maria, em outras tantas atitudes culturais, diversas e
eficazes: em veneração profunda, quando reflete na dignidade singular da Virgem
Santíssima, que, por obra do Espírito Santo, se tornou Mãe do Verbo Encarnado;
em amor ardente, quando considera a maternidade espiritual de Maria para com
todos os membros do Corpo Místico; em invocação confiante, quando experimenta a
necessidade de intercessão da sua advogada e auxiliadora (LG 62); em serviço
amoroso, quando descobre na humilde Serva do Senhor a Rainha da misericórdia e
a mãe da graça; em imitação operosa, quando contempla a santidade e as virtudes
da "cheia de graça" (Lc 1,28); em admiração comovida, quando vê nela,
"como em imagem puríssima, o que ela, toda ela, deseja e espera com
alegria ser" (SC 103); em estudo atento, quando vislumbra na cooperadora
do Redentor, já a participar plenamente dos frutos do Mistério Pascal, a
realização profética do seu futuro pela qual anela, até ao dia em que
purificada de qualquer mancha ou ruga (cf. Ef 2,27), se tornará como uma esposa
adornada para o seu esposo, Jesus Cristo (cf. Ap 21,2).
23.
Após havermos considerado, assim, Irmãos caríssimos, a veneração que a tradição
litúrgica da Igreja universal e o Rito romano renovado exprimem para com a
Santa Mãe de Deus, se nos lembrarmos, depois, que a Liturgia, pelo seu
proeminente valor cultual, constitui uma norma de ouro para a piedade cristã e
se observarmos, ainda, que a Igreja, quando celebra os sagrados mistérios,
assume uma atitude de fé e de amor semelhante à da Virgem Santíssima poderemos
compreender quão justa é a exortação do Concílio Vaticano II a todos os filhos
da Igreja, "para que promovam generosamente o culto, especialmente
litúrgico, à bem-aventurada Virgem Maria" (LG 67). Exortação esta, que
desejaríamos ver, por toda a parte, acatada sem reservas e posta em prática com
zelo.
II
PARTE
PARA
A RENOVAÇÃO DA PIEDADE MARIANA
24.
O mesmo Concílio Vaticano II, no entanto, exorta a que, ao lado do culto
litúrgico, se promovam outras formas de piedade, sobretudo aquelas que têm sido
recomendadas pelo Magistério (LG 67). Como é bem conhecido, a veneração dos
fiéis para com a Mãe de Deus tem revestido, de fato, formas multíplices, de
acordo com as circunstâncias de lugar e de tempo, com a diversa sensibilidade
dos povos e com as suas diferentes tradições culturais. Disso resulta que,
sujeitas ao desgaste do tempo, essas formas em que se expressa a piedade se apresentem
necessitadas de renovação, que dê azo a nelas serem substituídos os elementos
caducos, a serem valorizados os perenes, e a serem incorporados os dados
doutrinais adquiridos pela reflexão teológica e propostos pelo Magistério
eclesiástico.
Ora,
isto põe em evidência a necessidade de as Conferências episcopais, as Igrejas
locais, as famílias religiosas e as comunidades de fiéis favorecerem uma
genuína atividade criadora e procederem, simultaneamente, a uma diligente
revisão dos exercícios de piedade para com a Virgem Santíssima. Desejaríamos,
entretanto, que tal revisão se processasse no respeito pela sã tradição e com
abertura para receber as legítimas instâncias dos homens do nosso tempo. Por
conseguinte, parece-nos oportuno, veneráveis Irmãos, passar a indicar-vos
alguns princípios segundo os quais importa agir neste campo.
A.
Nota trinitária, cristológica e eclesial no culto da Virgem Maria
25.
É da máxima conveniência, antes de mais nada, que os exercícios de piedade para
com a Virgem Maria exprimam, de maneira clara, a característica trinitária e
cristológica que lhes é intrínseca e essencial. O culto cristão, de fato, é por
sua natureza culto ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, ou, conforme se
expressa a Liturgia, ao Pai por Cristo no Espírito. Nesta perspectiva, torna-se
ele extensivo, legitimamente, se bem que de maneira substancialmente diversa,
em primeiro lugar e de modo singular, à Mãe do Senhor, e depois aos Santos, nos
quais a Igreja proclama o Mistério Pascal, por isso mesmo que eles sofreram com
Cristo e com Ele foram glorificados (SC 104).
Na
Virgem Maria, de fato, tudo é relativo a Cristo e dependente d'Ele: foi em
vista d'Ele que Deus Pai, desde toda a eternidade, a escolheu Mãe toda santa e
a plenificou com dons do Espírito a ninguém mais concedidos. A genuína piedade
cristã, certamente, nunca deixou de pôr em realce essa ligação indissolúvel e a
essencial referência da Virgem Maria ao divino Salvador (LG 66). Parece-nos,
contudo, sobremaneira conforme com uma certa linha espiritual seguida na nossa
época, dominada e absorvida pela "questão de Cristo", (44) que nas
expressões do culto à Virgem Maria se dê um relevo especial ao aspecto
cristológico e se envidem esforços no sentido de elas refletirem o plano de
Deus, o qual preestabeleceu "com um só e mesmo decreto a origem de Maria e
da Encarnação da divina Sapiência". (45) Isto concorrerá, sem dúvida, para
tornar mais sólida a piedade para com a Mãe de Jesus e fazer dela um
instrumento eficaz para que alcancemos todos "o pleno conhecimento do
Filho de Deus, o estado de Homem perfeito, a medida da plena estatura da
plenitude de Cristo" (Ef 4,13). Por outro lado, contribuirá isso também
para aumentar o culto devido ao mesmo Cristo, porque, segundo o sentir perene
da Igreja, reforçado autorizadamente nos nossos dias (LG 66), "é referido
ao Senhor aquilo com que se procura agradar a Serva; desse modo, redunda em
prol do Filho aquilo mesmo que é devido à Mãe... De tal sorte, transfere-se
para o Rei aquela honra que, em humilde tributo, se presta à Rainha".(46)
26.
Depois de assim aludirmos à orientação cristológica do culto a Virgem
Santíssima, parece-nos útil, em seguida, fazer aqui uma chamada à atenção para
a oportunidade de se dar, nesse mesmo culto, o adequado realce a outro dos dados
essenciais da fé: a pessoa e a obra do Espírito Santo.
A
reflexão teológica e a Liturgia têm vindo a salientar, de fato, que a
intervenção santificadora do Espírito no caso da Virgem de Nazaré foi um
momento culminante da sua ação na história de Salvação. Assim, por exemplo,
alguns Santos Padres e escritores eclesiásticos atribuíram à obra do Espírito a
santidade original de Maria, por ele "como que plasmada e tornada uma nova
criatura".(47) E, refletindo, depois, sobre os textos evangélicos:
"Virá sobre ti o Espírito Santo e a potência do Altíssimo te
recobrirá" (Lc 1,35), e "Maria... achou-se que tinha concebido por
obra do Espírito Santo"; (...) "é obra do Espírito Santo o que nela
se gerou" (Mt 1,18.20), descobriram eles em tal intervenção do Espírito
uma ação que consagrou e tornou fecunda a virgindade de Maria (48) e a
transformou em Palácio do Rei ou Tálamo do Verbo, (49) em Templo ou Tabernáculo
do Senhor (50) e em Arca da Aliança ou da Santificação(51) títulos ricos de
ressonâncias bíblicas. E, ao aprofundarem mais o mistério da Encarnação, viram
na misteriosa relação Espírito Santo-Maria um aspecto esponsal, poeticamente
descrito por Prudêncio, nestes termos: "a Virgem não-casada desposa o
Espírito";(52) e chamaram-lhe, ainda, Santuário do Espírito Santo (53)
expressão que frisa bem o caráter sagrado da Virgem Maria, que se torna
habitação permanente do mesmo Espírito de Deus. Depois, penetrando mais na
doutrina do Paráclito, perceberam que d'Ele, como de uma fonte, brotou a
plenitude de graça (cf. Lc 1,28) e a abundância dos dons que a exornavam.
Ao
Espírito Santo, por conseguinte, atribuíam a fé, a esperança e a caridade que
animaram o coração da Virgem Santíssima, bem como a força que manteve a sua
adesão à vontade de Deus e o vigor em que se apoiou a sua "compaixão"
aos pés da Cruz (54) Anotaram também no cântico profético de Maria (cf. Lc
1,46-55) um particular influxo daquele mesmo Espírito que havia falado pela
boca dos profetas.(55) E, ao considerarem, enfim a presença da Mãe de Jesus no
Cenáculo, onde o Espírito desceu sobre a Igreja nascente (cf: At
1,12-14;2,1-4), enriqueceram com novos desenvolvimentos o tema antigo
Maria-Igreja.(56) Mas, sobretudo, recorreram à intercessão da Virgem Santíssima
para obter do Espírito a capacidade de gerarem Cristo na própria alma, como o
atesta S. Ildefonso numa oração, que surpreende pela doutrina e pelo vigor
suplicante: "Rogo-te, sim, rogo-te, Virgem Santa, que eu obtenha Jesus
daquele Espírito, do qual tu mesma gerastes Jesus! Que a minha alma receba Jesus
por esse mesmo Espírito, por quem a tua carne concebeu Jesus! (...) Que eu ame
Jesus naquele mesmo Espírito, no qual tu o adoras como Senhor e o contemplas
como Filho!".(57).
27.
Ouve-se afirmar, algumas vezes, que muitos textos de piedade moderna não
refletem suficientemente toda a doutrina acerca do Espírito Santo. Cabe aos
estudiosos verificar a justeza, ou não, dessa afirmação e aquilatar o seu
alcance; a nós compete-nos exortar a todos, principalmente aos pastores e
teólogos, a procurarem aprofundar a reflexão sobre a obra do Espírito na
história da Salvação e a envidarem esforços no sentido de os textos de piedade
cristã darem o devido relevo a sua ação vivificante. Desse aprofundamento
emergirá, em particular, a misteriosa relação entre o Espírito de Deus e a
Virgem de Nazaré e a ação de ambos sobre a Igreja: e dos dados da fé meditados
mais profundamente derivar-se-á uma piedade vivida de maneira mais intensa.
28.
É necessário, pois, que os exercícios de piedade com que os fiéis exprimem a sua
veneração para com a Mãe do Senhor, manifestem de modo mais claro o lugar que
ela ocupa na Igreja: "depois de Cristo, o mais alto e o mais perto de
nós"; (58) um lugar que nos edifícios cultuais do Rito bizantino tem sido
expresso plasticamente de tal maneira que, na própria disposição das estruturas
arquitetônicas e dos elementos iconográficos, na porta central da iconóstase, a
representação da Anunciação a Maria, e na abside, e da "Theotocos"
gloriosa, resulta manifesto que, a partir do "fiat" da humilde Serva
do Senhor, a humanidade inicia o retorno a Deus e que na glória da Toda-santa
vê a meta da sua caminhada. Assim o simbolismo com que o edifício da igreja
exprime o lugar de Maria no mistério da Igreja encerra uma indicação fecunda e
constitui um auspício para que, por toda a parte, as várias formas de veneração
à bem-aventurada Virgem Maria se abram para perspectivas eclesiais.
A
chamada à atenção para os conceitos fundamentais expostos pelo Concílio
Vaticano II, sobre a natureza da Igreja, "Família de Deus",
"Povo de Deus", "Reino de Deus", "Corpo Místico de
Cristo" (LG 6, 7-8, 9-17), permitirá, na verdade, aos fiéis, reconhecerem
mais prontamente qual a missão de Maria no mistério da mesma Igreja e qual o
seu eminente lugar na Comunhão dos Santos. Além disto, far-lhes-á sentir mais
intensamente a fraternidade que une entre si todos os fiéis: porque filhos da
Virgem Maria, "para cuja geração e educação (espiritual) ela coopera com
amor de mãe" (LG 66), e porque filhos da Igreja, também, visto que
"do seu parto nascemos, com o seu leite somos alimentados, e pelo seu
Espírito somos vivificados". (59) Ambas concorrem, na verdade, para gerar
o Corpo Místico de Cristo; mas "se bem que uma e outra Mãe de Cristo,
nenhuma delas sem a outra dá à luz todo (o Corpo)".(60) Por fim,
facultar-lhes-á perceber mais distintamente que a ação da Igreja no mundo é
como que um prolongamento da solicitude de Maria: aquele amor operoso de que a
Virgem Santíssima dá mostras, realmente, em Nazaré, em casa de Isabel, em Caná
e sobre o Gólgota, todos estes, momentos "salvíficos" de vasto
alcance eclesial, encontra a sua continuidade na preocupação materna da Igreja
para que todos os homens cheguem ao conhecimento da verdade (cf.1Tm 2,4), nos
seus cuidados para com os humildes, os pobres e os fracos, e na sua aplicação
constante em favor da paz e da concórdia social, no seu prodigalizar-se, enfim,
para que todos os homens tenham parte na Salvação que a morte de Cristo lhes
mereceu.
Deste
modo, o amor pela Igreja traduzir-se-á em amor para com Maria, e vice-versa,
pois uma não pode subsistir sem a outra, como perspicazmente observava S.
Cromácio de Aquiléia: "Reuniu-se a Igreja na parte superior (do cenáculo),
com Maria que foi a Mãe de Jesus e com os irmãos d'Ele. Não se pode, portanto,
falar de Igreja senão quando estiver aí Maria, Mãe do Senhor, com os irmãos
d'Ele".(61) A concluir, insistimos ainda na necessidade de que a veneração
dirigida à bem-aventurada Virgem Maria torne explícito o seu intrínseco
conteúdo eclesiológico: isto equivale a dizer, lançar mão de uma força capaz de
renovar, salutarmente, formas e textos.
B.
Algumas orientações, de ordem bíblica, litúrgica, ecumênica e antropológica,
para o culto à Virgem Maria
29.
As indicações dadas até aqui, que fluem da consideração das relações da Virgem
Maria com Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, e com a Igreja, queremos
acrescentar agora, atendo-nos sempre às linhas do ensino conciliar (LG 66-69),
algumas orientações, de ordem bíblica, litúrgica, ecumênica e antropológica, a
ter presentes no rever ou criar exercícios e práticas de piedade, para tornar
mais vivo e mais sentido o vínculo que nos une à Mãe de Cristo e Mãe nossa, na
Comunhão dos Santos.
30.
A necessidade de um cunho bíblico em toda e qualquer forma de culto é hoje algo
sentida, como um postulado geral da piedade cristã. O progresso dos estudos
bíblicos, a crescente difusão das Sagradas Escrituras e, sobretudo, o exemplo
da tradição e a íntima moção do Espírito, orientam os cristãos do nosso tempo
para servir-se cada dia mais da Bíblia, qual livro fundamental de oração e para
tirar dela genuína inspiração e modelos insuperáveis. O culto à bem-aventurada
Virgem Maria não pode ser eximido a esta orientação geral da piedade cristã (DV
25); antes pelo contrário, deve ele inspirar-se particularmente em tal
orientação, para adquirir novo vigor e dela tirar seguro proveito.
A
Bíblia, ao apresentar de modo admirável o desígnio de Deus relativamente à
salvação dos homens, acha-se toda ela impregnada do mistério do Salvador e
encerra também, sem dúvida, desde o Gênesis até ao Apocalipse, referências
àquela que foi mãe e cooperadora do mesmo Salvador. Não desejaríamos, no
entanto, que o cunho bíblico se limitasse a um uso diligente de textos e
símbolos sapientemente tirados das mesmas Sagradas Escrituras; essa
característica comporta algo mais: requer, efetivamente, que as fórmulas de
oração e os textos destinados ao canto assumam os termos e a inspiração da
Bíblia; e exige, sobretudo, que o culto à Virgem Santíssima seja permeado pelos
grandes temas da mensagem cristã, a fim de que os féis, ao mesmo tempo que
veneram aquela que é a Sede da Sabedoria, sejam também eles iluminados pela luz
da Palavra divina e levados a agir segundo os ditames do Verbo encarnado.
31.
Acerca da veneração que a Igreja presta à Mãe de Deus, na celebração da sagrada
Liturgia, já falamos anteriormente. Mas agora, ao começar a discorrer sobre
outras formas de culto e sobre os critérios em que elas hão de inspirar-se, não
podemos deixar de recordar a norma da Constituição Sacrosanctum Concilium, a
qual, ao mesmo tempo que recomenda vivamente os exercícios de piedade do povo
cristão, acrescenta: "...Importa, porém, ordenar essas práticas de piedade
tendo em conta os tempos litúrgicos, de maneira que se harmonizem com a sagrada
Liturgia, de certo modo derivem dela, e a ela, que por sua natureza lhes é
muito superior, conduzam o povo cristão" (SC 13).
Norma
sapiente, esta, e simultaneamente clara; a sua aplicação prática, no entanto,
não se apresenta fácil, sobretudo no campo do culto à Virgem Santíssima, tão
variado nas suas expressões formais. Tal aplicação exige, na realidade, da parte
dos responsáveis pelas Comunidades locais, esforço, tato pastoral e constância;
e da parte dos fiéis, prontidão para aceitar orientações e propostas que,
promanando embora da genuína natureza do culto cristão, muitas vezes comportam
a mudança de usos inveterados, nos quais aquela natureza, de algum modo, se
havia obscurecido.
Aqui
neste ponto, quereríamos fazer alusão a duas atitudes que poderiam,
eventualmente, tornar vã, na prática pastoral, a sobredita norma do Concílio
Vaticano II: em primeiro lugar, a atitude de alguns a quem está confiada a cura
de almas, que, aprioristicamente, desprezam os exercícios de piedade, se bem
que recomendados pelo Magistério quando feitos na forma devida; e por isso,
transcuram-nos e criam um vazio que não providenciam a preencher de nenhuma
maneira. Ora, estes que assim procedem esquecem que o Concílio diz que se
harmonizem os exercícios de piedade com a Liturgia e não que se suprimam
simplesmente. Em segundo lugar, lembramos a atitude daqueles que, à margem de
um são critério litúrgico e pastoral, misturam ao mesmo tempo exercícios
piedosos e atos litúrgicos, em celebrações híbridas. Acontece, algumas vezes,
que na própria celebração do Sacrifício Eucarístico são inseridos elementos que
fazem parte de novenas ou de outras práticas piedosas, com o perigo de o
Memorial do Senhor não constituir o momento culminante do encontro da
comunidade cristã, mas ser como que a ocasião para algumas práticas
devocionais. Aqueles que assim procedem quereríamos recordar que a norma conciliar
prescreve que se harmonizem os piedosos exercícios com a Liturgia e não que se
confundam com ela. Uma ação pastoral esclarecida, pois, deve, por um lado,
saber distinguir e acentuar a natureza própria dos atos litúrgicos; e por outro
lado, saber valorizar os piedosos exercícios, para os adaptar às necessidades
de cada uma das comunidades eclesiais e torná-los preciosos auxiliares da mesma
Liturgia.
32.
Em virtude do seu caráter eclesial, no culto à Virgem Maria refletem-se as
preocupações da própria Igreja, entre as quais, nos nossos dias, se salienta o
anseio pela recomposição da unidade dos cristãos. A piedade para com a Mãe do
Senhor torna-se, deste modo, sensível aos anelos e aos escopos do Movimento
ecumênico, quer dizer, adquire também ela um caráter ecumênico. E isso, por
vários motivos.
Antes
de mais nada, porque os fiéis católicos se unem aos irmãos das Igrejas
ortodoxas, nas quais a devoção à bem-aventurada Virgem Maria se reveste de
formas de elevado lirismo e de doutrina profunda, ao venerar, com particular
amor, a "Theotocos", e ao aclamá-la como "Esperança dos
cristãos"; (62) se unem aos Anglicanos, cujos teólogos clássicos já
colocavam em evidência a sólida base escriturística do culto a Mãe de Nosso
Senhor, e cujos teólogos contemporâneos frisam ainda mais a importância do
lugar que Maria ocupa na vida cristã; se unem, enfim, aos irmãos das Igrejas da
reforma, entre os quais floresce vigorosamente o amor pelas Sagradas
Escrituras, que os leva a glorificarem a Deus com as próprias palavras da
Virgem (cf. Lc 1,46-55).
Depois,
porque a piedade para com a Mãe de Cristo e dos cristãos é, para os católicos,
ocasião natural e freqüente de imploração, para que ela interceda junto do
Filho pela união de todos os batizados, num só Povo de Deus (LG 69). E ainda,
porque é desejo da Igreja católica que nesse culto, sem que lhe seja atenuado o
caráter singular (LG 66; SC 103), sejam evitados, com todo o cuidado, quaisquer
exageros, que possam induzir em erro os outros irmãos cristãos, acerca da
verdadeira doutrina da Igreja católica (LG 67); e sejam banidas quaisquer
manifestações cultuais contrárias à reta praxe católica. Por fim, sendo conatural ao genuíno culto da
bem-aventurada Virgem Maria que, "ao honrar a Mãe (...) melhor se conheça,
ame e glorifique o Filho" (LG 56), ele torna-se caminho para Cristo, fonte
e centro da comunhão eclesiástica, na qual todos aqueles que confessam
abertamente que Ele é Deus e Senhor, Salvador e único Mediador (cf. 1Tm 2,5),
são chamados a serem uma só coisa entre si, com Ele e com o Pai, na unidade do
Espírito Santo (63).
33.
Estamos conscientes de que existem não leves discordâncias entre o pensamento
de muitos irmãos de outras Igrejas e comunidades eclesiais, e a doutrina
católica "acerca (...) da função de Maria na obra da Salvação" (UR
20); e, por conseqüência, acerca do culto a prestar-lhe. Todavia, porque a
mesma potência do Altíssimo que cobriu com a sua sombra a Virgem de Nazaré (cf.
Lc 1,35) age também no hodierno Movimento ecumênico e o fecunda, desejamos exprimir
a nossa confiança em que a veneração da humilde Serva do Senhor, na qual o
Onipotente fez grandes coisas (cf. Lc 1,49), se há de tornar, se bem que
lentamente, não já um obstáculo, mas sim um trâmite e ponto de encontro para a
união de todos os crentes em Cristo.
Sentimos
alegria, de fato, ao verificar que uma melhor compreensão do lugar de Maria no
mistério de Cristo e da Igreja, também da parte dos irmãos separados, torna
mais desimpedido o caminhar para o encontro. E como em Caná a Virgem Santíssima,
com a sua intervenção, obteve que Jesus realizasse o primeiro dos seus milagres
(cf. Jo 2,1-12), assim também na nossa época ela poderá, com a sua intercessão,
propiciar o advento da hora em que os discípulos de Cristo reencontrem a plena
comunhão na fé. E esta nossa esperança é corroborada pela observação que já
fazia o nosso predecessor Leão XIII: a causa da união dos cristãos é algo que
"faz parte especificamente da sua (de Maria) função da maternidade
espiritual. Na verdade, aqueles que são de Cristo, Maria não os gerou nem
poderia gerar, senão numa única fé e num único amor: porventura "estará
Cristo dividido" (1Cor 1,13)? E assim, nós devemos, todos conjuntamente,
viver da vida de Cristo, afim de, num só e mesmo corpo, "produzirmos frutos
para Deus" (Rom 7,4)".(64)
34.
No culto à Santíssima Virgem devem ser tidas em atenta consideração também as
aquisições seguras e comprovadas das ciências humanas; isso concorrerá,
efetivamente, para que seja eliminada uma das causas de perturbação que se nota
nesse mesmo campo do culto à Mãe do Senhor; quer dizer, aquele desconcerto
entre certos dados deste culto e as hodiernas concepções antropológicas e a
realidade psicossociológica, profundamente mudada, em que os homens do nosso
tempo vivem e operam.
Observa-se,
na realidade, que é difícil enquadrar a imagem da Virgem Maria conforme resulta
de certa literatura devocional, nas condições de vida da sociedade
contemporânea, e em particular nas da mulher. E isso, quer a consideremos no
ambiente doméstico, onde tanto as leis como a evolução dos costumes tendem
justamente para lhe reconhecer a igualdade e a co-responsabilidade com o homem,
na direção da vida familiar; quer a consideremos no campo político, onde ela
conquistou, em muitos Países, um poder de intervenção na coisa pública, a par
do homem; quer a consideremos, ainda, no campo social, onde ela desenvolve a
sua atividade, nos mais variados setores operativos, deixando cada dia mais o
restrito ambiente do lar; quer a consideremos, enfim, no campo cultural, onde
lhe são proporcionadas possibilidades novas de pesquisa científica e de
afirmação intelectual.
Ora,
daqui segue-se logicamente, para alguns, uma certa desafeição para com o culto
à Virgem Santíssima e uma certa dificuldade em tomar Maria de Nazaré como
modelo, porque os horizontes da sua vida, afirma-se, resultam restritos, em
confronto com as vastas zonas de atividade em que a pessoa humana contemporânea
é chamada a atuar. A este propósito, ao mesmo tempo que exortamos os teólogos,
os responsáveis pelas Comunidades cristãs e os mesmos féis a dedicarem a devida
atenção a tais problemas, pareceu-nos útil dar uma contribuição, nós próprio
também, para a sua solução, apresentando em seguida algumas observações.
35.
Antes de mais nada, a Virgem Maria foi sempre proposta pela Igreja à imitação
dos fiéis, não exatamente pelo tipo de vida que ela levou ou, menos ainda, por
causa do ambiente sócio-cultural em que se desenrolou a sua existência, hoje
superado quase por toda a parte; mas sim, porque, nas condições concretas da
sua vida, ela aderiu total e responsavelmente à vontade de Deus (cf. Lc 1,38);
porque soube acolher a sua palavra e pô-la em prática; porque a sua ação foi
animada pela caridade e pelo espírito de serviço; e porque, em suma, ela foi a
primeira e a mais perfeita discípula de Cristo, o que, naturalmente, tem um
valor exemplar universal e permanente.
36.
Em segundo lugar, quereríamos anotar que as dificuldades acima aludidas estão
em íntima conexão com alguns traços da imagem popular e literária de Maria, e
não com a sua imagem evangélica, nem com os dados doutrinais, que foram sendo
precisados ao longo de lento e sério trabalho de explicitação da Palavra
revelada. Deve considerar-se coisa normal, aliás, que as gerações cristãs que
se sucederam, em quadros sócio-culturais diversos, ao contemplarem a figura e a
missão de Maria, qual nova Mulher e perfeita cristã, que reuniu em si as
situações mais características da vida feminina, porque Virgem, Esposa e Mãe,
tenham visto na Mãe de Jesus o tipo eminente da condição feminina e o exemplar
limpidíssimo da vida evangélica, e tenham expresso estes seus sentimentos
segundo as categorias e as representações próprias da sua época.
A
Igreja, quando considera a longa história da piedade mariana, alegra-se, ao
verificar a continuidade do fato cultual; mas não se liga aos esquemas
representativos das várias épocas culturais, nem às particulares concepções
antropológicas que lhes estão subjacentes; ademais, compreende bem que algumas
expressões de tal culto, perfeitamente válidas em si mesmas, são menos
adaptadas aos homens que pertencem a épocas e civilizações diversas.
37.
Desejamos, por fim, acentuar que a nossa época, não diversamente das
precedentes, é chamada a aquilatar o próprio conhecimento da realidade com a
palavra de Deus e, para ater-nos ao assunto de que estamos a tratar, a
confrontar as suas concepções antropológicas e os problemas que daí derivam com
a figura da Virgem Maria, conforme ela está proposta no Evangelho. Desse modo,
a leitura das divinas Escrituras, feita sob o influxo do Espírito Santo e tendo
presentes as aquisições das ciências humanas e as várias situações do mundo
contemporâneo, levará a descobrir que Maria pode bem ser tomada como modelo
naquilo por que anelam os homens do nosso tempo.
Assim,
para dar alguns exemplos: a mulher contemporânea, desejosa de participar com
poder de decisão nas opções da comunidade, contemplará com íntima alegria a
Virgem Santíssima, que, assumida para o diálogo com Deus, dá o seu
consentimento ativo e responsável (LG 56), não para a solução dum problema
contingente, mas sim da "obra dos séculos" como foi designada com
justeza a Encarnação do Verbo;(65) dar-se-á conta de que a escolha do estado
virginal por parte de Maria, que no desígnio de Deus a dispunha para o mistério
da Encarnação, não foi um ato de fechar-se a qualquer dos valores do estado
matrimonial, mas constituiu uma opção corajosa, feita para se consagrar
totalmente ao amor de Deus; verificará, com grata surpresa, que Maria de
Nazaré, apesar de absolutamente abandonada à vontade do Senhor, longe de ser
uma mulher passivamente submissa ou de uma religiosidade alienante, foi, sim,
uma mulher que não duvidou em armar que Deus é vingador dos humildes e dos
oprimidos e derruba dos seus tronos os poderosos do mundo (cf. Lc 1,5153); e
reconhecerá em Maria, que é "a primeira entre os humildes e os pobres do
Senhor" (LG 55), uma mulher forte, que conheceu de perto a pobreza e o
sofrimento, a fuga e o exílio (cf. Mt 2,13-23), situações, estas, que não podem
escapar à atenção de quem quiser secundar, com Espírito evangélico, as energias
libertadoras do homem e da sociedade; e não lhe aparecerá Maria, ainda, como
uma mãe ciosamente voltada só para o próprio Filho divino, mas sim como aquela
Mulher que, com a sua ação, favoreceu a fé da comunidade apostólica, em Cristo
(cf. Jo 2,1-12), e cuja função materna se dilatou, vindo a assumir no Calvário
dimensões universais.(66)
São
exemplos, como dizíamos. Deles transparece claramente, no entanto, que a figura
da Virgem Santíssima não desilude algumas aspirações profundas dos homens do
nosso tempo, e até lhes oferece o modelo acabado do discípulo do Senhor:
obreiro da cidade terrena e temporal, e, simultaneamente, peregrino solerte
também, em direção à cidade celeste e eterna; promotor da justiça que liberta o
oprimido e da caridade que socorre o necessitado, mas, sobretudo, testemunha
operosa do amor, que educa Cristo nos corações.
38.
Depois de haver apresentado, assim, estas diretrizes, em ordem a favorecer o
desenvolvimento harmonioso do culto à Mãe do Senhor, julgamos oportuno chamar a
atenção para algumas atitudes cultuais errôneas.
O
Concílio Vaticano II já denunciou, autorizadamente, tanto o exagero de
conteúdos ou de formas, que vai até ao ponto de falsear a doutrina, como a
mesquinhez de mente que chega a obscurecer a figura e a missão de Maria; de
igual modo alguns desvios cultuais: a vã credulidade, que a uma aplicação séria
substitui o dar-se facilmente a práticas apenas exteriores; o estéril e
passageiro impulso do sentimento, tão alheio ao estilo evangélico, que exige
esforço perseverante e efetivo (LG 67). Nós reiteramos a deploração destas
coisas: não são formas em harmonia com a fé católica e, por conseguinte, não
devem subsistir no culto católico.
A
defesa vigilante contra estes erros e desvios fará com que se torne mais
vigoroso e genuíno o culto a santíssima Virgem: sólido nos seus fundamentos,
pelo que, nele, o estudo das fontes reveladas e a atenção aos documentos do
Magistério hão de prevalecer sobre a descomedida busca da novidade e de fatos
extraordinários; objetivo no seu enquadramento histórico, pelo que deverá ser
banido dele tudo aquilo que é manifestamente lendário ou falso; adequado ao
conteúdo doutrinal, de onde a necessidade de evitar apresentações unilaterais
da figura de Maria, que, por insistirem desmesuradamente num determinado
elemento, comprometem o conjunto da imagem evangélica; e, enfim, límpido nas
suas motivações, pelo que será mantido longe do santuário, com diligente
cuidado, todo e qualquer interesse mesquinho.
39.
Por fim, se porventura disso houvesse necessidade, quereríamos reiterar a
insistência nisto: a finalidade última do culto à bem-aventurada Virgem Maria é
glorificar a Deus e levar os cristãos a aplicarem-se numa vida absolutamente
conforme a sua vontade. Os filhos da Igreja, na verdade, quando, juntando as
suas vozes a da mulher anônima do Evangelho, enaltecem a Mãe de Jesus ao
exclamarem, dirigindo-se ao mesmo Jesus, "Felizes as entranhas que te
trouxeram e os seios que te amamentaram!" (Lc 11,27), serão induzidos a
considerarem a grave resposta do divino Mestre: "Felizes antes os que
ouvem a palavra de Deus e a observam!" (Lc 11,28). E esta resposta, se por
um lado redunda num patente louvor a Santíssima Virgem, como a interpretaram
alguns Santos Padres (67) e o Concílio Vaticano II o confirmou (LG 58), por
outro lado, ressoa para nós também como uma advertência a vivermos os
mandamentos de Deus, e é como que o eco de outras admoestações do divino
Salvador: "Nem todo o que me diz: `Senhor! Senhor!' entrará no reino dos
céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus" (Mt 7,21); e,
"Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos ordenei" (Jo 15,14).
III
PARTE
INDICAÇÕES
ACERCA DOS PIOS EXERCÍCIOS
DO
"ANGELUS DOMINI" ("AVE-MARIAS") E DO SANTO ROSÁRIO
40.
Temos vindo indicando alguns princípios, de per si aptos para darem novo vigor
ao culto da Mãe do Senhor; agora é tarefa das Conferências episcopais e dos
responsáveis pelas Comunidades locais e pelas várias famílias religiosas
proceder sapientemente a restauração das práticas e exercícios de veneração
para com a bem-aventurada Virgem Maria. Assim, procurarão secundar o impulso
criador de todos aqueles que, levados por uma genuína inspiração religiosa e
dando mostras de sensibilidade pastoral, desejem lançar novas formas de
expressar tal veneração. Parece-nos oportuno, todavia, se bem que por motivos
diversos, tratar aqui de dois exercícios de piedade muito difundidos no
Ocidente, e dos quais esta Sé Apostólica se tem ocupado, em várias ocasiões: o
"Angelus Domini" (ou "Ave Macias", ou
"Trindades") e o Rosário (ou Terço, ou Coroa) de Nossa Senhora.
O
"Angelus Domini" ("Ave-Marias")
41.
As nossas palavras acerca do "Angelus Domini"
("Ave-Marias") intentam ser uma simples mas férvida exortação a que
se mantenha a costumada recitação, onde e quando isso for possível. Tal
exercício de piedade não tem necessidade de ser restaurado: a estrutura
simples, o caráter bíblico, a origem histórica que a liga à invocação da
incolumidade na paz, o ritmo quase litúrgico que santifica momentos diversos do
dia, a abertura para o Mistério Pascal, em virtude da qual, ao mesmo tempo que
comemoramos a Encarnação do Filho de Deus, pedimos para ser conduzidos,
"pela sua paixão e morte na Cruz, a glória da ressurreição", (68)
fazem com que ele, à distância de séculos, conserve inalterado o seu valor e
intacto o seu frescor.
É
certo que alguns usos, tradicionalmente coligados com a recitação do
"Angeles Domini", desapareceram ou dificilmente podem manter-se na
vida moderna; mas trata-se de elementos marginais. Resta, pois, imutado o valor
da contemplação do mistério da Encarnação do Verbo, da saudação à Virgem
Santíssima e do recurso à sua misericordiosa intercessão; e, não obstante terem
mudado as condições dos tempos, permanecem invariados também, para a maior
parte dos homens, aqueles momentos característicos do dia, amanhã, meio-dia e
tarde, que assinalam os tempos da sua atividade e constituem um convite a uma
pausa de oração.
O
santo Rosário
42.
E queremos em seguida, veneráveis Irmãos, deter-nos um pouco mais longamente
sobre a renovação daquele outro exercício de piedade, que já foi chamado
"o compêndio de todo o Evangelho": (69) o Rosário, ou então o Terço
(ou Coroa), de Nossa Senhora.
Os
nossos predecessores dedicaram a esta prática vigilante atenção e diligente
solicitude. Assim, mais de uma vez recomendaram a recitação do Rosário,
favoreceram a sua difusão, ilustraram a sua natureza, reconheceram-lhe aptidão
para desenvolver uma oração contemplativa, de louvor e simultaneamente de
súplica, recordaram a sua conatural eficácia para promover a vida cristã e o
empenho apostólico.
Nós
próprios, desde a primeira audiência geral do nosso pontificado, a 13 de julho
de 1963, temos tido ocasião de demonstrar a nossa grande estima pela piedosa
prática do Rosário;(70) em momentos sucessivos não deixamos de sublinhar o seu
valor, em circunstâncias multíplices, umas ordinárias e outras graves, como
quando, numa hora de angústia e de insegurança, publicamos a Carta Encíclica
"Christi Matri" (15 de setembro de 1966), para que fossem dirigidas
orações suplicantes à bem-aventurada Virgem do Rosário, para impetrar de Deus o
supremo bem da paz; (71) apelo, esse, que renovamos na nossa Exortação
Apostólica "Recurrens mensis October" (7 de outubro de 1969), com a
qual comemorávamos o quarto centenário da Carta Apostólica "Consueverunt
Romani Pontífices" do nosso predecessor São Pio V, que nela ilustrou e, de
algum modo, definiu a forma tradicional do Rosário. (72)
43.
E esse nosso interesse assíduo pelo que se refere à tão querida devoção do
Rosário da bem-aventurada Virgem Maria levou-nos a acompanhar sempre, com ânimo
atento, os numerosos convênios dedicados nestes últimos anos à pastoral do
mesmo Rosário no mundo contemporâneo; convênios promovidos por associações e
por pessoas singulares, às quais está profundamente a peito a mesma devoção do
Rosário, e nos quais participaram bispos, presbíteros, religiosos e leigos de
comprovada experiência e de manifesto sentido eclesial. Entre eles, é justo
recordar os Filhos de São Domingos, por tradição guardiães e propagadores dessa
tão salutar devoção. Aos trabalhos de tais convênios têm vindo a juntar-se as
investigações dos historiadores, conduzidas, não com sentido de definir, quase
com intuitos arqueológicos, qual a forma primitiva do Rosário, mas, sim, para
apreender-lhe as intuições originais, a energia primigênia e a estrutura
essencial. De tais convênios e investigações apareceram, mais nitidamente,
quais as características primárias do Rosário e quais os seus elementos
essenciais e a mútua relação existente entre eles.
44.
Assim, por exemplo, apareceu numa luz mais viva a índole evangélica do mesmo
Rosário, na medida em que se salientou que ele vai haurir ao Evangelho o
enunciado dos mistérios e as fórmulas principais; no Evangelho se inspira,
ainda, a sugestão para aquela atitude com que o fiel o deve recitar, a partir
da jubilosa saudação do Anjo e do correspondente assentimento religioso da
Virgem Maria; e do Evangelho, enfim, lembra, no suceder-se das Ave-Marias, um
mistério fundamental, a Encarnação do Verbo, contemplado no momento decisivo da
Anunciação feita a Maria. O Rosário, por conseguinte, é uma oração evangélica,
como hoje em dia, talvez mais do que no passado, gostam de a definir os
pastores e os estudiosos.
45.
Foi percebido com maior clareza, além disso, que o ordenado e gradual
desenrolar-se do Rosário reflete aquele mesmo modo com que o Verbo de Deus, ao
inserir-se por misericordiosa decisão, nas vicissitudes humanas, operou a
Redenção. O Rosário, de fato, considera numa sucessão harmoniosa os principais
eventos "salvíficos" da mesma Redenção, que se realizaram em Cristo:
desde a concepção virginal, passando pelos mistérios da infância, até aos
momentos culminantes da Páscoa, a bendita Paixão e gloriosa Ressurreição, e aos
efeitos da mesma sobre a Igreja nascente, no dia de Pentecostes, e sobre a
Virgem Maria, na altura em que, tendo terminado o exílio terreno, foi assumida em
corpo e alma à pátria celestial.
Foi
observado, ademais, que a tríplice divisão dos mistérios do Rosário, não só
coincide de maneira perfeita com a ordem cronológica dos fatos, mas sobretudo
reflete também o esquema do primitivo anúncio da fé e evoca o mistério de
Cristo, daquele mesmo modo como ele é visto por São Paulo, no célebre
"hino" da Epístola aos Filipenses: despojamento, morte e exaltação
(cf. 2,6-11).
46.
Oração evangélica, centrada sobre o mistério da Encarnação redentora, o Rosário
é, por isso mesmo, uma prece de orientação profundamente cristológica. Na
verdade, o seu elemento mais característico, a repetição litânica do
"Alegra-te, Maria", torna-se também ele, louvor incessante, a Cristo,
objetivo último do anúncio do Anjo e da saudação da mãe do Batista:
"bendito o fruto do teu ventre" (Lc 1,42). Diremos mais ainda: a
repetição da Ave-Maria constitui a urdidura sobre a qual se desenrola a
contemplação dos mistérios; aquele Jesus que cada Ave-Maria relembra é o mesmo
que a sucessão dos mistérios propõe, uma e outra vez, como Filho de Deus e da
Virgem Santíssima; nascido numa gruta de Belém; apresentado pela mesma Mãe no
Templo; um rapazinho ainda, a demonstrar-se cheio de zelo pelas coisas de seu
Pai; depois, Redentor, agonizante no horto, flagelado e coroado de espinhos; a
carregar a cruz e a morrer sobre o Calvário; por fim, ressuscitado da morte e
elevado à glória do Pai, para efundir o dom do Espírito.
É
coisa conhecida que, exatamente para favorecer a contemplação e para que a
mente estivesse sempre em sintonia com as palavras, se costumava outrora, e tal
costume conservou-se em diversas regiões, ajuntar ao nome de Jesus, em cada
Ave-Maria, uma cláusula, que chamasse a atenção para o mistério enunciado.
47.
Depois, fizeram tais convênios e investigações com que se sentisse, com maior
urgência, a necessidade de recordar, ao lado do elemento laudativo e
deprecatório, a importância de outro elemento essencial do Rosário: a
contemplação. Sem esta, o mesmo Rosário é um corpo sem alma e a sua recitação
corre o perigo de tornar-se uma repetição mecânica de fórmulas e de vir a
achar-se em contradição com a advertência de Jesus: "Nas vossas orações,
não useis de vãs repetições, como os gentios, porque imaginam que é pelo
palavreado excessivo que serão ouvidos" (Mt 6,7). Por sua natureza, a
recitação do Rosário requer um ritmo tranqüilo e uma certa demora a pensar, que
favoreçam, naquele que ora, a meditação dos mistérios da vida do Senhor, vistos
através do coração daquela que mais de perto esteve em contacto com o mesmo
Senhor, e que abram o acesso às suas insondáveis riquezas.
48.
Mediante a reflexão contemporânea, por fim, puderam ser compreendidas com uma
maior precisão as relações existentes entre a Liturgia e o Rosário. Por um
lado, foi salientado que o Rosário é como que um rebento que germinou sobre o
tronco secular da Liturgia cristã, qual "Saltério da Santíssima
Virgem", com que os humildes se pudessem associar ao cântico de louvor e à
intercessão universal da Igreja; por outro lado, observou-se ainda, isso
aconteceu no declinar da Idade Média, numa época em que o espírito litúrgico se
encontrava em decadência e se começava a verificar um certo afastamento dos
fiéis da Liturgia, para se ir mais para uma devoção sensível para com a
Humanidade de Cristo e para com a bem-aventurada Virgem Maria.
Se
em tempos não recuados pôde surgir no espírito de alguns o desejo de ver o
Rosário incluído no número das expressões litúrgicas, e, pelo contrário, da
parte de outros, levados pela preocupação de evitar erros pastorais do passado,
uma injustificada desatenção em relação ao mesmo Rosário, hoje o problema é
facilmente solucionável, à luz dos princípios da Constituição Sacrosanctum
Concilium: as celebrações litúrgicas e o pio exercício do Rosário não se devem
contrapor nem equiparar.(73)
Cada
expressão de oração, na verdade, conseguirá ser tanto mais fecunda, quanto mais
conservar a sua verdadeira natureza e a fisionomia que lhe é própria.
Reafirmando, portanto, o valor proeminente dos atos litúrgicos, não será
difícil reconhecer que o Rosário é um exercício de piedade que se harmoniza
facilmente com a sagrada Liturgia. Como a Liturgia, efetivamente, também o
mesmo Rosário tem uma índole comunitária, se nutre da Sagrada Escritura e
gravita em torno do mistério de Cristo. Depois, muito embora em planos
essencialmente diversos, anamnese na Liturgia e memória contemplativa no
Rosário têm por objeto os mesmos eventos "salvíficos" realizados por
Cristo. A primeira torna presentes, sob o véu dos sinais, e operantes, de modo
misterioso, os máximos mistérios da nossa Redenção; a segunda, por sua vez com
o piedoso afeto da contemplação, reevoca na mente daquele que ora esses mesmos
mistérios e estimula nele a vontade para haurir aí normas de vida.
Estabelecida
esta diferença substancial, não há quem não veja ser o Rosário um pio exercício
que à Liturgia foi buscar a sua motivação e que, se for praticado de acordo com
a sua inspiração originária, a ela conduz, naturalmente, sem no entanto
transpor o seu limiar. A meditação dos mistérios do Rosário, de fato, ao tornar
familiares à mente e ao coração dos fiéis os mistérios de Cristo, pode
constituir uma ótima preparação, e vir a ser, depois, um eco prolongado da
celebração dos mesmos mistérios nos atos litúrgicos. É erro, todavia
infelizmente, ainda a subsistir nalguns lugares, o recitar o Rosário durante a
ação litúrgica.
49.
O Rosário (Terço-Coroa) da bem-aventurada Virgem Maria, segundo a tradição que
foi acolhida e autorizadamente proposta pelo nosso predecessor São Pio V,
consta de vários elementos, dispostos de modo orgânico:
a)
a contemplação, em comunhão com Maria, de uma série de mistérios da Salvação,
sapientemente distribuídos em três ciclos que exprimem: o gozo dos tempos
messiânicos; a dor "salvífica" de Cristo; e a glória do divino
Ressuscitado que inunda a Igreja. Uma tal contemplação, pela sua natureza,
conduz à reflexão prática e suscita estimulantes normas de vida.
b)
a Oração Dominical, ou Pai-Nosso, que, pelo seu imenso valor, está na base da
oração cristã e a nobilita nas suas diversas expressões.
c)
a sucessão litânica da Ave-Maria, que resulta composta da saudação do Anjo à
Virgem Santíssima (cf. Lc 1,28) e do bendizente obséquio de Isabel (cf. Lc
1,42), ao que se segue a súplica eclesial Santa Maria. A série continuada das
Ave-Marias é uma característica peculiar do Rosário, e o seu número, na forma
típica e plenária de cento e cinqüenta, apresenta uma tal ou qual analogia com
o Saltério e é um dado que remonta à própria origem do piedoso exercício. Mas
esse mesmo número, de acordo com um costume comprovado, dividido em dezenas
coligadas a cada um dos mistérios, distribui-se nos três ciclos acima
mencionados, dando lugar ao conhecido Terço, de cinqüenta Ave-Marias, o qual
entrou em uso qual medida normal do mesmo exercício e, como tal, foi adotado
pela piedade popular e sancionado pela Autoridade pontifícia, que o enriqueceu
com numerosas indulgências.
d)
a doxologia Glória ao Pai, que, em conformidade com uma orientação generalizada
da piedade cristã, encerra a oração com a glorificação de Deus, uno e trino, do
qual, pelo qual e para o qual são todas as coisas (cf. Rom 11,36).
50.
Estes são, pois, os elementos do santo Rosário. Cada um deles tem a sua índole
própria, que, acertadamente compreendida e apreciada, deve refletir-se na
recitação, a fim de que o mesmo Rosário exprima toda a sua riqueza e variedade.
Essa recitação, por conseguinte, tornar-se-á: grave e implorante, na Oração
Dominical; lírica e laudativa, no transcorrer calmo das Ave-Marias;
contemplativa, na reflexão atenta sobre os mistérios; e adorante na doxologia.
E isto, note-se, em todas aquelas maneiras como costuma ser recitado o Rosário:
quer privadamente, recolhendo-se aquele que ora na intimidade com o Senhor;
quer comunitariamente, ou em família, ou por vários fiéis reunidos em grupo,
para criar condições para uma particular presença do Senhor (cf. Mt 18,20), ou,
ainda, publicamente, em assembléias para as quais é convocada qualquer
comunidade eclesial.
51.
Em tempos recentes, vieram a ser criados alguns pios exercícios, que vão buscar
inspiração ao santo Rosário. Entre estes, queremos fazer menção e recomendar os
que inserem no esquema habitual das celebrações da Palavra de Deus alguns
elementos típicos do mesmo Rosário, como por exemplo, a meditação dos mistérios
e a repetição litânica da saudação angélica. Tais elementos adquirem assim um
maior relevo, enquadrados como são na leitura de textos bíblicos, ilustrados
pela homilia, rodeados de pausas de silêncio e sublinhados com o canto. É-nos
grato saber que semelhantes exercícios têm contribuído para fazer apreender
mais completamente as riquezas espirituais do mesmo Rosário, e para que seja tida
em maior apreço a sua prática no seio de associações e de movimentos de jovens.
52.
Queremos agora, em continuidade de pensamento com os nossos predecessores,
recomendar vivamente a recitação do santo Rosário em família. O Concílio
Vaticano II pôs bem em evidência que a mesma família, qual célula primeira e
vital da sociedade, "deve mostrar-se, pela mútua piedade dos membros e
pela oração dirigida a Deus em comum, como um santuário familiar da
Igreja" (AA 11). A família cristã, por conseguinte, apresentar-se-á assim
como "Igreja doméstica" (LG 11), na medida em que os seus membros,
cada qual no seu lugar e dentro das suas atribuições próprias, se dão as mãos
no promover a justiça, no praticar as obras de misericórdia, no dedicar-se ao
serviço dos irmãos, tomando parte no apostolado da comunidade local mais ampla
e inserindo-se no seu culto litúrgico (AA 11); e, ainda, se elevarem a Deus
orações suplicantes, em comum; se viesse a falhar este elemento no seio da
família, então faltar-lhe-ia o próprio caráter de família cristã. Por isso, à
recuperação da noção teológica da família, como Igreja doméstica, deve,
coerentemente, seguir-se um esforço por instaurar na vida da mesma família a
oração em comum.
53.
De acordo com as diretrizes conciliares, a Institutio generalis de Liturgia
Horarum inclui, justamente, o agregado familiar no número dos grupos aos quais
se adapta a celebração em comum do Ofício divino: "É conveniente, lê-se
aí, que, por fim, também a família, qual santuário doméstico da Igreja, não se
limite apenas a elevar a Deus preces em comum, mas recite, conforme as
circunstâncias lho facultarem, algumas partes da Liturgia das Horas, para se
inserir mais intimamente na mesma Igreja" (n. 27). Por conseguinte, nada
se deve deixar de tentar para que esta indicação clara possa vir a ter
crescente e feliz aplicação no seio das famílias cristãs.
54.
Mas, depois da celebração da Liturgia das Horas ponto culminante a que pode
chegar a oração doméstica, não há dúvida de que o Rosário da bem-aventurada
Virgem Maria deve ser considerado uma das mais excelentes e eficazes orações em
comum, que a família cristã é convidada a recitar. Dá-nos gosto pensar e
auspiciamos vivamente que, quando o encontro familiar se transforma em tempo de
oração, seja o Rosário a sua expressão freqüente e preferida. Estamos bem
conhecedor de que as mudadas condições da vida dos homens, nos nossos dias, não
são favoráveis à possibilidade de momentos de reunião familiar; e de que, mesmo
quando isso acontece, não poucas circunstâncias se conjugam para tornar difícil
transformar o encontro da família em ocasião de oração. É uma coisa difícil,
sem dúvida. No entanto, é também característico do agir cristão não se render
aos condicionamentos do ambiente, mas superá-los; não sucumbir, mas sim
elevar-se. Portanto, aquelas famílias que queiram viver em plenitude a vocação
e a espiritualidade própria da família cristã, devem envidar todos os esforços
para eliminar tudo o que seja obstáculo para os encontros familiares e para a
oração em comum.
55.
Ao concluir estas observações, prova da solicitude e da estima desta Sé
Apostólica pelo santo Rosário (Terço-Coroa), queremos entretanto recomendar
que, na difusão de tão salutar devoção, as suas reais proporções não sejam
nunca alteradas, e que jamais ela seja apresentada com inoportuno exclusivismo:
o Rosário é uma oração excelente, em relação à qual, contudo, os fiéis se devem
sentir serenamente livres, e solicitados a recitá-la com compostura e tranqüilidade,
atraídos pela sua beleza intrínseca.
CONCLUSÃO
VALOR
TEOLÓGICO E PASTORAL
DO
CULTO DA SANTÍSSIMA VIRGEM
66.
A terminar esta nossa Exortação Apostólica, veneráveis Irmãos, desejamos frisar
ainda, em breve síntese, o valor teológico do culto à Santíssima Virgem, e
relembrar, resumidamente, a sua eficácia pastoral para a renovação dos costumes
cristãos.
A
piedade da Igreja para com a bem-aventurada Virgem Maria é elemento intrínseco
do culto cristão. Essa veneração que a Igreja tem vindo a prestar à Mãe do
Senhor, em todos os lugares e em todos os tempos, desde a saudação com que
Isabel a bendiz (cf. Lc 1,42-45) até as expressões de louvor e de súplica da
nossa época, constitui um excelente testemunho da sua norma de oração e um
convite a reavivar nas consciências a sua norma de fé. E, em contrapartida, a
norma de fé da Igreja exige também que, por toda a parte, floresça com pujança
a sua norma de oração pelo que se refere à Mãe de Cristo.
Um
tal culto à Virgem Santíssima tem raízes profundas na Palavra revelada e,
conjuntamente, sólidos fundamentos dogmáticos: a singular dignidade de Maria,
"Mãe do Filho de Deus e, por isso, filha predileta do Pai e templo do
Espírito Santo; por este seu dom de graça sem igual ela ultrapassa, de longe, todas
as outras criaturas, celestes e terrestres" (LG 53); a sua cooperação nos
momentos decisivos da obra da Salvação, realizada pelo Filho; a sua santidade,
já plena na Conceição imaculada e, não obstante, sempre crescente, a medida que
ela aderia à vontade do Pai e ia percorrendo a via do sofrimento (cf. Lc 2,
25-35;2,41-52; e Jo 19,25-27) e ia progredindo constantemente na fé, na
esperança e na caridade; a sua missão e condição única no Povo de Deus, do qual
é, ao mesmo tempo, membro sobreeminente, modelo limpidíssimo e Mãe
amorosíssima; a sua incessante e eficaz intercessão, em virtude da qual, embora
assumida ao céu, continua muito perto dos fiéis que a imploram, e até mesmo
daqueles que ignoram ser seus filhos; a sua glória, enfim, que enobrece todo o
gênero humano, como de modo admirável o exprimiu o poeta Dante: "tu és
aquela que a humana natureza / nobilitaste de tal modo, que o seu Autor / não
desdenhou fazer-se sua feitura".(74) Maria, de fato, é da nossa estirpe,
verdadeira filha de Eva, se bem que isenta do labéu do mal, e nossa verdadeira
irmã, que compartilhou plenamente, mulher humilde e pobre como foi, a nossa
condição.
Acrescentaremos,
ainda: o culto da bem-aventurada Virgem Maria tem a sua suprema razão de ser na
insondável e livre vontade de Deus, que, sendo a eterna e divina Caridade
(cf.1Jo 4,7-8.16), realiza todas as coisas segundo um plano de amor: amou-a e
fez-lhe grandes coisas (cf. Lc 1,49), amou-a por causa de si mesmo e por causa
de nós e, deu-a a si mesmo e no-la deu a nós.
57.
Cristo é o único caminho para o Pai (cf. Jo 14, 4-11). Cristo é o modelo
supremo, ao qual o discípulo deve conformar o próprio comportamento (cf. Jo
13,15), até chegar ao ponto de ter em si os seus mesmos sentimentos (cf. Fl
2,5), viver da sua vida e possuir o seu Espírito (cf. Gl 2,20; Rm 8,10-11): foi
isto o que a Igreja ensinou em todos os tempos e nada, na atividade pastoral,
deve ensombrar jamais esta doutrina.
A
Igreja, no entanto, instruída pelo Espírito e amestrada por uma experiência
multissecular, reconhece que também a piedade para com a bem-aventurada Virgem
Maria, subordinadamente à piedade para com o divino Salvador e em conexão com
ela, tem uma grande eficácia pastoral e constitui uma força renovadora dos
costumes cristãos.
A
razão de tal eficácia pode facilmente ser entrevista. A multifacetada missão de
Maria, em relação ao Povo de Deus, é, efetivamente, uma realidade sobrenatural,
operante e fecunda no organismo eclesial. E dá gosto considerar cada um dos
aspectos dessa missão e ver como todos eles se orientam, cada um com a sua
eficácia própria, para o mesmo fim: reproduzir nos filhos as feições do Filho
primogênito. Quer dizer: a materna intercessão da Virgem Santíssima, assim como
a sua santidade exemplar, a graça divina, que está nela, tornam-se motivo de
esperanças supernas para todo o gênero humano.
A
materna missão de Maria, pois, impele o Povo de Deus a dirigir-se, com filial
confiança, àquela que está sempre pronta para o atender, com afeto de mãe e com
o valimento eficaz de auxiliadora (LG 60-63). Por isso, cedo começou o mesmo
Povo de Deus a invocá-la sob os títulos de Consoladora dos aflitos, Saúde dos
enfermos e Refúgio dos pecadores, a fim de alcançar conforto nas tribulações,
alívio nas doenças e, quando ilaqueado pela culpa, a força libertadora; porque
ela, isenta do pecado, leva os seus filhos a isto: a debelarem, com decisão
enérgica, o pecado (LG 65). E uma tal libertação do pecado e do mal (cf. Mt
6,13), importa frisá-lo bem, é a condição necessária para toda e qualquer
renovação dos costumes cristãos.
Depois,
a santidade exemplar da Virgem Santíssima estimula, realmente, os fiéis a
levantarem "os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre
toda a comunidade dos eleitos" (LG 65). São virtudes sólidas e
evangélicas, as suas: a fé e a dócil aceitação da Palavra de Deus (cf. Lc
1,26-28;1,45;11,27-28; Jo 2,5); a obediência generosa (cf. Lc 1, 38); a
humildade genuína (cf. Lc 1,48); a caridade solícita (cf. Lc 1,39-56); a
sapiência reflexiva (cf. Lc 1,29.34; 2,19.33.51); a piedade para com Deus,
álacre no cumprimento dos deveres religiosos (cf. Lc 2,21.22-40.41),
reconhecida pelos dons recebidos (cf. Lc 1,46-49), oferente no Templo (cf. Lc
2,22-24) e orante na comunidade apostólica (cf. At 1,12-14); a fortaleza no
exílio (cf. Mt 2,13-23) e no sofrimento (cf. Lc 2,34-35.49; Jo 19,25); a
pobreza levada com dignidade e confiante em Deus (cf. Lc 1,48; 2,24); a
solicitude vigilante para com o Filho, desde a humilhação do berço até a
ignomínia da cruz (cf. Lc 2,1-7; Jo 19,25-27); a delicadeza previdente (cf. Jo
2,1-12); a pureza virginal (cf. Mt 1,18-25; Lc 1,2638); e, enfim, o forte e
casto amor esponsal. Destas virtudes da Mãe se poderão também revestir os
filhos que, com firmes propósitos, souberem reparar nos seus exemplos, para
depois os traduzir na própria vida. E semelhante progresso na virtude
aparecerá, assim, como conseqüência e fruto já maduro também, daquela força
pastoral que promana do culto tributado à Virgem Santíssima.
A
piedade para com a Mãe do Senhor torna-se pois, para o fiel, ocasião de
crescimento na graça divina, que é, de resto, a finalidade última de toda e
qualquer atividade pastoral. Na realidade, é impossível honrar a "cheia de
graça" (Lc 1,28), sem honrar o estado de graça em si próprio; quer dizer:
a amizade com Deus, a comunhão com Ele e a inabitação do Espírito Santo. Esta
graça divina reveste todo o homem e torna-o conforme a imagem do Filho de Deus
(cf. Rm 8,29; Cl 1,18).
A
Igreja católica, apoiada numa experiência de séculos, reconhece na devoção a
Virgem Santíssima um auxílio poderoso para o homem em marcha para a conquista
da sua própria plenitude. Maria, a Mulher nova, está ao lado de Cristo" o
Homem novo, em cujo mistério, somente, encontra verdadeira luz o mistério do
homem (GS 22); e está aí, qual penhor e garantia de que numa simples criatura,
nela, se tornou já realidade o plano de Deus em Cristo, para a salvação de todo
o homem.
Para
o homem contemporâneo, - não raro atormentado entre a angústia e a esperança,
prostrado mesmo pela sensação das próprias limitações e assaltado por
aspirações sem limites, perturbado na mente e dividido em seu coração, com o
espírito suspenso perante o enigma da morte, oprimido pela solidão e,
simultaneamente, a tender para a comunhão, presa da náusea e do tédio, a
bem-aventurada Virgem Maria contemplada no enquadramento das vicissitudes
evangélicas em que interveio e na realidade que já alcançou na Cidade de Deus,
proporciona-lhe uma visão serenadora e uma palavra tranqüilizante: a da vitória
da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a
perturbação da alegria e da beleza sobre o tédio e a náusea, das perspectivas
eternas sobre as temporais e, enfim, da vida sobre a morte.
A
sigilar esta nossa Exortação e como um ulterior argumento em favor do valor
pastoral da devoção à Virgem Santíssima, para conduzir os homens a Cristo,
sejam aquelas mesmas palavras que ela dirigiu aos servos das bodas de Caná:
"Fazei o que Ele vos disser" (Jo 2,5). Palavras estas limitadas, na
aparência, ao desejo de achar remédio para uma complicação surgida no decorrer
do convívio; mas que, na perspectiva do quarto Evangelho, são realmente
palavras em que parece repercutir-se o eco da fórmula usada pelo Povo de Israel
para sancionar a Aliança sinaíta (cf. Ex 19,8;24,3.7; Dt 5,27), ou para renovar
os compromissos da mesma (cf. Js 24,24; Esd 10,12; Ne 5,12); e palavras, ainda,
em que há uma consonância admirável com aquelas outras do Pai, quando da
teofania do monte Tabor: "Ouvi-O" (Mt 17,5).
58.
Tratamos amplamente, veneráveis Irmãos, de um elemento que é parte integrante
do culto cristão: a veneração para com a Mãe do Senhor. Exigia-o a natureza da
matéria que, nestes últimos anos, tem sido objeto de estudo, de revisão e,
algumas vezes, mesmo de certas perplexidades. É para nós motivo de conforto, no
entanto, o pensar que o trabalho realizado, em execução das normas do Concílio,
por esta Sé Apostólica e por vós próprios, de modo particular a reforma
litúrgica, há de ficar a constituir um pressuposto válido, para um culto a
Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, cada dia mais vivo e adorante, e para o
crescimento da vida cristã entre os fiéis. E é motivo de confiança para nós,
ainda, o verificar que a Liturgia romana renovada constitui, no seu conjunto,
também ela, um fúlgido testemunho da piedade da Igreja para com a Santíssima
Virgem. Alenta-nos a esperança de que as diretrizes emanadas em ordem a tornar
cada vez mais límpida e vigorosa essa piedade virão a ser sinceramente
aplicadas. E confessamos a nossa alegria, por fim, por o Senhor nos ter
concedido a oportunidade de apresentar alguns pontos de reflexão que visam
renovar e confirmar a estima em relação à prática do santo Rosário. Conforto,
confiança, esperança e alegria são os sentimentos que, unindo a nossa voz à voz
da Virgem Maria, como implora a Liturgia romana,(75) queremos traduzir em
fervoroso louvor e ação de graças ao Senhor.
Ao
mesmo tempo que auspiciamos, portanto, que graças à vossa aplicação generosa,
Irmãos caríssimos, se verifique entre o clero e entre o povo confiado aos
vossos cuidados, um salutar incremento da devoção mariana, com indubitável
proveito para a Igreja e para a sociedade humana, outorgamo-vos, do coração, a
vós e a todos os féis em prol dos quais se exercita o vosso zelo pastoral uma
especial bênção apostólica.
Dada
em Roma, junto de São Pedro, no dia 2 de fevereiro, Festa da Apresentação do
Senhor, do ano de 1974, décimo primeiro do nosso pontificado.
PAULUS
PP. VI
NOTAS
1.
Cf. Lactâncio, Divinae institutiones IV, 3, 6-10: CSEL 19, p. 279.
2.
Missa votiva da bem-aventurada Virgem Maria Mãe da Igreja, Prefácio.
3.
Cf. Exortação Apostólica Signum Magnum: AAS 59 (1967), pp. 465-475.
4.
Cf. Missal Romano ("ex Decr. Sacr. Cec. Conc. Vat. II Instauratum,
auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Ed. typica, MCMLXX"), 8 de dezembro,
Prefácio.
5.
Missal Romano, Lecionário ("ex Decr. Sacr. Oec. Conc. Vat. II instauratum
auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Ordo lectionum Missae Ed. typica
MCMLXIX", p. 8): Leitura I (Ano A. Is 7,10-14: "Eis a Virgem que
concebe"; Ano B: 2Sm 7,1-5.8b-11.16: "A realeza de Davi será estável
para sempre diante do Senhor; Ano C: Miq 5,2-5a [Hbr 1-4a]: "...de ti
sairá para mim aquele que há de dominar em Israel").
6.
Ibidem (p. 8): Evangelho (Ano A: Mt 1,18-24: "Jesus nascerá de Maria,
desposada com José, filho de Davi"; Ano B: Lc 1,26-38: "Eis que
conceberás e darás à luz um filho"; Ano C: Lc 1,39-45: "E donde me é
dada a graça que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?").
7.
Cf. Missal Romano, Prefácio do Advento , II.
8.
Cf. Missal Romano, ibidem.
9.
Cf. Missal Romano, Prece Eucarística I, Communicantes próprio da Festa de
Natividade do Senhor e da Oitava.
10.
Cf. Missal Romano, l° de janeiro, Intróito e Coleta.
11.
Cf. Missal Romano, 22 de agosto, Coleta.
12.
Cf. Missal Romano, 8 de setembro, Depois da Comunhão.
13.
Cf. Missal Romano, 31 de maio, Coleta.
14.
Cf. Ibidem, Coleta e Oração sobre as oblatas.
15.
Cf. Missal Romano, l5 de setembro, Coleta.
16.
Cf. supra, n.l, p.13.
17.
Entre as numerosas anáforas, cf. as seguintes, particularmente apreciadas entre
os Orientais: Anaphora Marci Evangelistae: Prex Eucharistica, ed. A. Haenggi-I.
Pahl, Fribourg, Editions Universitaires,1968, p.107; Anaphora Iacobi fratris
Domini graeca, ibid., p. 257: Anaphora Iannis Chrysostomi, ibid., p. 229.
18.
Cf. Missal Romano, 8 de dezembro, Prefácio.
19.
Cf. Missal Romano, l5 de agosto, Prefácio.
20.
Cf. Missal Romano, l° de janeiro, Depois da Comunhão.
21.
Cf. Missal Romano, Comum das Festas de Nossa Senhora, Tempo Pascal, 6, Coleta.
22.
Cf. Missal Romano, l5 de setembro, Coleta.
23.
Cf. Missal Romano, 31 de maio, Coleta. Na mesma linha, veja-se também o II
Prefácio de Nossa Senhora: "É verdadeiramente nosso dever... exaltar de
modo particular a Vossa bondade, na evocação da memória da bem-aventurada
Virgem Maria, inspirando-nos no seu canto de louvor".
24.Cf.
Missal Romano, - Lecionário, III Domingo do Advento (Ano C: Sof 3,14-18a); IV
Domingo do Advento (Cf. supra a nota 12); Domingo dentro da Oitava do Natal
(Ano A: Mt 2,13-15.19-23; Ano B: Lc 2,22-40; Ano C: Lc 2,41-52); II Domingo
depois do Natal (Jo 1,1-18); VII Domingo da Páscoa (Ano A: At 1,12-14); II
Domingo durante o ano (Ano C: Jo 2,1-12); X Domingo durante o ano (Ano B: Gn
3,9-15); XIV Domingo durante o ano (Ano B: Mc 6,1-6).
25.
Cf. Missal Romano - Lecionário, Para o Catecumenato e Batismo dos adultos,
"Ad traditionem" da Oraçáo Dominical (Leitura II, 2: Gál 4,4-97);
Para a iniciação cristã fora da vigília Pascal (Evang., 7: Jo
1,1-5.9.14.16-18); Para as núpcias (Evang., 7: Jo 2,1-12); Para a consagração
das virgens e profissão religiosa (Leitura I, 7: Is 61,9-11; Evang., 6: Mc
3,31-35; Lc 1,26-38 [Cf. o "Ordo" da consagração das virgens, n.130;
e o "Ordo" da profissão religiosa, Segunda Parte, n.145]).
26.
Cf. Missal Romano - Lecionário, Pelos prófugos e exilados (Evang., 1: Mt
2,13-15.19-23); Em ação de graças (Leitura I, 4: Sf 3,14-15).
27.
La Divina Commedia, Paradiso XXXIII,1-9; Cf. Liturgia das Horas, Memória de
Santa Maria "in Sabbato", Ofício da Leitura, Hino.
28.
Cf. "Ordo" do Batismo das crianças, n. 48; "Ordo" da
Iniciação cristã dos adultos, n. 214.
29.
Cf. Ritual Romano, Tít. VII, cap. III, Bênção da mulher depois do parto.
30.
Cf. "Ordo" da profissão religiosa, Primeira Parte, nn. 57 e 67.
31.
Cf. "Ordo" da consagração das virgens, n.16.
32.
Cf. "Ordo"da profissão religiosa, Primeira Parte, nn. 62 e 142;
Segunda Parte, nn. 67 e 158; e "Ordo" da consagração das virgens,
nn.18 e 20.
33.
Cf. "Ordo" da unção dos enfermos e cuidados pastorais dos mesmos, nn.
143,146,147,150.
34.
Cf. Missal Romano, Missas dos defuntos - pelos irmãos, parentes e benfeitores
falecidos, Coleta.
35.
Cf. "Ordo" das exéquias, n. 226.
36. Cf. Adversus
Haereses IV, 7,1: PG 7,1; 990-991; S. Ch., n.100, t. II, pp. 454-458.
37. Cf. Adversus
Haereses III,10, 2: PG 7,1, 873; S. Ch., n. 34, p.164.
38. Tractatus
XXV (In Nativitate Domini), 5: CCL 138, p.123; S. Ch., 22 bis, p. 132; C£
também Tractatus XXIX (In Nativitate Domini), 1: CCL ibid., p. 147; S. Ch.,
ibid., p.178; Tractatus LXIII (De Passione Domini), 6: CCL ibid., p. 386; S.
Ch., 74, p. 82.
39.
M. Ferotin, Le "Liber Mozarabicus Sacramentorum", col. 56.
40.
In Purificatione B. Mariae, Sermo III, 2: PL 183, 370; Sancti Bernardi Opera,
ed., J. Leclercq-H. Rochais, vol. IV, Romae 1966, p. 342.
41.
Cf. Pio XII, Encíclica Mystici Corporis: AAS 35 (1943), p. 247.
42.
"...Dignai-vos lembrar todos aqueles que partiram deste mundo e vos foram
aceites - dos santos padres, patriarcas, profetas, apóstolos (...) e da santa e
gloriosa Mãe de Deus, Maria, e de todos os santos. (...); que eles recordem a
nossa miséria e pobreza e vos ofereçam, juntamente conosco, este sacrifício
formidável e incruento": Anaphora Iacobi fratris Domini syriaca; Prex
Eucharistica, ed., A. Haenggi-I. Pahl, Fribourg, Editions Universitaires,1968,
p. 274.
43.
Expositio Evangelii secundum Lucam, II, 26: CSEL 32, IV, p. 55; S. Ch., 45, pp.
83-84.
44.
Cf. Paulo VI, Alocução no Santuário mariano de "Nostra Signora di
Bonaria", Cagliari, a 24 de abril de 1970: AAS 62 (1970), p. 300.
45.
Cf. Pio IX, Bula dogmática Ineffabilis Deus: Pii IX Pontificas Maximi Acta, I,
l, Romae, 1854, p. 599; Cf. ed. V Sarda, La solenne definizione del dogma
dell'Immacolato concepimento di Maria Santíssima. Atti e documenti..., Roma
1904-1905, vol. II, p. 302.
46.
S. Ildefonso, De virginitate perpetua sanctae Mariae, cap. XII; PL 96, 108.
47.
Lumen Gentium 56, e os autores citados na relativa.
48.
Cf. S. Ambrósio, De Spiritu Sancto II, 37-38: CSEL 79, pp. 100-101; Cassiano,
De incarnatione Domina II, cap. II: CSEL 17, pp. 247-249; S. Beda, Homilia I,
3: CCL 122, p.18 e p. 20.
49.
Cf. S. Ambrósio, De institutione virginis, cap. XII, 79: PL 16 (ed. 1880), 339;
Epistula 30, 3 e Epistula 42, 7: ibid., 1107 e 1175; Expositio evangelii
secundum Lucam X, 132; S. Ch., 52, p. 200; S. Procles de Constantinopla, Oratio
I, et Oratio V, 3: PG 65, 681 e 720; S. Basílio de Selêucia, Oratio XXXIX, 3:
PG 85, 433; S. André de Creta, Oratio IV: PG 97, 868; S. Germano de
Constantinopla, Oratio II,15: PG 98, 305.
50.
Cf. S. Jerônimo, Adversos Iovinianum I, 33: PL 23, 267; S. Ambrósio, Epistula
63, 33: PL 16 (ed. 1880), 1249; De institutione virginis, cap. XVII, 195:
Ibid., 346; De Spiritu Sancto III, 79-80: CSEL 79, pp. 182-183; Sedúlio, Hymnus
"A solis ortus cardine", vv.13-14: CSEL 10, p.164; Hymnus Acathistos,
str. 23: ed. I B. Pitra, Analecta Sacra, I, p. 261; S. Procles de
Constantinópola, Oratio I, 3: PG 65, 684; Oratio II, 6: ibid., 700: S. Basílio
de Selêucia, Oratio IV: PG 97, 868; S. João Damasceno, Oratio IV,10: PG 96,
677.
51.
Cf. S. Severo de Antioquia, Homilia 57: PO 8, pp. 357-358; Hesíquio de
Jerusalém, Homilia de Sancta Maria Deipara: PG 93,1464: Crisipo de Jerusalém,
Oratio in sanctam Mariam Deiparam, 2: PO 19, p. 338; S. André de Creta, Oratio
V: PG 97, 896; S. João Damasceno, Oratio VI, 6: PG 96, 672.
52.
Liber Apotheosis, vv 571-572: CCL 126, p. 97.
53.
Cf. S. Isidoro, De ortu et obitu Patrum, cap. LXVII, 111: PL 83, 148; S.
Ildefonso, De virginitate perpetua sanctae Mariae, cap. X: PL 96, 95; S.
Bernardo, In Assumptione B. Virginis Mariae, Sermo IV, 4: PL 183, 428; In
Nativitate B. Virginis Mariae: ibid., 442; S. Pedro Damião, Carmina sacra et preces
II, Oratio ad Deum, Filium: PL 145, 921; Antiphona "Beata Dei Genetrix
Maria": Corpus antiphonalium officcii, ed. R. J. Hesbert, Roma 1970, vol.
N, n. 6314, p. 80.
54.
Cf. Paulo Diácono, Homilia I, In Assumptione B. Mariae Virginis: PL 95, 1567;
Pascásio Rodberto, De Assumptione sanctae Mariae Virginis, trib., nn. 31, 42,
57, 83: ed. A. Ripberger, in "Spicilegium Friburgense", n. 9, 1962,
pp. 72, 76, 84, 96-97; Eadmero de Cantuária. De excellentia Vrginis Mariae,
cap. IV- V: PL 159, 562-567; S. Bernardo, In laudibus Virginis Matris, Homilia
IV, 3: Sancti Barnardi Opera, ed. J. Leclercq-H. Rochais, IV, Romae 1966, pp.
49-50.
55.
Cf. Orígenes, In Lucam Homilia VII, 3: PG 13,1817; S. Ch., 87, p.156; S. Cirilo
de Alexandria, Commentarius in Aggaeum prophetam, cap. XIX: PG 71, 1060; S.
Ambrósio, De fide IV, 9, 113-114: CSEL 78, pp. 197-198; Expositio evangelii
secundum Lucam II, 23 e 27-28; CSEL 32, N, pp. 53-54 e 55-56; Severiano de
Gábala, In mundi creationem oratio IV, 10. PG 56, 497-498; Antipater Bostrensis,
Homilia in Sanctissimae Deiparae Annuntiationem, 16: PG 85,1785.
56.
Cf. Eadmero de Cantuária, De excellentia Virginis Mariae, cap. VII: PL 159,
571: S. Amadeu de Lausana, Homilia VII: PL 188,1337; S. Ch., 72, p.184.
57.
De virginitate perpetua sanetae Mariae, cap. XII: PL 96,106.
58.
Lumen Gentium 54. Cf. Paulo VI, Alocução durante o Concílio Ecumênico Vaticano
II, na altura do encerramento da segunda sessão, em 4 de dezembro de 1963. AAS
56 (1964), p. 37.
59.
S. Cipriano, De catholicae Ecclesiae unitate, 5: CSEL 3, p. 214.
60.
Isaac De Stella, Sereno LI, In Assumptione B. Mariae; PL 194,1863.
61.
Sermo XXX,1: S. Ch., 164, p.134.
62.
Cf. Officium magni canonis paracletici, Magnum Orologion, Athenis 1963, p. 558;
ocorre com freqüência nos cânones e tropários, litúrgicos: Cf. Sofrônio
Eustradiadou, Theotokarion, Chennevières-sur-Marne,1931, pp. 9 e 19.
63.
Cf. Paulo VI, Alocução aos Padres Conciliares, na Basílica de S. Pedro, em 21
de novembro de 1964: AAS 56 (1964), p.1017.
64.
Carta Encíclica Adiutricem populi: AAS 28 (1895-1896), p.135.
65.
Cf. S. Pedro Crisólogo, Sermo CXLIII: PL 52, 583.
66.
Cf. Paulo VI, Exortação Apostólica Signum Magnum, I: AAS 59 (1967), pp.
467-468; Missal Romano, l5 de setembro, Oração sobre as oferendas.
67.
S. Agostinho, In Iohannis Evangelium, Tractatus X, 3: CCL 36, pp. 101.102;
Epistula 243, Ad Laetum, n. 9. CSEL 57, pp. 575-576; S. Beda, In Lucae
Evangelium expositio, N, xi, 28: CCL 120, p. 237; Homilia I, 4: CCL 122, pp.
26-27.
68.
Cf. Missal Romano, IV Domingo do Advento, Oração do dia. Analogamente a Oração
do dia de 25 de março, que na recitação do Angelus Domini pode substituir a
precedente.
69.
Pio XII, Carta Philippinas Insulas, ao Arcebispo de Manila: AAS 38 (1946), p.
419.
70.
Cf. Discurso aos participantes no III Congresso Internacional Dominicano do
Rosário: Insegnamenti di Paolo VI, l (1963), pp. 463-464.
71.
Cf. AAS 58 (1966), pp. 745-749.
72.
Cf. AAS 61 (1969), pp. 649-654.
73.
Cf. n.13: AAS 56 (1964), p.103.
74.
La Divina Commedia, Paradiso XXXIII, 4-6.
75.
Cf. Missal Romano, 31 de maio, Oração do dia.